Externalidade e Essência: Considerações sobre o Desvio Smarta

(artigo - Desvios Filosóficos) Externalidade e Essência, Considerações sobre o Desvio Smarta (1300) (rev)

Suhotra Swami

Quem é destituído de devoção genuína a Krishna não é capaz de conhecer o verdadeiro sentido das regras e regulações das escrituras.

Srila Bhaktivinoda Thakura identificou treze escolas desviantes dos ensinamentos do Senhor Chaitanya. São elas conhecidas como aula, baula, kartabhaja, neda, daravesa, sani, sahajiya, sakhibheki, smarta, jata-gosani, ativadi, cudadhari e gauranga-nagari. Porque essas escolas desviantes, ou apasampradayas, não cultivam as qualidades vaishnavas, suas atividades missionárias são condenadas como “enganadoras”. Neste artigo, analisaremos os smarta-brahmanas.

O Padma Purana, um texto de ensinamentos védicos, declara que se sempre nos lembrarmos de Vishnu ou Krishna (smartavyah satatam visnoh) antes de cumprirmos o nosso dever, nós automaticamente atendemos todas as regras e regulações escriturais. Se nos esquecemos dEle, nós inevitavelmente transgredimos o espírito das escrituras, mesmo se as seguirmos “ao pé da letra”, pois ter sempre Krishna na lembrança é o propósito de todos os códigos de conduta apresentados nas escrituras.

Nem todos admitem esse propósito. Existem três classes de brahmanas: os dvijas, os vipras e os vaishnavas. O dvija, de terceira classe, é iniciado ritualisticamente; o vipra, de segunda classe, é instruído nos Vedas, e o vaishnava, de primeira classe, sabe que a meta dos Vedas é sempre se lembrar de Krishna e nunca se esquecer dEle. Um dvija ou vipra que não é devoto não é capaz de conhecer o verdadeiro sentido das regras e regulações das escrituras; como um advogado desonesto, utilizará a lei para enriquecer-se materialmente. O dvija ou vipra não-devoto é a quem nos referimos pelo termo smarta-brahmana.

Smarta-brahmanas invertem inteiramente a instrução do Padma Purana: em vez de sempre se lembrarem de Krishna e, deste modo, consumarem as regras e regulações, eles se lembram das regras e regulações e sempre se esquecem de Krishna. O acara (comportamento) de um smarta-brahmana estrito e o de um vaishnava estrito podem parecer quase idênticos externamente, mas a consciência é por inteiro diferente.

Em sua forma mais sutil, a contaminação smarta é uma substituição de valores em vez de um comportamento ou uma filosofia. Os valores smartas são chamados de purusharthikas, enquanto os valores vaishnavas são parama-purusharthika. A diferença entre os dois é explicada por Srila Prabhupada no Chaitanya-charitamrita (Antya 7.24, significado):

Purusartha, “a meta da vida”, refere-se, em geral, a religião, desenvolvimento econômico, satisfação dos sentidos e, por fim, a libertação. Contudo, acima desses quatro tipos de purusharthas, está o amor a Deus, que é supremo. Chama-se parama-purushartha (a meta suprema da vida) ou purushartha-shiromani (o mais elevado de todos os purusharthas).

Os smarta-brahmanas julgam que a pessoa tem que nascer na casta brahmana para ser guru. Todavia, segundo o Senhor Chaitanya, uma pessoa de qualquer família, raça, cor ou credo pode se tornar guru, contanto que conheça a ciência espiritual da consciência de Krishna.

Os smartas também alegam que é um direito exclusivo de nascimento adorar a shalagrama-shila (a forma do Senhor Vishnu como uma pedra negra, que só pode ser adorado por brahmanas qualificados). E eles jamais se casam fora da casta brahmana – esse tabu é seguido tão estritamente que um pai smarta preferiria dar a mão de sua filha ao filho de um sacerdote da escola tântrica (que conduz rituais negros e faz oferendas de carne e vinho) a dar sua mãe a um vaishnava fora da casta brahmana.

Os smartas, então, são afligidos pelo “orgulho da casta superior”. Embora os jata-gosanis, que também superenfatizam o direito nato, possam também ser vitimados pelo orgulho, as duas comunidades diferem em seu modo de adoração. Os gosvamis de casta, ou jata-gosanis, são exclusivamente sacerdotes de templos de Krishna – ritualisticamente, ao menos, são vaishnavas brahmanas. Os brahmanas de casta, brahmanas smartas, por outro lado, adoram de acordo com a concepção mayavadi panchopasana. Assim, consideram o Senhor Krishna, ou Vishnu, como sendo uma das cinco formas do Brahman. Das cinco formas (Durga, Ganesha, Surya, Shiva e Vishnu), os smartas bengalis sempre tiveram predileção pela deusa Durga porque ela fornece a seus devotos opulências materiais.

