Como Comer em Bhakti-Yoga

-07 (artigo - alimentação) Como Comer em Bhakti-yoga (1)Ravindra Svarupa Dasa

O serviço devocional, ou bhakti-yoga, não é como uma religião, ou processo ióguico, em que o indivíduo se ocupa em meio período, apenas aos domingos ou por uma hora pela manhã. Na verdade, é a atividade natural da alma liberta e diz respeito a toda esfera da vida. Há uma maneira consciente de Krishna de fazer cada coisa. Uma vez que comer é a mais básica e importante de todas as atividades, este artigo discute a maneira consciente de Krishna de se comer.

A consciência de Krishna é a energia original da alma espiritual eterna. O serviço devocional, ou bhakti-yoga, não é como uma religião, ou processo ióguico, em que o indivíduo se ocupa em meio-período, apenas aos domingos ou por uma hora pela manhã. Na verdade, é a atividade natural da alma liberta e diz respeito a toda esfera da vida. Há uma maneira consciente de Krishna de fazer cada coisa – uma maneira de comer e dormir, uma maneira de ter relações sexuais e se defender, uma maneira de fazer trabalho físico e negócios e atividades agrícolas, uma maneira de administrar e governar, e uma maneira de proceder com trabalho intelectual. Há uma maneira consciente de Krishna de ser estudante, chefe de família, aposentado ou renunciado. Em todas as atividades, em todas as condições e classes de vida, podemos proceder da maneira transcendental da consciência de Krishna. Uma vez que comer é a mais básica e importante de todas as atividades, este artigo discute a maneira consciente de Krishna de se comer.

Você É o que Você Come

O alimento é tão importante que as gradações de seres humanos e animais podem ser calculadas de acordo com seu processo de alimentação. Na sociedade humana, por exemplo, o comedor de cachorros é considerado o mais baixo, e, entre os animais, o comedor de excrementos é igualmente considerado o mais baixo. Com efeito, George Bernard Shaw escreveu um livro chamado Você É o que Você Come. O processo de alimentação é importante, pois, se alguém come tal qual um gato ou cão, ele se tornará um gato ou um cão, mesmo nesta vida.

No Bhagavad-gita, há uma discussão sobre comida nos termos dos modos ou qualidades da natureza material. É dito que a natureza material é feita dos três modos (gunas)a saber, bondade, paixão e ignorância, e, quando a entidade viva, ou alma espiritual, entra em contato com a natureza material, essa partícula consciente é condicionada pelos modos.

O modo da bondade é mais puro do que os demais, e alguém em bondade desenvolve conhecimento e se condiciona à felicidade. O modo da paixão nasce de desejos ilimitados, e o sujeito em paixão é atado pelos frutos de suas ações. Melancolia e sono caracterizam uma pessoa em ignorância, e ela é condicionada pela loucura.

Krishna explica ainda para Arjuna, no capítulo dezessete do Bhagavad-gita, que indivíduos situados em diferentes modos se atraem por diferentes tipos de alimentos. O Senhor Supremo diz: “Alimentos no modo da bondade ampliam a duração da vida, purificam a existência, dão força e ampliam a saúde, a felicidade e a satisfação. Tais alimentos são suculentos, gordurosos e muito favoráveis à saúde do corpo. Alimentos que são excessivamente amargos, excessivamente azedos, excessivamente salgados, excessivamente acres, excessivamente secos ou excessivamente picantes causam aflição, miséria e doenças. Tais alimentos são muito queridos àqueles no modo da paixão. Alimentos preparados mais de três horas antes de serem comidos, que são insípidos, sem sumo, em decomposição, malcheirosos e que consistem em sobras e substâncias intocáveis são muito queridos àqueles no modo da escuridão”. (Bhagavad-gita 17.8-10)

