De Mão em Mão: Como Me Torno Hare Krishna Todos os Dias

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Bhagavan Dasa

Ex-ateu conta sua história e fala sobre como considera que sua fase ateísta foi uma preparação fundamental para o teísmo que vivencia hoje sob a orientação de praticantes experientes da consciência de Krishna.

Antes de conhecer os ensinamentos da consciência de Krishna, tive de passar por outras duas convicções acerca de realidades espirituais, que hoje vejo como estágios preparatórios. Primeiramente, fui ateísta. Com a intensidade da adolescência, isso tomou dimensões radicais. Somado ao tipo de pessoas com quem eu andava, logo progredi do ateísmo intelectual para algo mais “visual”, e passei a utilizar um crucifixo de ponta cabeça como meu adorno constante, criei um site de nome Incrédulo com sessões como “contradições bíblicas”, “escândalos da igreja católica”, tudo envolto por um leiaute que eu chamava de “satânico” – muito preto e vermelho, sangue e pentagramas. Se me perguntavam “o que eu era”, eu dizia com orgulho: “Satanista”. Adorava quando alguém, vindo na direção contrária à minha, atravessava a rua para não cruzar comigo.

A “coitada” da minha mãe assistia tudo de perto, e sempre orava por mim. Sendo ela de formação espírita, muitas vezes a vi no telefone “pedindo irradiação” e desabafando. “Eu acho que ele está com algum obsessor. As músicas que ele ouve são urros horríveis, e ele diz que Deus é uma invenção humana para dominar as pessoas”.

Percebo essa fase da minha vida como uma purgação da religião superficial, política e hipócrita – algo parecido com as Upanishads. As Upanishads, segundo os ensinamentos do Senhor Chaitanya, negam veementemente a religião de rituais vazios, Deus como possuidor de uma forma material e outras coisas não como uma negação absoluta, mas como uma introdução aos rituais de conteúdo e a forma de Deus inconcebível e completamente espiritual. Eu obviamente não entendia que havia uma dimensão boa da religião, mas com certeza expurguei muita superficialidade.

Com tudo isso “bem queimado”, tive uma experiência muita assustadora que me permitiria dar um passo adiante. Depois de ir ao cemitério com amigos, rasgar páginas da bíblia, beber vinho e várias outras coisas do nível, tive uma experiência que acredito ter sido a possessão por um espírito muito baixo. De repente, minha cabeça se encheu de pensamentos suicidas. Morando no quarto andar de um prédio, eu sentia um ímpeto muito forte de me jogar da janela, bem como uma atração muito intensa por pegar facas na cozinha. Minha visão estava estranha, e eu parecia ter duas mentes – a minha e uma mente estranha. Com muito medo, tirei o crucifixo de ponta cabeça rapidamente do meu pescoço e atirei da janela no terreno baldio que havia na frente do meu prédio. Em seguida, ajoelhei orando por socorro. Sim! Como dizem, “não existem ateus quando o avião está caindo”.

Com oração, ajuda dos “espíritos de luz” acionados por minha mãe e outras medidas, fui retomando minha sobriedade. A partir desse dia, passei a dar um crédito para a existência de coisas sutis. De brinde, passei a dar crédito para a existência de Deus, porque, se eu estava errado quanto à inexistência de fenômenos de dimensão sutil, eu também poderia estar errado quanto à inexistência de Deus.

Como bom adolescente, é claro, eu não deixaria minha mãe me instruir sobre o assunto. Ela, no entanto, foi esperta o suficiente para deixar um livro “perdido” na sala, para que eu pudesse ler sem ter que assumir que estava lendo. Esse livro era O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec.

Depois da purgação de religiosos de espiritualidade mal vivida da minha fase ateia, acredito que não poderia haver um livro mais apropriado para me introduzir ao teísmo. O espiritismo, com sua proposta de ser ciência, filosofia e religião, fazia uma ponte excelente entre os dois mundos. Eu não precisava ir do mundo ateu para o mundo teísta abandonando a razão, o pensamento crítico, o poder da observação e outras coisas. Eu aceitei atravessar a ponte, e por um ano fui um espírita realizado – muito passe e água fluidificada, e também muitos estudos e leituras.

Se eu tivesse recebido diretamente um livro da consciência de Krishna, eu provavelmente não o teria conseguido digerir, pois o universo imensamente sobrenatural – e sobrenatural não eventualmente, mas de modo constante – teria me assustado e eu, é provável, o teria tido como a narrativa de pessoas de mentalidade pobre e primitiva. O espiritismo, porém, com sua apresentação de vida em todos os planetas, análise de fenômenos não estudados sem preconceito pela ciência convencional e outras coisas foi dilatando minha aceitação. Por fim, um representante de Prabhupada chegou a mim.

