Fama: Uma Busca Equivocada
Archana-siddhi Devi Dasi
Enquanto o mundo inteiro corre atrás da fama, o devoto puro foge dela.
Quando eu tinha onze anos, tive um daqueles momentos definidores em que uma experiência da verdade eterna interrompe o transcurso da vida cotidiana e normal. Eu era uma pré-adolescente em desenvolvimento, me sentindo desajeitada em meu corpo. Eu havia acabado de colocar um aparelho metálico e brilhante em meus dentes superiores. Para esconder o mesmo, desenvolvi um sorriso com os lábios fechados.
Certa manhã, senti-me particularmente autocentrada quando entrei no ônibus escolar amarelo e ultrapassado. Eu tinha certeza de que todos estavam olhando para mim e rindo da minha aparência. Quando me sentei, um pensamento forte me veio:“Provavelmente, cada pessoa que entra no ônibus pensa que todos estão olhando para ela. Mas eu não estou notando ninguém, e provavelmente ninguém me notou também.”
Meu vislumbre da verdade eterna de que eu não era o centro do universo me deu um senso de alívio temporário, ainda que o insight fosse incompleto. Embora eu soubesse que não era o centro, eu não tinha nenhuma concepção do que ou quem era o centro. A falta dessa informação me deixou sentindo deficiente e vazia por dentro.
Alguns anos depois, quando meus aparelhos foram retirados e desenvolvi mais autoconfiança, minha mente criou novos desejos. Agora, eu queria ser notada. Eu queria ser importante. Fotos da revista 16 Magazine, uma popular publicação voltada ao público adolescente, apresentando astros do rock, cobriam a parede do meu quarto. Eu deitava na cama sonhando que era famosa e que podia cantar com as minhas estrelas favoritas. Para tentar realizar meu sonho, comprei uma guitarra e um pequeno amplificador com o dinheiro que ganhei como babá, muito para o desgosto dos meus pais. Aprendi acordes básicos e cantava minhas músicas favoritas.
Capa de uma edição da 16 Magazine.
Além das fantasias de ser uma estrela do rock, eu fiquei obcecada em ser popular. Depois de ter meu momento de “Aha!” no ônibus, agora eu entendia que a maioria das pessoas é absorta em si mesma e que, se eu realmente quisesse ser notada, teria que me destacar dos adolescentes comuns. Candidatei-me a um cargo no conselho estudantil e ganhei. Fui eleita presidente do Clube de Atores. Consegui papéis importantes em todas as peças do ensino médio. Quando tentei ser líder de torcida, fui aceita.
O meu livro de final de ano escolar tinha mais fotos minhas do que de qualquer outra pessoa. Por todos os padrões de medida, eu havia me tornado popular. Eu me considerava importante. Um senso de orgulho pelas minhas conquistas infiltrou-se no meu coração e fez com que eu me sentisse superior às outras pessoas. Mas a minha confiança e felicidade eram frágeis. Elas dependiam de uma validação externa de curta duração – aplausos após uma apresentação teatral, anúncios de manhã reconhecendo algo que eu tinha feito, vitórias nas eleições, elogios das minhas autoridades.
Eu me tornei obcecada, como um viciado, em aumentar a validação externa. Como pequenas gotas de água no deserto, momentos de reconhecimento deram à minha vida um senso de significado e propósito, pois eu precisava ser alguém. Minha busca continuou na faculdade. Viver entre trinta mil estudantes tornou minha busca por notoriedade muito mais desafiadora. Mas eu ganhei algum reconhecimento dentro do meu departamento de estudos, bem como regionalmente fora da universidade.
Filantropia e Desilusão
Durante meus anos na universidade, outra mudança ocorreu. Minha natureza filantrópica despertou e agora eu queria ser reconhecida como uma pessoa que ajudava pessoas com menos recursos do que eu. Eu me juntei ao People Active in Community Efforts (PACE). Eu plantei jardins em um centro para idosos, li histórias para crianças em um hospital infantil e, mais memoravelmente, dei aulas para jovens encarcerados. Foram eles que me fizeram questionar o valor dos meus esforços filantrópicos. Esses jovens com grande vivência nas ruas se aproveitavam da minha natureza ingênua e me faziam trazer cigarros e doces em troca da sua cooperação mínima.