Destarte, o sujeito come segundo seu estado condicionado. Quer ele esteja situado primariamente em bondade, paixão ou ignorância, continua preso pelas cordas da natureza material. A pessoa talvez evite coisas intocáveis, como carne ou bebidas alcoólicas e coma apenas produtos lácteos, açúcar, arroz, trigo, frutas, legumes, verduras e outros alimentos queridos àqueles no modo da bondade. Talvez obtenha sua gordura animal a partir do leite, e suas proteínas, de amendoins, trigo integral, ervilha partida etc., evitando a prática subumana de abater animais. Ainda assim, todavia, continuará situado dentro da energia material e será atado pelas reações cármicas. O vegetarianismo não é o bastante. É preciso transcender os modos da natureza material, mesmo na alimentação: “Quando é capaz de transcender essas três qualidades, o ser corporificado pode se livrar do nascimento, da morte, da velhice e de suas doenças e pode desfrutar do néctar mesmo nesta vida”. (Bhagavad-gita 14.20)

Agir sem Agir

Krishna aponta: “Ninguém pode deixar de agir, nem mesmo por um instante”. (Bhagavad-gita 3.5). A pessoa tem que agir porque a força vivente é, por natureza, ativa. Contudo, para um ser vivo corporificado, toda e cada ação produz uma reação, boa ou ruim, que o ata ao mundo material. Isso se chama karma. Todavia, como podemos parar de agir? Se queremos comer, temos que agir, e comer é uma das necessidades da vida – se deixarmos de comer, morreremos. Quando, todavia, comemos alimentos preparados para satisfazer nossa fome, cada punhado que levamos à boca aprofunda nosso envolvimento com as complexidades da natureza material. O karma está ali.

Este é o dilema de todas as almas condicionadas: como agir sem se enredar. Esse é o mesmo dilema que deixou Arjuna perplexo no campo de batalha de Kurukshetra. Não havia possibilidade de Arjuna não se dedicar à batalha, mas Krishna o instruiu acerca de como lutar. A Suprema Personalidade de Deus disse: “Ó filho de Kunti, tudo o que fizeres, tudo o que comeres, tudo o que ofereceres ou deres, bem como todas as austeridades que acaso realizes, deves fazer como uma oferenda a Mim. Deste modo, estarás livre de todas as reações dos atos bons e ruins e, mediante esse princípio de renúncia, libertar-te-ás e virás a Mim”. (Bhagavad-gita 9.27-28)

Essa é a solução oferecida pelo Senhor Supremo ao dilema de todas as almas condicionadas. Quando todas as nossas ações são feitas para Krishna, e não para nós mesmos, tais ações não produzem karma. Sem desejar ou odiar os frutos das atividades, o sujeito deve simplesmente fazer tudo para a satisfação de Krishna, e, deste modo, sua consciência permanecerá estavelmente fixa no Supremo, embora suas atividades pareçam ordinárias.

Com Amor e Devoção

Assim, Krishna quer que comamos apenas alimento primeiramente oferecido a Ele em sacrifício. Ele diz: “Os devotos do Senhor se libertam de todos os pecados porque comem alimento que é primeiramente oferecido em sacrifício. Outros, que preparam o alimento para seu desfrute sensório pessoal, comem, em verdade, apenas pecados”. (Bhagavad-gita 3.13)

O indivíduo consciente de Krishna vê a si mesmo sempre como servo do desfrutador supremo. Sua meditação em Krishna é ininterrupta e estável, e ele não precisa descer para o nível da gratificação sensória material para comer. Na cozinha, está pensando em Krishna, para quem ele prepara pratos saborosos. Ele não desfruta do alimento enquanto o está preparando, tampouco o prova, nem mesmo para ajustar os temperos. Krishna é o primeiro a desfrutar. Então, com amor e devoção, ele oferecer a preparação a Krishna, que é o reservatório de prazer dos sentidos, e diz orações agradáveis pedindo a Krishna a gentileza de aceitar sua oferenda. Krishna diz: “Se alguém Me ofertar, com amor e devoção, uma folha, uma flor, uma fruta ou água, Eu aceitarei”. (Bhagavad-gita 9.26)

Não é o caso que Deus está faminto e vem mendigar por comida. Não. Krishna é autossatisfeito, e tudo o que porventura Lhe ofereçamos já era dEle. Porém, Ele quer estabelecer uma reciprocação, uma troca de sentimentos. Ele não pede por um banquete opulento, mas apenas por água, uma folha ou uma fruta, o que certamente qualquer pessoa, em qualquer condição, pode conseguir. Ele não diz que aceita carne ou peixe ou ovos, em virtude do que alguém desejoso de satisfazer Krishna não Lhe ofertará tais coisas. Apenas pratos vegetarianos devem ser oferecidos, com os ingredientes compulsórios do amor e da devoção, e Krishna aceitará.

