O que São os Vedas?

Devamrita Swami
(da obra Em Busca da Índia Védica)

Os Vedas impressionam por todo o conhecimento que transmitem em relação a todas as esferas da vida, mas se destaca sua sabedoria na esfera espiritual.

A raiz sânscrita vid significa “conhecer”. Veda, por sua vez, significa “conhecimento”. O termo “védico” se refere à literatura e aos ensinamentos dos Vedas. Esses textos formam o maior corpo de conhecimento sagrado do mundo antigo, e veremos que são seu feito literário mais brilhante. Na literatura védica, encontraremos um sofisticado weltanschauung (ou mundividência), uma majestosa perspectiva do mundo seguida por milênios por uma civilização altamente desenvolvida.

Abordar a literatura védica superficialmente conferiria a seus textos, em termos gentis, o status de um intrigante corpus de lendas antigas e fórmulas encantatórias. O Ocidente, entretanto, beneficiar-se-ia profundamente caso explorasse seriamente o valor dos textos védicos, os quais revelam uma forma inteiramente diferente de ver o universo. E o que é mais importante para os nossos problemas atuais: os Vedas revelam uma maneira completamente diferente de pertencer ao universo.

Entusiastas dos Vedas dizem que essas obras contêm tudo o que o ser humano necessita saber para seu bem-estar tanto espiritual quanto material. Os adeptos védicos mais tradicionais vão ainda mais além. Defendem que qualquer coisa conhecida como conhecimento, quer do passado, quer do presente, tem sua raiz, em última instância, nas informações dos textos védicos. Sábios ortodoxos, no entanto, reconhecem, sim, que identificar as origens védicas de todo departamento do saber humano exige um nível raro de habilidade em conhecimento acadêmico védico.

Uma livraria grande terá traduções de apenas uma minúscula porção do total de obras védicas. Embora seja possível encontrar com facilidade a Bhagavad-gita, que é especialmente popular em todo o mundo, é oportuno dizer que a maioria dos textos védicos não costumam ser lidos no Ocidente.

Para um resumo clássico do que consiste a literatura védica, podemos aceitar o padrão dado pelos guias védicos mais destacados, tanto da antiguidade quanto dos tempos atuais. Eles nos dizem que os textos védicos incluem os livros de orientação predominantemente ritualística e sacrificial: o Rig-veda, o Yajur-veda, o Sama-veda e o Atharva-veda. Esses quatro Vedas não são coletâneas de hinos e orações que se assemelham às invocações recitadas em religiões mais recentes. Os textos contêm técnicas de rituais altamente esotéricas que, é dito, efetuam mudanças na natureza através da vibração sonora precisa. Os místicos da antiguidade defendiam que diferentes mantras se ligavam a diferentes fenômenos do universo. Essa arte perdida da manipulação sônica tinha tanto metas materiais quanto espirituais.

Há, em seguida, as histórias védicas: o Mahabharata e o Ramayana. A Bhagavad-gita é uma parte do Mahabharata. A literatura védica também inclui os textos metafísicos: as Upanishads e o Vedanta-sutra. Os tratos cosmológicos, os Puranas, completam a biblioteca védica.

A literatura védica aborda todos os aspectos da civilização humana. Embora famosos como livros metafísicos de grande calibre, os Vedas, na verdade, também lidam com as atividades compulsórias da vida cotidiana. Informações fascinantes, na forma de semente, são apresentadas sobre tópicos como governança, diplomacia, ciência militar, astronomia, matemática, astrologia, música, encenação, arquitetura e formas de tecnologia baseadas em psiquismo sutil. É claro, a seção dos Vedas que delineia o conhecimento médico, o Ayurveda, pouco a pouco se populariza e se faz conhecer, haja vista que ciências médicas alternativas estão em voga na sociedade ocidental na atualidade.

Os departamentos do conhecimento material védico, devemos apontar, não são estritamente seculares, no sentido moderno. O que se quer dizer é que não há uma muralha entre a informação “prática” e a espiritualidade. Engastadas em toda esfera de instrução material estão diretivas específicas para conquistas espirituais. Consequentemente, até mesmo os aspectos mais enfadonhos e insignificantes da vida humana são construídos como instrumentos para o despertar espiritual.

Uma confiança fantástica permeia os textos védicos, a qual diz que a realidade mais elevada pode ser abordada através de qualquer temática. Visto que tudo emanou da realidade suprema, todos os objetos de estudo podem ser considerados dentro da jurisdição da Transcendência. Com efeito, em seu pleno desenvolvimento, todos os assuntos são entendidos como convergentes ao conhecimento do derradeiro, para o conhecimento da origem. Em decorrência disso, os Vedas misturam e juntam temas livremente. Descobrimos que a razão não é acidental, mas um entendimento profundo tanto do plano último da realidade como das facetas multifárias da existência.