Pela ocorrência de termos sânscritos em palestras e encontros espíritas – como chakra e karma –, acabei buscando pela fonte dos mesmos, e terminei por chegar a uma escola de yoga. Ali na escola de yoga Ananda Chandra, além de aulas do yoga moderno, na conhecida estrutura de relaxamento, asanas, pranayamas e meditação simples, havia encontros de bhakti-yoga, os quais seriam ministrados por alguém cujo nome eu jamais conseguiria pronunciar à primeira vista: Loka-shakshi Dasa.

Sua apresentação foi marcante para mim. O primeiro ponto que ele disse foi: “Não queremos converter ninguém aqui. A consciência de Krishna é algo inerente a nós, e não algo formal”. “Uau!”, veio à minha mente. Eu logo pude ver que não haveria um pedido para eu repetir algo como: “Aceito fulano e fulano como meu único e suficiente salvador”. Só por isso, já parecia promissor. Encontro após encontro, mais eu me impressionava e via uma espiritualidade profunda, sistemática e bem composta. A cada domingo, havia um tópico a ser estudado. Na parede, um papel simples informava os quatro temas do mês: “Os Três Modos da Natureza Material, Nós Não Somos o Corpo, A Mística do Ser e a Mística do Amor, Cosmologia Védica”. Eu contava o dia até o próximo encontro.

Ali, eu não apenas sentia uma apresentação mais profunda da reencarnação, das dinâmicas da mente e outras coisas apresentadas no espiritismo, como também me deparei com algo que eu não poderia imaginar. Ali, havia a resposta para uma pergunta que eu não poderia formular: “O que fazemos na eternidade, junto de Deus, quando estamos completamente puros, inteiramente situados no eu?”

Felizmente, pude receber a teologia de Bhagavan de uma maneira profunda, com argumentos fortes para os contra-argumentos mais comuns, e pude adentrar às narrativas do Srimad-Bhagavatam sem as ter como “mera mitologia”, “antropomorfismo barato” ou algo do tipo. Um mundo de relações amorosas infinitas com Deus se revelou diante dos meus olhos. Quando eu estava lendo o livro Krishna, a Suprema Personalidade de Deus, eu orava com aperto no coração antes de dormir: “Ó Senhor, por favor, não me deixe morrer antes de acabar de ler pelo menos este livro”.

E assim, livro após livro, palestra após palestra, com a música de fundo do mantra Hare Krishna em minha japa, meu gosto pela consciência de Krishna foi crescendo. E minha história continuou conforme eu passava da mão de um devoto qualificado de Krishna sempre para a mão de outro devoto qualificado. Das mãos do erudito Loka-shakshi Dasa e de outros devotos de Juiz de Fora, como Rasa-vilasini Devi Dasi e bhakta Geraldo, fui para as mãos de Dhanvantari Swami, “aquele que alcançou a máxima sobriedade”, como diz o mantra que o homenageia. Dhanvantari Swami cuidou de mim em todas as esferas – físicas, emocionais e espirituais. Também contribuiu para eu descobrir minha vocação ao dizer que minhas redações eram muito boas. Diretamente, disse para eu cursar Letras, e foi assim que me passou para a mão do próximo devoto de boa razão, Giridhari Dasa, então presidente da BBT, a editora oficial do Movimento Hare Krishna. Com um pouco de estudo de Letras, comecei a traduzir artigos e, então, um primeiro livro, o diário de Srutakirti, um secretário de Prabhupada. Logo depois, Nanda Kumara assume a direção da BBT, e é a próxima mão que seguro. Nanda Kumara se revela paternal como Dhanvantari Swami e cuida de me instruir sobre como ser um pai e esposo responsável, melhor profissional e melhor devoto, integralmente, sempre deixando espaço para minha criatividade e questionamentos intelectuais. Agora, tenho a fortuna de morar no Ashram Vrajabhumi, aos cuidados de ninguém menos do que Chandramukha Swami e uma família muito acolhedora.

Bem, o parágrafo anterior pode parecer ir além de Como Me Tornei Hare Krishna, mas Hridayananda Dasa Goswami diz que temos que nos tornar Hare Krishnas todos os dias, então estou contando como estar sempre sob o abrigo de devotos que sabem cuidar de outros de maneira holística, amável e madura é o que me faz me tornar Hare Krishna todos os dias, com facilidade. Na verdade, passando por tantas mãos maravilhosas, em uma sucessão ininterrupta, posso até mesmo, ainda que fracamente, ter a esperança de, um dia, ser entregue para uma mão tão negra quanto uma nuvem de chuva.

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