Srimad-Bhagavatam: O Estudo Pós-Graduado em Religião
Satyaraja Dasa
A escritura conhecida como o fruto maduro dos Vedas desaprova até mesmo as práticas religiosas motivadas pela conquista do céu, para não falar de objetivos menores.
Srila Prabhupada ensinou que a Bhagavad-gita, com sua divisão tríplice da natureza material, filosofia detalhada da alma e ensinamentos introdutórios sobre bhakti, representa o abecê da vida espiritual e que o Srimad-Bhagavatam (também conhecido como Bhagavata Purana) é o estudo de pós-graduação. O Bhagavatam começa de onde a Gita para. Enquanto a Gita nos diz que Krishna é Deus, por exemplo, nos dando informações básicas sobre Ele, o Bhagavatam vai além, descrevendo quem é Krishna tanto em termos de Sua Divindade quanto de Suas atividades no reino espiritual. Leva-nos muito além das generalidades da religião.
Dharma Externo vs. Dharma Interno
As pessoas praticam a religião por uma série de boas razões – e algumas más também. Muitos simplesmente veem isso como parte de sua herança familiar. Eles nascem para isso e adotam certos rótulos e práticas em suas próprias vidas, geralmente em qualquer grau em que seus antepassados o façam, sem pensar muito nisso.
Alguns a usam para se distinguir de seus vizinhos, muitas vezes a ponto de se acharem melhores do que outros que têm crenças diferentes. Essa atitude levou até mesmo a guerras.
Outros ainda abraçam a religião por razões mais nobres: paz interior, fortalecimento psicológico, estabilidade e significado existencial. Ou simplesmente querem ser boas pessoas.
No geral, a religião envolve uma visão particular da vida (filosofia), maneiras de ver os humanos e outras espécies (antropologia biológica), percepções de realidades ocultas (misticismo), regras de conduta pessoal (ética, moral), perspectivas sobre nosso universo externo (cosmologia) e, muitas vezes, a crença em uma divindade suprema (teologia).
No século vinte e um, quase setenta e cinco por cento de todos os humanos se identificam como pertencentes a uma tradição religiosa organizada, embora um novo fenômeno esteja surgindo nas fileiras dos crentes. O apelido “espiritual mas não religioso” (EMNR), também conhecido como “espiritual mas não afiliado” (EMNA), vem ganhando espaço há cerca de uma década. Devido às falhas das instituições religiosas, um número crescente de pessoas agora se identifica como crendo na essência da espiritualidade sem se alinhar com uma religião organizada. Eles querem uma espiritualidade independente de qualquer instituição ou credo estabelecido. Aproximadamente setenta milhões de estadunidenses – quase um em cada cinco – se identificam como espirituais, mas não religiosos, e as estatísticas em outros países ocidentais seguem a tendência.
Um fenômeno semelhante existe no mundo vaishnava. Os vaishnavas saragrahis (“ávidos pela essência”), que vêm em uma linha de devotos puros, abraçam a essência do pensamento religioso, mas evitam designações externas. Eles defendem uma visão universal e não sectária da religião. Embora se identifiquem como “vaishnavas”, eles o fazem porque veem a palavra não como uma designação para uma tradição religiosa em particular, mas como a natureza intrínseca da alma – todos os seres vivos são servos eternos de Krishna, que é o que a palavra “vaishnava” realmente significa. Srila Prabhupada fundou a ISKCON para ensinar às pessoas essa visão espiritual ampla e não sectária.
Prabhupada frequentemente falava sobre dharma externo (religiosidade) em oposição a dharma interno (entrega-se a Deus). Ele citava Krishna, que durante a maior parte da Bhagavad-gita explica com amor os princípios e propósitos da religiosidade padrão, que inclui como viver no mundo, os procedimentos adequados de uma vida permeada pela bondade e assim por diante. Mas então, quando a Gita chega ao fim, Krishna aconselha Arjuna a abandonar os apetrechos do dharma, para ver que a essência de todo o dharma é render-se a Ele e que todas as outras instruções são meramente servas daquele ensinamento central.
