Desconstruções que Edificam um Casamento

05 I (entrevista - Sexo e Matrimônio) Desconstruções que Edificam um Casamento (2150) (sankirtana)Entrevista com a psicóloga Gopali Devi Dasi

“Mulher é tudo igual”, “o papel do homem da casa”, “o sapatinho de cristal”, “a metade da laranja”. Conceitos ficam incrustados em nós, e raramente temos a oportunidade de enxergar o outro como ele é, pois estamos sempre nos apressando e respondendo como o outro é antes mesmo de ouvi-lo. Se ficamos presos às nossas convicções imutáveis, nenhuma relação consegue sobreviver.

Volta ao Supremo: Renato e Cristiane Cardoso, autores de um famoso livro sobre casamento, disseram em entrevista a uma rádio que “muitas pessoas entram no casamento sem estarem preparadas para isso, o que acaba abreviando em muito as relações”, e disseram ainda que “as pessoas precisam se reeducar na questão da vida sentimental”. Você concorda com as declarações?

Gopali Devi Dasi: Eu concordo, sim, com tal declaração e acrescento que, não só para o casamento, mas em todas as fases da vida entramos meio “desavisados” das regras e das exigências. A adolescência é assim, a vida adulta é assim e, muitas vezes, a paternidade e a maternidade são assim. Então, o casamento não estaria de fora. O agravante é que agora são duas pessoas, cada uma com sua bagagem de vida e expectativas em relação ao outro, o que pode se tornar exigências, medos ou cobranças que certamente comprometerão a relação.

Educar-se sentimentalmente seria certamente conhecer-se melhor e resolver em si mesmo muitas dessas expectativas e tantos outros sentimentos que às vezes nem são nossos de fato; são apenas “uma cópia” dos modelos que consciente e inconscientemente resolvemos fazer. Sempre buscamos seguir um modelo ou um exemplo. O problema é que essa cópia não tem profundidade, não é algo que surge com naturalidade e, muitas vezes, o próprio esforço de seguir receitas é que traz grandes problemas.

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Esta é a primeira reeducação sentimental que temos que enfrentar: a desconstrução do amor romântico, ou seja, de esposas perfeitas e maridos encantados.

Reeducar-se dentro do casamento é tão possível quanto necessário, pois, para tudo, temos que nos reeducar. Às vezes, somos contratados para executar nossa profissão de praxe em uma nova empresa, e temos que abertamente conhecer os valores, os interesses, os objetivos e nos reeducar para atendermos à necessidade dessa empresa. Se ficarmos deslocados ou resistentes em conhecê-la, não teremos sucesso. Porém, pensamos que, no setor amoroso, tudo vem pronto: é só o sapatinho de cristal caber no pé e seremos felizes para sempre. Esta é a primeira reeducação sentimental que temos que enfrentar: a desconstrução do amor romântico, ou seja, de esposas perfeitas e maridos encantados.

Volta ao Supremo: Para conseguir tudo isso, quais são as ferramentas a que um casal pode recorrer? Aconselhamento com profissionais? Leitura de livros sobre o assunto? A temida “D.R.”, “Discutir a Relação”?

Gopali Devi Dasi: D.R.s são sempre muito temidas, não? (risos) E me parece que, ao pressentir que vai acontecer uma, todos já se armam até os dentes e um grande vale-tudo começa. Quanto a ajuda profissional, sou suspeita para recomendar, mas terapia de casal é uma ferramenta tão valiosa que deveria ser um hábito corriqueiro – ela com certeza ajuda, se feita por alguém competente, vale dizer.

Eu diria que tudo ajuda a quem tem uma predisposição básica a saber ouvir. Muitas vezes, escutamos o outro para articular nossa resposta superior, mais inteligente, mais agressiva, mais vitimizada. Enfim, tudo depende das fantasias que guardamos em nós, das velhas frases incrustadas, que ouvimos da avó, da tia, da mãe, da vizinha. Enquanto as crianças brincavam, elas diziam: “Mas marido é tudo igual, eles são uns… (complete com sua lembrança)”. Isso também serve para o avô, para o tio, para o pai e para o vizinho que sempre diziam: “Mulher é tudo… (complete mais uma vez)”.

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Se ficarmos presos às nossas convicções imutáveis, nada adiantará, e nenhuma relação sobrevive assim.

Essas coisas ficam, de certa forma, incrustadas na gente, e a gente raramente tem a oportunidade de enxergar o outro como ele é, pois estamos sempre nos apressando e respondendo como o outro é antes mesmo de ouvi-lo. Se realmente queremos conhecer nosso companheiro/companheira e vice-versa, livros, D.R.s e profissionais serão ótimas contribuições. Caso contrário, se ficarmos presos às nossas convicções imutáveis, nada adiantará, e nenhuma relação sobrevive assim – não só a conjugal.

Volta ao Supremo: Ficou bem claro que a vontade é fundamental para endireitar as coisas. Mas e quando existe a vontade porém não há tempo disponível, como um casal em que os dois trabalham e ainda há filhos pequenos a serem cuidados entre um curso à distância e os serviços domésticos? Algumas vezes, a vontade está presente, mas, além da escassez de tempo, também não há dinheiro disponível no orçamento doméstico para custear uma terapia de casal ou comprar livros.