A desilusão começou a minar o meu entusiasmo. Eu estava gastando muito esforço por tão pouca reciprocidade. A minha satisfação momentânea em ajudar os outros e o reconhecimento que eu recebia não satisfaziam um desejo interno profundo de encontrar uma felicidade duradoura. Eu me tornei mais consciente do meu senso inflado de autoimportância. A minha convicção de que eu era tão especial era ilusória, eu percebi. Eu comecei a ver que, com exceção da minha família e dos meus amigos mais próximos, eu não era mais do que um ponto no radar de alguém, um pensamento passageiro.
A crença de que eu poderia encontrar a realização através da fama estava desmoronando como um castelo de areia negligenciado na praia. Agora era muito evidente que as coisas não giravam em torno de mim, e eu não conseguia fazer outras pessoas felizes – em verdade, eu não conseguia nem mesmo me fazer feliz.
Inicialmente, eu pensei que a solução era renunciar ao mundo. Eu fantasiei sobre abandonar a faculdade e encontrar uma cabana em uma floresta afastada. Porém, a impraticabilidade de tal empreendimento tornou-se óbvia quando pensei em como realmente faria isso.
Ao perceber que meus próprios esforços para encontrar a felicidade estavam sendo todos frustrados, eu me abri para encontrar um professor que pudesse me orientar a descobrir meu propósito na vida. Por minha boa sorte, encontrei meu guia espiritual, Srila Prabhupada, e entrei em uma vida de devoção a Krishna. Foi então que eu entendi a causa do meu sofrimento, juntamente com o remédio.
A busca por sucesso é uma qualidade rudimentar da vida humana. Mas o que buscamos e nossa motivação por trás desse empreendimento determinarão o valor do que fazemos nesta vida. Eu pude ver como minhas tentativas passadas eram todas motivadas por aumentar meu status e senso de importância. Eu não precisava parar de tentar servir a humanidade, mas precisava entender como servir a humanidade de uma maneira significativa, fazendo isso para o prazer e glorificação de Krishna, em vez de fazer isso para mim mesma.
Quando a mão ajuda o corpo, dando comida ao estômago, a mão é beneficiada, porque mesmo que a comida vá para o estômago, os nutrientes são distribuídos para todas as partes do corpo. Da mesma forma, ao servir Krishna, o centro absoluto de todos os mundos, nos nutrimos em corpo, mente e alma.
A Fama Segue o Devoto
Depois de me tornar uma devota, li uma história no Chaitanya-charitamrita que me impressionou muito. Contava sobre um devoto muito elevado chamado Madhavendra Puri. Uma vez, enquanto viajava de Vrindavana para obter sândalo para sua Deidade, Gopala, ele parou em Remuna, Odisha, para ver a Deidade Gopinatha. Madhavendra sabia que esse templo era famoso por seu delicioso arroz-doce, então, quando viu um sacerdote oferecendo arroz-doce a Gopinatha, ele desejou experimentá-lo para que pudesse cozinhar para sua Deidade. Como os devotos não experimentam nem meditam no prazeroso sabor dos alimentos antes que o Senhor os tenha recebido, Madhavendra Puri se sentiu envergonhado que tal pensamento tivesse entrado em sua mente. Embora seu pensamento estivesse livre de qualquer desejo de desfrute pessoal, ele ainda sentiu que havia cometido uma ofensa e imediatamente deixou o templo.
Naquela noite, quando o sacerdote do templo se deitou para dormir, a Deidade Gopinatha apareceu em sua mente. Gopinatha disse ao sacerdote que Ele havia escondido um pote de arroz-doce atrás da cortina e que ele deveria se levantar e levar o pote para seu querido devoto Madhavendra Puri. O sacerdote encontrou o pote de arroz-doce e saiu para o mercado, chamando: “Aquele cujo nome é Madhavendra Puri, por favor, venha e pegue o pote de arroz-doce que Gopinatha roubou para você.”Ouvindo isso, Madhavendra Puri saiu e humildemente aceitou o arroz-doce. Sabendo que a notícia desse evento extraordinário se espalharia rapidamente e querendo evitar qualquer reconhecimento ou fama, ele deixou aquele lugar sem demora.