Tudo isso pode servir como uma introdução ao Bhagavatam, uma escritura que leva seus alunos aos níveis espirituais mais elevados. Isso ocorre porque “o Srimad-Bhagavatam transcende a religiosidade”, uma extensão natural e transcendental do “espiritual mas não religioso”.
O Bhagavatam (1.2.6) encoraja a adesão aos princípios religiosos universais que levam ao amor de Deus: “A ocupação suprema [dharma] para toda a humanidade é aquela pela qual se pode alcançar o serviço devocional amoroso ao Senhor transcendente. Esse serviço devocional deve ser desmotivado e ininterrupto para satisfazer o eu por completo.” Claramente, é a pureza de propósito que sustenta o sistema de religião do Bhagavatam. Além disso, oferece conhecimento detalhado e sem paralelo de quem é Deus e como Ele interage com os habitantes do mundo espiritual.
A Estrada para a Perfeição
A singularidade do Bhagavatam pode ser reduzida a dois pontos: é puro, promove intenções altruístas e transmite a vida interior de Deus como nenhuma outra escritura o faz.
Em relação à pureza do Bhagavatam, em seu segundo verso (de aproximadamente dezoito mil versos), aprendemos seu método central e padrão profundo: “Toda a chamada religiosidade coberta por intenções fruitivas é completamente rejeitada aqui (dharmah projjhita-kaitavah atra).” Quer dizer, o Bhagavatam dá pouco crédito às razões superficiais com as quais as pessoas geralmente abordam a religião. Essas razões menores podem ser vistas como trampolins para a espiritualidade aprimorada do Bhagavatam, mas, se alguém deseja a verdadeira espiritualidade, deve evitar as motivações egoístas e o desejo de ganho pessoal.
Os motivos egoístas (ou purushartha – “objetivos humanos”) são geralmente listados como quatro: dharma (no sentido de dever comum ou religiosidade), artha (desenvolvimento econômico), kama (gratificação dos sentidos) e moksha (liberação). O Bhagavatam nos diz que, embora esses objetivos tenham um lugar no mundo material, eles são obstáculos para quem busca a verdadeira transcendência. Os assuntos mundanos, por mais atraentes que sejam, nos impedirão de acessar o néctar espiritual a que, em última análise, nós aspiramos. Assim, com o passar do tempo – geralmente vidas inteiras –, o ser vivo fica frustrado com a religiosidade, aquisição de bens e gratificação dos sentidos, de modo que desperta o desejo por moksha, a liberação. Esse despertar é geralmente o início de uma busca espiritual séria.
Tradicionalmente, moksha era considerado o objetivo mais elevado da vida humana, e continua sendo, para a maioria dos hindus. Na verdade, a maioria das religiões, mesmo usando sua própria linguagem e conceitos, também aspira por moksha, a liberação da escravidão material, considerando-a o fim do sofrimento cármico e a porta para o céu. As pessoas comumente buscam a felicidade eterna por meio da religião.
Deve ficar claro, entretanto, que, enquanto existir o interesse próprio, enquanto tentarmos assegurar nossa própria bem-aventurança antes de oferecer serviço amoroso e altruísta a Deus (bhakti), nunca seremos verdadeiramente livres. Estamos limitados pelo desejo pessoal, por mais sutil que seja, e sempre haverá sofrimento enquanto houver um toque de desejo egoísta. Portanto, os sábios nos apontam o Bhagavatam, e no próprio texto (12.13.18) aprendemos o porquê:
O Srimad-Bhagavatam é o Purana imaculado. É o mais querido aos vaishnavas porque descreve o conhecimento puro e supremo das almas santas. Este Bhagavatam revela os meios para se tornar livre de todo trabalho material, junto com os processos de conhecimento transcendental, renúncia e devoção. Qualquer um que tente seriamente entender o Srimad-Bhagavatam, que o ouve e entoa com devoção [bhakti], torna-se completamente liberado.