Gopali Devi Dasi: Sim, por isso eu já tentei deixar claro que a disposição é o item mais fundamental de todos. É o querer que promove tudo: a gente arranja um amigo que tem livros e nos empresta, a gente consegue uma terapia com um grande desconto. Quando queremos algo, transformamos nosso meio para alcançar isso. Se as dificuldades são muitas, temos que rever nosso querer. Aprender a trabalhar com o que se tem é também fundamental. Pensamos que iremos nos casar e teremos aquele carro, aquele apartamento, aqueles filhos – algumas vezes, tudo muito emoldurado no idealismo romântico. Filhos acordam no meio da noite, e, quanto mais luxuoso o carro, maior o boleto. Temos que estar prontos para essas coisas. Um grande dilema é acharmos que só existirá parte boa em tudo, mas a parte ruim existe e também deve ser vista como importante, pois ela ensina, e ela realmente faz parte. Nossa consciência dualista tenta negá-la, e é disso que surgem muitos problemas.

Volta ao Supremo: Você vem falando sobre várias desconstruções possíveis: desconstruir o romantismo do parceiro perfeito, desconstruir em nosso imaginário que condições perfeitas virão a nós etc. Me pergunto se o próprio casamento não seria uma construção desconstruível. Quer dizer, essa estrutura de duas pessoas fazerem votos de ficarem juntas pelo resto da vida e dividirem o mesmo espaço físico é desconstruível ou é algo natural e importante para a sociedade e para as pessoas em todos os tempos e lugares? Com tantas dificuldades e frustrações, não parece algo rejeitável?

Gopali Devi Dasi: Bem, a meu ver, toda vez que as pessoas se sentem incapazes de desenvolverem uma boa virtude, um comportamento, uma capacidade em relação a algo, é muito tentador então mudar a regra. E vejo nossa sociedade atual fortemente tentando desconstruir a importância do casamento – e não só dele, mas a importância da família – e tentando se reagrupar de maneira diferente. Monogamia e essa estrutura familiar que temos – sabemos oriunda de uma cultura cristã e interessante por muito tempo ao modelo econômico – chamamos de famílias nucleares, não é isso? Mas esse é um assunto vastíssimo e nos prolongaríamos demais se o adentrássemos. Prefiro, então, me concentrar no indivíduo e na sua história de vida e dar a ele condições onde ele perceba a importância das suas escolhas e que sentido elas fazem de maneira muito profunda para ele.

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O próprio casamento não seria uma construção desconstruível?

No vaishnavismo, por exemplo, há obras que descrevem épocas de casamentos muito bem-sucedidos e poligâmicos. Hoje, porém, qual a estrutura psíquica e econômica das pessoas para administrarem mais de uma esposa e muitos filhos com cada uma delas? Não estamos encontrando saúde nem para administrar a monogamia! Diante disso, podemos operar como na fábula da raposa, que desdenha as uvas maduras dizendo que estão verdes porque não pode alcançá-las.

Ver o casamento como tarefa difícil e frustrante pode ser uma inclinação de um novo modelo social que ostenta uma falsa liberdade, dizendo cada vez mais a nós que liberdade é fazer o que se quer, seja onde e com quem for, mas as letras desse contrato, as que nos advertem das consequências, são minúsculas e fazemos vistas grossas a elas. É fato que crianças provindas de um lar disforme, onde não tem papado definidos de pai, mãe, hierarquias definidas e apoios suficientes para seu desenvolvimento psíquico, apresentam sempre mais problemas do que a criança que venha de um lar organizado. Isso sempre comprovo no consultório.

Acredito que temos que ser honestos num nível muito profundo com a gente mesmo, para darmos conta do que queremos e das consequências de nossas escolhas. E gostaria de saber o que, nesta vida, quando não bem estruturado e pensado, não seja frustrante.

Não sou defensora irrevogável do casamento. Muito pelo contrário, sou uma defensora irrevogável de assumir de maneira muito responsável qualquer escolha que façamos nesta vida, principalmente quando envolve a vida de outras pessoas: casar e “descasar” envolvem a vida e o sentimento de muita gente.

Volta ao Supremo: Depois podemos falar mais de dificuldades. O que há de bom no casamento? Por que pessoas se casam e por que permanecem juntas?

Gopali Devi Dasi: Vejo basicamente que as pessoas buscam por companhia e apoio. Não vejo como ser feliz sem compartilhar isso com alguém. Algumas pessoas preferem fazer isso em grupos, sendo altruístas e dedicando a vida a missões coletivas. Outras já preferem fazer isso num âmbito familiar, e outras se restringem, às vezes, somente a ela e o cônjuge. São muitos modelos. Mas a busca pelo outro está em todos. Um líder espiritual, por exemplo, fica feliz ao se associar com seus discípulos e partilhar suas vivências com eles. Outras pessoas, então, ficam satisfeitas em poder contar com alguém para a vida toda e escolhem o casamento.