O sacerdote encontra o pote de arroz-doce que a Deidade reservara para Madhavendra Puri.
Pode-se questionar por que, quando todo o mundo material está correndo atrás da fama, pessoas espiritualmente avançadas a evitam. Uma razão é que elas não querem nada para distraí-las de sua meditação em Krishna, o reservatório de todo o prazer. Elas estão saboreando uma felicidade muito maior do que aquela obtida por qualquer prazer insignificante no mundo material. Outra razão é que almas puras, situadas na plataforma espiritual, são naturalmente livres do desejo pela fama, visto que isso é um produto do falso ego. Elas realizaram seu verdadeiro eu como servos eternos do Senhor.
Aqueles de nós que não estão no nível de realização de Madhavendra Puri devem trabalhar para se libertarem das impurezas, como o desejo pela fama. Srila Prabhupada avisou que a vida espiritual é como “a ponta de uma navalha”. Com isso, ele queria dizer que, para evitar acidentes em nossa vida espiritual, devemos ter cuidado em compreender com clareza e aplicar corretamente a filosofia da consciência de Krishna. Um possível acidente é desejar a fama ou afagá-la quando ela vem por sua própria conta. Devemos saber que não podemos ficar com o crédito por nada pelo que possamos ser famosos, pois não podemos fazer nada independentemente da vontade de Krishna.
Krishna ensina na Bhagavad-gita que, enquanto buscamos a vida espiritual, devemos abandonar a ideia de que somos os autores e a causa dos resultados de nossas ações. Essa falsa crença, acompanhada do desejo por reconhecimento, pode ser algo muito arraigado. Na consciência material, estamos equipados com um falso ego e desejos que nos levam a competir com os outros, incluindo Krishna, pelo lugar mais proeminente no centro do palco. Repetidamente, experimentamos diferentes papéis, apenas para ficarmos frustrados com o papel que desempenhamos, até que um dia somos suficientemente afortunados para conhecer um agente da dimensão espiritual. Somente então podemos entender que nossa felicidade vem de cooperar com o Senhor e servir a Ele em um relacionamento amoroso.
A Necessidade de Cantar
Como somos apenas pequenas faíscas espirituais, a energia material pode cobrir nossa qualidade espiritual. Portanto, é de nosso melhor interesse sermos muito sérios em relação às práticas devocionais, especialmente o canto dos santos nomes de Krishna. Srila Prabhupada disse que o canto é nossa proteção contra a energia material. Também podemos recitar orações que nos lembram de nossa posição espiritual como servos do Senhor.
Quando Srila Prabhupada veio para o Ocidente, em um tempo muito curto, ele conquistou milhares de seguidores entregues e dedicados. Ele se tornou um instrutor espiritual conhecido no mundo inteiro. No entanto, ele permaneceu um humilde servo de seus predecessores espirituais e sempre lhes deu crédito por quaisquer realizações ou conquistas. Seguindo seus passos, também podemos fazer coisas maravilhosas para ajudar a espalhar a missão do Senhor Chaitanya. Práticas espirituais fortes e a associação de devotos avançados nos protegerão do desejo de desfrutar da fama e de seus associados lucro, adoração e distinção. Embora essas coisas possam entrar em nossas vidas, nós as usaremos para glorificar Krishna.
A misericórdia de Srila Prabhupada poupou muitos de uma vida autocentrada e da busca de tentar ser alguém separado de nosso relacionamento com Krishna. Ele nos deu o conhecimento de nossa verdadeira identidade como servos eternosapaixonados por Krishna e nos deu um gosto da felicidade espiritual muito maior do que qualquer prazer encontrado na fama transitória deste mundo.
Archana-siddhi Devi Dasi foi iniciada por Srila Prabhupada em 1976. Reside com o marido e o filho em Sandy Ridge, Carolina do Norte, EUA, onde trabalha como terapeuta familiar.
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