Indubitavelmente, os textos védicos são um alimento deveras rico para o transcendentalista dedicado, o ávido explorador ansiando pelo zênite do conhecimento e da experiência espirituais. Malgrado isso, ao mesmo tempo em que acelera o progresso desses adeptos, os Vedas reconhecem claramente que a maioria dos seres humanos necessita de um curso gradual para se elevar ao plano espiritual. Por conseguinte, o leitor observará que, junto das exortações para o logramento de reinos paradisíacos, a literatura também enfatiza as melhores metodologias para se viver neste mundo, a fim de que possamos contemplar em paz a ida para o próximo, então.

Os Vedas equipam o peregrino com um guia fidedigno para a viagem pelo cosmos. A literatura não apenas estabelece marcadores para os estágios de avanço espiritual, mas também – e o mais importante – apresenta o todo da vida em uma estrutura que permite que todo aspecto da experiência humana se torne espiritualmente fecundo. Alguns escritores ocidentais disseram que os Vedas reinterpretam o mundo de modo que ele se torne um veículo para o caminho espiritual. A “reinterpretação”, entretanto, está nos olhos de quem contempla. O ponto de vista védico é que os textos apresentam o mundo como ele é, na clareza de seu verdadeiro propósito.

A meta última dos Vedas é claramente o que chamamos de “iluminação”, “autorrealização”. Porém, os Vedas reconhecem que, para a maioria de nós, o caminho para a verdade suprema é uma estrada longa e com muitas curvas. Assim, a trilha védica transcendental é projetada para acomodar pessoas com variados níveis de comprometimento e motivação.

Armazenados dentro dos Vedas estão relatos supramundanos de existência pessoal além das garras da matéria, bem como aconselhamento humano para se viver nos confins familiares do tempo e do espaço. Portanto, a despeito de a literatura védica certamente poder ser desafiadora e exigente, também é confortante e familiar. Podemos nos beneficiar por entendermos que os Vedas não são uma doutrina ou uma teologia, mas um contexto experienciável e vivo.

Tendo estabelecido o viajante no curso certo, os Vedas nos informam acerca da totalidade infinita que contém a manchinha conhecida como nossa vida individual. Uma vez que a entidade viva está na rota, os Vedas fornecem todo o conhecimento necessário e toda a força igualmente necessária para que se aufira rápida ou gradualmente as metas preciosas da vida: estar livre da ilusão material, associação com as almas puras e, finalmente, o amor transcendental com a Alma Suprema. O caminho e os padrões são bem estabelecidos, mas o ritmo de progresso fica aberto à expressão individual.

Para o leigo, os Vedas ensinam primeiramente como desempenhar o trabalho ordinário de uma maneira metódica que produza benefícios materiais futuros. A predileção moderna parece ser o contrário: trabalhar duro para desfrutar agora de uma maneira que traga sofrimento mais tarde. Conforme a vida de alguém que participa do sistema védico de trabalho se torna mais sóbria e deliberativa, a pessoa, então, está pronta para análises metafísicas. Através dessa disciplina filosófica, a compreensão do que é matéria e do que é espírito se fortalece. Então, gradualmente, o estilo de vida de um transcendentalista maduro em devoção se torna atrativo. Por fim, o peregrino perfeitamente desenvolvido, na estrada da perfeição espiritual, aprende a focar todo aspecto de sua existência diretamente no summum bonum, a Fonte Última.

Lidando com a Imensidão

Para algumas mentes ocidentais, o vasto escopo da literatura védica pode parecer uma barreira conceitual formidável. Como esses textos antigos podem ser tão abrangentes? Do ponto de vista védico, a natureza, bem como o universo como um todo, é uma grande hierarquia de seres vivos não humanos, humanos e humanoides. Até mesmo panoramas interplanetários e intergalácticos parecem algo muito rotineiro nas obras védicas. O mais sensacional são as descrições detalhadas de mundos não materiais, além de toda a tecedura do tempo e do espaço.

Para a vida humana rotineira na Terra, os Vedas prescrevem um equilíbrio entre as necessidades espirituais e as demandas do corpo. O ser humano médio é motivado a satisfazer ambos os lados da balança. Para o leigo, é dito que uma ênfase excessiva em um dos lados pode ser muito nociva tanto individual quanto coletivamente. Em consequência disso, o sistema social védico combina ímpeto material com dinâmica espiritual. Julgando pelos milhares de versos dedicados a explicar como uma sociedade deve funcionar apropriadamente, os textos védicos obviamente enfatizam muito a civilização como uma ferramenta essencial para a elevação tanto material quanto espiritual.

Um imenso escopo não é o único atributo que destaca os Vedas. Em tamanho, as obras védicas se revelam monumentais. Quantitativamente, a Bíblia e o Corão são insignificantes, e os Vedas facilmente humildam grandes obras antigas, como os épicos de Homero e o cânone sagrado da China. O texto histórico védico Mahabharata tem 110.000 quadras. Isso faz dele o poema mais longo do mundo, sendo aproximadamente oito vezes maior do que a Ilíada e a Odisseia juntas. A outra história védica, o Ramayana, consiste em 24.000 parelhas. Os tratados cosmológicos, os dezoito principais Puranas, contêm mais de 400.000 estrofes. Apenas o Bhagavata Purana (também conhecido como Srimad-Bhagavatam), a título de exemplo, tem 18.000 estrofes. O Rig-veda, o Sama-veda, o Yajur-veda e o Atharva-veda contêm 20.000 hinos. Há 108 principais livros de Upanishads, exposições filosóficas.