“Como o Srimad-Bhagavatam está completamente livre da contaminação pelos modos da natureza”, escrevem os discípulos de Prabhupada em seu comentário, “ele é dotado de extraordinária beleza espiritual e, portanto, querido pelos devotos puros do Senhor. A palavra paramahamsyam indica que mesmo as almas completamente liberadas estão ansiosas por ouvir e narrar o Srimad-Bhagavatam. Aqueles que estão tentando se libertar devem servir fielmente a essa obra, ouvindo e recitando-a com fé e devoção.”
Assim, enquanto a tradição geralmente enfatiza quatro purusharthas, culminando em moksha, o Bhagavatam nos leva além da liberação comum, que desacredita como um objetivo indesejável. Em vez disso, o Bhagavatam nos apresenta o quinto e último objetivo da vida, o verdadeiro objetivo: o serviço devocional ao Senhor.
Bhakti: A Conquista Mais Elevada
Dos quatro purusharthas, os sábios védicos consideravam apenas moksha como espiritual. Era conhecido como parama-purushartha, “o objetivo humano mais elevado”. E isso é realmente verdade para a pessoa média. Mas o Bhagavatam nos diz que esse entendimento é míope porque, na verdade, bhakti é o parama-purushartha, como mencionado acima (“ocupação suprema”, parah dharmah, SB 1.2.6).
Seguindo o Bhagavatam, os Gosvamis de Vrindavan destacaram essa mesma noção, explicando que os quatro purusharthas – incluindo a liberação – eram praticamente inúteis em comparação com bhakti. Eles se referiam à devoção transcendental como o quinto objetivo da vida (pañcama-purushartha) e um estado de ser insuperável.
Srila Rupa Gosvami, por exemplo, nos diz que a devoção é “pesada”, como em ter profundidade, enquanto a liberação é “leve”, o que significa que não é uma grande realização. Em seu Bhakti-rasamrita-sindhu (1.1.17), ele escreve que, em comparação com bhakti, “a liberação é levíssima (moksha-laghutakrita).” Ele enaltece bhakti como acima de tudo mais: “Mesmo se a bem-aventurança de Brahman fosse ampliada cem trilhões de vezes, não seria igual a uma gota infinitesimal do oceano da bem-aventurança de bhakti.” (SB 1.1.38)
Ecoando as palavras dos Gosvamis, Krishnadasa Kaviraja Gosvami, em seu Chaitanya-charitamrita (Adi 7.84-85), escreve: “Religiosidade, desenvolvimento econômico, gratificação dos sentidos e liberação são conhecidos como os quatro objetivos da vida, mas, diante do amor a Deus, o quinto e maior objetivo, esses parecem tão insignificantes quanto a palha na rua. Para um devoto que realmente desenvolveu bhava [um alto nível de bhakti], o prazer derivado de dharma, artha, kama e moksha parece uma gota na presença do mar.” Ele resumiu a ideia anteriormente: “O serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus é a mais alta perfeição da atividade humana.” (Madhya 6.184)
Isto, então, é o que o Bhagavatam tem a oferecer: o objetivo final da vida, evitando todos os derivados subordinados.
Bhagavan Sri Krishna
Dando adeus a todos os objetivos menores, rejeitando a impureza nascida do desejo material, o Bhagavatam enfatiza a devoção altruísta. Mas devoção a quem?
Todo o Bhagavatam leva à compreensão e apreciação de Sri Krishna, a Suprema Personalidade de Deus. Os primeiros nove cantos (de doze) estão cheios de genealogias, filosofia, heróis e vilões, encarnações de Deus e assim por diante, todos servindo para preparar o leitor para o que está por vir. A conclusão final são os passatempos divinos de Krishna – noventa capítulos de revelação pura, apresentando Deus em Seu aspecto mais íntimo e confidencial.
No início do Primeiro Canto (1.3.28), somos informados de que Krishna é a Personalidade de Deus original, de quem todas as outras manifestações surgem (krishnas tu bhagavan svayam), e voltamos a Krishna no Décimo Canto, aprendendo sobre Seus gloriosos passatempos manifestos do início ao fim.