Vejo que permanecem juntas porque se atendem, se ajudam, se apoiam, se complementam. A vida é uma jornada muito complexa, de modo que dividir a bagagem é sempre bom.

Volta ao Supremo: No dia-a-dia, de que modo esses “entender”, “ajudar”, “apoiar” e “complementar” podem ser expressos?

Gopali Devi Dasi: Acho isso muito particular, pois cada casal tem sua história de vida. Mas, de maneira geral, quando, mesmo em meio a todas as exigências do dia-a-dia, como mencionado numa das questões anteriores – cursos, trabalho, compromissos sem fim – não falta uma palavra amiga, um gesto carinhoso, isso é expresso. Isto também é variável, pois há esposas que acham um gesto carinhoso uma flor ou um diamante, mas com certeza o gesto mais carinhoso é a companhia, o reconhecimento dos esforços. Eu troco um diamante por isso! (risos) Acredito que isso funcione para os dois: os homens também gostam de serem reconhecidos. Se eles lavam mal a louça, elogie que da próxima sairá melhor. (risos)

Volta ao Supremo: Pela temática de nossa revista, não poderíamos deixar de falar de espiritualidade. Casais que tentam centrar as atividades da casa em torno de uma proposta religiosa – como “fazer tudo como uma oferenda a Deus”, “lembrar de Deus em todas as atividades” – revelam dinâmicas psicológicas diferentes no casamento?

Gopali Devi Dasi: Com certeza revelam: positivamente e, às vezes, negativamente também. Me lembro que uma amiga estava lendo um livro cujo título era algo como Maridos que Rezam Demais. A religião será problemática para o casal, como qualquer outra coisa será, se for um ponto de fuga. Desamparar a família em nome de religião nunca será positivo. Agora, uma casa de ambiente respeitoso a Deus é uma casa mais harmoniosa com certeza. A consciência de Deus ilumina certamente a atitude das pessoas.

Volta ao Supremo: É comum encontrarmos em obras religiosas, como aquelas da tradição abraâmica e da tradição hindu – as duas maiores correntes religiosas no mundo –, que o homem é, de alguma forma, um líder natural no casal. Seguir isso auxilia o casamento?

Gopali Devi Dasi: Para a mulher que precisa de um líder, sim, funciona. Agora, para uma mulher líder, isso pode ser um problema. Impor algo, por ser regra escritural, é sempre um problema. Liberdade para as pessoas exercerem suas naturezas é sempre mais construtivo.

Volta ao Supremo: Isso significa, então, que os livros considerados de inspiração divina não são realmente obras reveladas?

Gopali Devi Dasi: Obras reveladas precisam ser bem interpretadas e muito bem conduzidas na vida. Se não temos competência para cumprir uma revelação, será melhor fingir que temos? Homens sempre serão líderes naturais para algo, assim como as mulheres. Agora, não podemos criar também a possibilidade de um lar tirano onde o marido “deve” ser o líder. Estamos em uma era difícil, onde as pessoas têm propensões muito baixas, e não quero nem imaginar uma esposa obedecendo a um marido violento ou qualquer coisa de um âmbito abusivo, seja físico, psicológico ou até mesmo sexual, só porque as escrituras o nomearam líder. Esse é o ponto que quero ressaltar.

Volta ao Supremo: Em um famoso comentário a um jornal de Chicago, Jung disse: “Entre todos os meus pacientes na segunda metade da vida, todos eles adoeceram porque perderam o que as religiões vivas de todas as épocas deram a seus seguidores, e nenhum deles foi realmente curado se não recobrou sua perspectiva religiosa”. Você concorda com a declaração dele? Ela seria expansiva às curas necessárias dentro de uma relação com o parceiro e os filhos?

Gopali Devi Dasi: Sim. Sempre concordarei com Jung porque ele não foi um teórico; foi um experimentador de tudo o que ele disse e teorizou. A religião para a família pode ser um grande aliado de construir a identidade familiar. Ela pode assegurar costumes, ritos, meditação, enfim, muitas coisas nobres que certamente enriquecem e curam muitos males que toda família sofre atualmente. A religião traz base, traz segurança e valida muitas vezes os esforços da escolha de se manter uma pessoa de bem, que almeja uma boa família, uma boa relação, com cônjuge e filhos.

Entrevista conduzida por Bhagavan Dasa em nome de Volta ao Supremo. Todo o conteúdo das publicações de Volta ao Supremo é de inteira responsabilidade de seus respectivos autores.

Gopali Devi Dasi é psicóloga clínica jungiana há mais de 10 anos e oferece orientação para casais através de Skype ou pessoalmente na capital de São Paulo. Interessados em atendimento de grupo, família, casal ou individual podem contatá-la pela conta de Skype gopalidevidasi108 ou pelo telefone (11) 97163-8857.

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Uma resposta

  1. Phaguna das

    Mis respetos a la inteligencia de Gopali d.d. y Bhagavan das.
    Gracias.

    4 de outubro de 2015 às 1:12 PM

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