Os textos védicos se apresentam como oriundos de uma tradição oral, uma herança de profundo conhecimento transmitida pelas gerações ao longo de milênios. Os livros descrevem que, antes de serem escritos, os intelectuais memorizavam os versos e os retransmitiam intactos. Os Vedas não são únicos nessa transmissão oral. Originalmente, outras grandes composições antigas, como a Ilídia, a Odisseia e as sagas germânicas, também não tinham versão escrita, senão que eram transmitidas de boca a ouvido. As qualificações para ser um elo na corrente védica de conhecimento, entretanto, são, sim, especiais.

Porque Veda aparentemente se refere a qualquer conhecimento oriundo da Índia e que promova a transcendência, os ocidentais podem ter dificuldade em definir o termo. Primeiramente, parece não haver barreiras rígidas quanto a que os termos Veda e Vedas se referem. Variadas concepções abundam. Popularizou-se no Ocidente a tecnicidade de que “védico” e Veda aplicam-se somente a quatro textos: o Rig-veda, o Yajur-veda, o Sama-veda e o Atharva-veda. É comum o Rig-veda ser destacado como pertencente a uma classe própria. Outros, no entanto, defendem o uso dos termos para designar todos esses mais as Upanishads.

A tradição vaishnava aceita para si a postura endossada pelas quatro principais escolas de sabedoria espiritual na Índia, as quais aceitam todos os textos supramencionados, com a importante inclusão dos Puranas e Itihasas, os comentários védicos sobre os eventos históricos. Essas quatro escolas principais autenticam sua inclusão dos Puranas e Itihasas mediante citações específicas dos quatro Vedas e Upanishads. Quando classificando a literatura védica, as principais escolas na Índia distinguem apenas entre o que é conhecido como sruti e como smriti. O termo sruti, “aquilo que é ouvido”, diz respeito à verdade atemporal ouvida pelos sábios védicos puros. Smriti, “aquilo que é lembrado”, por sua vez, diz respeito às elucidações que os sábios acumularam sobre o que ouviram do sruti. Diante disso, textos como o Rig, o Yajur, o Sama, o Atharva e as Upanishads são conhecidos como sruti. Histórias e comentários, como o Mahabharata, o Ramayana e os Puranas, são conhecidos como smriti. Uma vez que o budismo e o jainismo não aceitam a autoridade de sruti e smriti, seus seguidores são sempre avaliados como alheios à esfera védica.

Os ocidentais parecem ter uma propensão a dissecar e fatiar ao tentarem compreender algo vasto. Mesmo os acadêmicos frequentemente encontram dificuldades quando buscam entender a cultura védica e sua tradição textual como únicas e unificadas. Ademais, pessoas de fora talvez ignorem inadvertidamente como a autoridade dos Vedas se correlaciona com a autoridade da tradição védica. De modo a explorar a vida espiritual da Índia, tanto antiga como moderna, precisamos ver como os Vedas e os patriarcas védicos trabalham juntos. Os dois sempre estiveram entrelaçados.

No conhecimento sagrado da Índia, as palavras faladas pelo Divino e as palavras faladas sobre o Divino têm um relacionamento intrigante. É uma estrada de duas vidas: os sábios puros certificam o Divino, e o Divino certifica os sábios puros. Essa estimulação mútua torna os textos védicos e a tradição viva com entusiasmo espiritual. O sruti, o som originalmente ouvido, se compara à nossa mãe. O smriti é comparado à nossa irmã. A analogia se baseia na vida familiar tradicional: uma criancinha aprende com sua mãe, e o conhecimento obtido é reforçado por revê-lo com a irmã mais velha.

Fora dos auditórios acadêmicos e dentro das tradições védicas em si, não há muita preocupação quanto à distinção entre sruti e smriti, os dois ramos da mesma árvore do conhecimento. Entre os adeptos e praticantes, todas as definições de Veda ou Vedas incluem tanto o sruti quanto o smriti. Ambos são vistos em uma relação simbiótica de revelação contínua, a vivaz experiência védica.

Um sábio védico consumado pode demonstrar como todos os elementos védicos aparentemente divergentes se unem. Os textos individuais formam um todo coerente e notável, os quais mantêm sua integridade interna há milênios. Essa harmonia textual é o veredito dos instrutores védicos doutos ao longo da história da Índia. Parece que, para conseguirmos nosso objetivo de experienciar um sabor verdadeiramente palatável da tradição védica viva, o caminho mais apropriado é aceitar a versão dos gurus patriarcas que guiam a cultura védica.

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