Como Deus Pode Comer?

Agora, alguém talvez pense: “Bem, tudo isso soa muito interessante, mas falta um ponto. Vocês estão presumindo que Deus come. Todavia, visto que Deus é espiritual, e não material como nós, como pode comer?”. Essa é uma ótima pergunta. Krishna é espiritual, certamente. Contudo, temos que compreender o que isso significa. Se tentarmos determinar Deus pelo poder de nossa inteligência, podemos chegar à nossa ideia de Deus da seguinte maneira: “O espiritual é precisamente o oposto do material; como temos corpos materiais que nos limitam, Deus, então, como um ser espiritual, tem que ser livre das limitações de qualquer corpo. Como eu tenho mãos e pés, Deus tem que ser livre de mãos e pés; eu tenho olhos, ouvidos, nariz e língua, e Deus tem que ser destituído de olhos, ouvidos, nariz, língua e assim por diante”. Quase todos especulam dessa forma, e é essa a razão para muitíssimas pessoas terem sido levadas a acreditar que Deus é impessoal ou vazio. Destarte, a ideia de Deus comer se torna difícil de entender.

Todavia, devemos considerar, antes de tudo, o valor desse processo especulativo. Uma vez que somos limitados por nossos corpos materiais, como, através da especulação, teremos conhecimento sobre uma área muitíssimo além do escopo de nossos sentidos? Dado que estamos fechados nestas formas materiais, estamos condicionados por sentidos defeituosos, por uma propensão a errar, por uma tendência a nos iludirmos e por uma propensão a enganar. Com tais defeitos, dificilmente poderíamos determinar Deus. A não ser que nos deparemos com uma autoridade que possa nos dar informações definitivas sobre Deus, não podemos saber nada acerca dEle. Tudo do que somos capazes é termos ideias negativas e vagas. Porque nós, portanto, precisamos de ajuda, o próprio Krishna apresentou conhecimento positivo acerca de Si para discípulos Seus como o senhor Brahma e Arjuna e providenciou que tal conhecimento fosse retransmitido por uma corrente ininterrupta de autoridades espirituais perfeitas. Podemos, por conseguinte, ler no Bhagavad-gita que Krishna diz a Arjuna: “Sou não nascido, e Meu corpo transcendental jamais se deteriora”. (Bhagavad-gita 4.6) Declara ainda que a forma que Ele exibiu 5000 anos atrás neste planeta Terra é Sua forma original e transcendental, e não uma forma assumida, como a nossa. Krishna não é corporificado; Ele não é uma partícula espiritual coberta por um corpo material. Em vez disso, Ele é Sua própria forma espiritual, eterna e sempre jovem.

Assim, segundo a informação da corrente de autoridades espirituais, Deus possui todos os sentidos – visão, tato, paladar, olfato etc. Porém, Seus sentidos são espirituais. Se pensarmos sobre isso, podemos entender como esse ensinamento faz mais sentido do que nossa conclusão impessoal.

Krishna é a Verdade Absoluta. Isso significa que Ele é a origem ou a fonte de tudo; o que quer que possamos experienciar, quer espiritual, quer material, é uma emanação dEle. Portanto, nossa mente, nossos sentidos e nossa inteligência são todos criações da Verdade Absoluta, logo a Verdade Absoluta não carece de mente, sentidos ou inteligência. Ele não é impessoal. Se ele carecesse de sentidos ou de inteligência, Ele seria menos do que Sua própria criação. A própria palavra “criar” indica que Ele possui inteligência transcendental. Porque Krishna é uma pessoa, nós somos pessoas. Quando um pai gera um filho, o filho possui mãos e pernas porque o pai as possui. O filho também possui sentidos porque seu pai possui sentidos. Por conseguinte, algumas vezes se diz que o homem é feito à imagem e semelhança de Deus. Nós possuímos sentidos porque Krishna, o Pai Original, tem sentidos.