Nos séculos XV e XVI d.C., a importância da comunidade smarta bengali foi praticamente anulada pelo movimento de sankirtana do Senhor Chaitanya. Entre os acharyas vaishnavas desse período, destaca-se Srila Narottama Dasa Thakura como o instrutor que mais depredou o orgulho dos smartas.

Os smartas, considerando Narottama apenas um kayastha (a casta clerical da Bengala) de nascimento baixo, ficaram tão enfurecidos vendo-o fazer discípulos entre membros da comunidade deles que convocaram o rei, Raja Narasimha, e um erudito influente chamado Sri Rupa Narayana para liderarem uma cruzada que, de alguma forma, expusesse Acharya Thakura como uma fraude. O rei, o erudito e uma grande parte dos brahmanas de castas procederam para Kheturi, onde Srila Narottama Dasa tinha sua sede.

Quando Sri Ramakrishna Bhattacharya e Sri Ganga Narayana Chakravarti, dois brahmanas vaishnavas, tomaram conhecimento da conspiração smarta, disfarçaram-se de shudras e estabeleceram dois pequenos mercadinhos no centro comercial de Kumarapura: um vendendo pan e nozes-de-bel, e outro vendendo potes de argila.

Quando o grupo chegou a Kumarapura, os smartas enviaram seus discípulos ao mercado a fim de comprarem os utensílios necessários para cozinhar. Quando os estudantes chegaram aos mercadinhos de Ramakrishna e Ganga Narayana, ficaram atônitos ao verem que aqueles comerciantes falavam sânscrito impecavelmente e não estavam ávidos por fazer negócios, mas por debaterem filosoficamente. Vendo que estavam sendo derrotados, os alunos, muito perturbados, foram buscar por seus gurus, que logo chegaram ao local junto de Raja Narasimha e Rupa Narayana. Quando os smartas se viram não melhores do que seus discípulos, o próprio Rupa Narayana assumiu a frente do debate, mas foi completamente derrotado.

O rei exigiu que eles dissessem quem eram. Os dois vendedores humildemente se apresentaram como discípulos insignificantes e de nascimento baixo de Srila Narottama Dasa Thakura Mahasaya. Envergonhado, Rupa Narayana e os smarta-brahmanas perderam o interesse de proceder para Kheturi. Retornaram prontamente para suas respectivas casas.

Naquela noite, Raja Narasimha teve um sonho em que uma Durgadevi irada ameaçava-o com um cutelo de matar bodes. Fitando-o com olhos ardentes, a deusa disse: “Narasimha! Porque tu ofendeste gravemente Narottama Dasa Thakura, terei de cortar-te em pedaços! Se queres salvar-te, é melhor ires até ele de imediato e refugiar-te a seus pés de lótus”.

Seu sono foi interrompido, e o rei, deveras assustado, banhou-se rapidamente e rumou para Kheturi. Quando finalmente chegou lá, surpreendeu-se ao encontrar o erudito Rupa Narayana, que explicou timidamente que tivera um sonho similar. Foram ao templo de Sri Gauranga a fim de se encontrarem com Srila Narottama Dasa Thakura.

Acharya Thakura estava absorto em suas devoções, mas, quando um discípulo lhe informou sobre a chegada de dois visitantes, foi ao encontro deles. Simplesmente por verem sua forma transcendental, os dois ofensores se purificaram e atiraram-se ao chão para oferecerem suas reverências aos pés de lótus do Thakura. Por fim, ele os iniciou com o mantra Radha-Krishna.

Porque os líderes deles se tornaram vaishnavas, muitos smartas inferiores julgaram elegante adotar externamente os costumes vaishnavas. Foi assim que a apasampradaya smarta, ou o vaishnavismo comprometido pelo bramanismo de casta, teve começo.

No final do século XIX, um membro bem conhecido dessa comunidade alegou ser a encarnação de Rama, Krishna e Sri Chaitanya Mahaprabhu. Ele estabeleceu um movimento missionário que pregou a adoração a Kali-Krishna, uma deidade inventada fundindo as formas da deusa Kali e Sri Krishna.

Srila Bhaktisiddhanta Sarasvati Thakura derrotou completamente a apasampradaya smarta na cidade de Valighai Uddharanapura, Bengala Ocidental, em setembro de 1911. Ele apresentou uma obra em que ele argumentava conclusivamente sobre a superioridade dos vaishnavas em relação aos brahmanas. Ele leu o texto diante de um agrupamento de mais de dez mil eruditos, e, embora fosse o orador mais jovem presente, os juízes declararam Srila Bhaktisiddhanta Sarasvati o vencedor da disputa.

Atualmente, a comunidade smarta-brahmana da Bengala sucumbiu ao secularismo e exerce pouca influência em assuntos espirituais.

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