Prabhupada escreve em seu prefácio ao Bhagavatam: “O Décimo Canto é distinto dos primeiros nove cantos porque lida diretamente com as atividades transcendentais da Personalidade de Deus, Sri Krishna. Não será possível apreender os propósitos do Décimo Canto sem passar pelos primeiros nove cantos. O livro está completo em doze cantos, cada um independente, mas é bom que todos os leiam em pequenas prestações, um após o outro.”
Em seu significado para o texto 1.1.2, ele escreve:
Pessoas menos afortunadas não estão interessadas em ouvir este Srimad-Bhagavatam. O processo é simples, mas a aplicação é difícil. Pessoas infelizes encontram tempo suficiente para ouvir conversas sociais vazias e de tema político, mas, quando convidadas a participar de uma reunião de devotos para ouvir o Srimad-Bhagavatam, elas repentinamente ficam relutantes. Às vezes, os leitores profissionais do Bhagavatam mergulham imediatamente nos tópicos confidenciais dos passatempos do Senhor Supremo, que eles aparentemente interpretam como uma literatura sexual. O Srimad-Bhagavatam deve ser ouvido desde o início. Aqueles que estão aptos a assimilar este trabalho são mencionados neste sloka: “Quem se torna qualificado para ouvir o Srimad-Bhagavatam depois de muitos atos piedosos.” A pessoa inteligente, com discrição ponderada, tem a garantia do grande sábio Vyasadeva que ela pode realizar a Suprema Personalidade diretamente ao ouvir o Srimad-Bhagavatam. Sem passar pelos diferentes estágios de realização estabelecidos nos Vedas, a pessoa pode se elevar imediatamente à posição de paramahamsa [transcendentalista] simplesmente concordando em receber esta mensagem.
O Bhagavatam é conhecido como a encarnação literária de Deus. É o svarupa do Senhor, Sua forma espiritual interna:
O primeiro e o segundo cantos do Bhagavatam são os pés do Senhor Krishna, e o terceiro e o quarto cantos são Suas coxas. O quinto canto é Seu umbigo, o sexto canto é Seu peito e o sétimo e o oitavo cantos são Seus braços. O nono canto é Sua garganta, o décimo é Sua florescente face de lótus, o décimo primeiro é Sua testa e o décimo segundo é Sua cabeça.
Eu me curvo a esse Senhor, o oceano de misericórdia, cuja cor é como a de uma árvore tamala e que aparece neste mundo para o bem-estar de todos. Eu O adoro como a ponte para cruzar o oceano insondável da existência material. O Srimad-Bhagavatam apareceu como Ele mesmo. (Padma Purana, conforme citado em Gaudiya-vaishnava-kanthahara)
Por que alguém deve rejeitar o caminho mais elevado da espiritualidade oferecido no Bhagavatam, junto com seu conhecimento íntimo da forma original do Senhor? Em vez disso, as pessoas mais sábias e espiritualmente evoluídas mergulharão profundamente no texto e no caminho que ele defende, permitindo a si mesmas entrar no nível mais alto de transcendência. Siga o conselho do autor, Srila Vyasadeva, que escreve no terceiro verso do texto (conforme traduzido por Srila Prabhupada em Chaitanya-charitamrita): “O Srimad-Bhagavatam é a essência de todas as literaturas védicas e é considerado o fruto amadurecido da árvore-dos-desejos do conhecimento védico. Foi adoçado ao emanar da boca de Shukadeva Gosvami. Você, que é atencioso e aprecia as doçuras, deve sempre tentar provar esta fruta madura. Ó devotos atenciosos, enquanto vocês não estiverem absortos na bem-aventurança transcendental, vocês devem continuar saboreando este Srimad-Bhagavatam, e quando estiverem totalmente imersos na bem-aventurança, devem continuar saboreando suas doçuras para sempre.”
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