Não obstante, uma vez que os sentidos de Krishna são espirituais, não são limitados da maneira como são os nossos. Em nosso corpo material, cada sentido pode exercer apenas sua própria função, ao passo que, na figura transcendental de Krishna, todo e cada membro possui em si mesmo todas as funções de todos os outros órgãos. Cada sentido pode realizar a função de todo o resto. Isso significa que Ele pode caminhar com Suas mãos, ver com Suas pernas ou comer com Seus olhos. No Bhagavad-gita, Krishna diz que Ele impregnou todas as entidades vivas no ventre da natureza material por meio de Seu olhar. Essa é a natureza da forma espiritual do Senhor. Portanto, quando oferecemos alimento ao Senhor e Ele ouve nossas orações e vê o alimento no altar, esse ver e esse ouvir são inteiramente idênticos a Seu comer e desfrutar do alimento. Dessa maneira, Krishna aceita nossa oferenda e a come.

Você É o que Você Come – Mais uma Vez

Os remanentes do alimento oferecido a Krishna se chamam prasada. Prasada significa “misericórdia”. Krishna aceita a oferenda de alimento e, então, devolve a mesma a Seu devoto como Sua misericórdia, pois o próprio Krishna Se torna o alimento que Lhe foi oferecido. Porque o alimento está em contato com Krishna, torna-se espiritualizado, krishnaizado. Semelhante alimento é transcendental, completamente livre do contato com os modos da bondade, da paixão e da escuridão. Prasada é alimento destituído de karma, e qualquer um que coma o prasada de Krishna avança na vida espiritual. O indivíduo pode tentar alcançar o Supremo por meio de especulação mental, por exercitar a respiração etc., mas o que é tão magnífico e tão fácil como alcançar o destino supremo simplesmente por comer?

Porque o alimento oferecido a Krishna é preparado com amor e devoção para a Suprema Personalidade de Deus e é aceito por Sua misericórdia depois que foi ofertado a Ele, nenhum karma se liga ao alimento, haja vista que não há gratificação sensorial ou desejo material. Ao preparar, ao oferecer e ao comer o prasada de Krishna, o indivíduo permanece fixo na posição transcendental, absorto no Brahman, espírito, e livre da ilusão dos modos da natureza. Comer dessa maneira é a verdadeira consumação do yoga: “É dito que a pessoa atingiu o yoga”, Krishna diz, “quando, tendo renunciado todos os desejos materiais, nem age para a gratificação sensorial nem se ocupa em atividades fruitivas”. (Bhagavad-gita 6.4)

Renúncia é algo essencial para qualquer pessoa séria em relação ao progresso espiritual. Se alguém alega estar ocupado em yoga ou em aprimoramento espiritual, porém não se ocupa firmemente em renúncia das atividades fruitivas e da gratificação sensorial, é um enganador ou está sendo enganado por um enganador. De uma forma ou outra, é preciso impedir que os sentidos se ocupem em atividades materiais de gozo dos sentidos, impedimento esse ensinado por todas as autoridades, incluindo Sri Krishna, Buddha, Jesus Cristo, Sripada Shankaracharya etc.

Certa vez, há muitíssimos anos, um grande devoto de nome Dhruva Maharaja praticou um yoga muito severo a fim de compreender Deus em seis meses. Primeiramente, ele passou a comer apenas frutas e bagos de três em três dias e, no segundo mês, comia apenas grama e folhas secas a cada seis dias. Dessa maneira, ele progrediu e passou a tomar apenas um pouco de água a cada seis dias, até que, finalmente, ele tomava um pouco de ar a cada doze dias. Assim, Dhruva Maharaja renunciou a gratificação sensorial e conheceu Deus. Agora, nesta era, é-nos impossível praticar tais atividades severas para controlar os sentidos. Quem é capaz de fazer isso, ou até mesmo de dar os primeiros passos? Portanto, Krishna não instrui: “Não comais”, senão que Ele diz: “Comei o Meu prasada”. Comamos prasada suntuosamente e, destarte, renunciemos a gratificação sensorial e as atividades fruitivas.

Qualquer pessoa pode preparar, oferecer e comer o prasada de Krishna até mesmo em casa, sem inconveniências. Esta atividade maravilhosa é muito simples. É a perfeição do comer e é “eterna e agradável de ser praticada”.

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