Humildade

Humildade

 

Bhaktivinoda Thakura
Da obra Saranagati

 

Ó Senhor, esquecido de Vós, vim para este mundo material, onde experimento uma hoste de dores e lamentações. Agora, aproximo-me de Vossos pés e submeto a Vós minha angustiante história.

Enquanto eu ainda me encontrava desamparadamente preso no claustrofóbico confinamento do ventre de minha mãe, ó Senhor, Vós Vos revelastes diante de mim por uma ocasião.

Naquele instante, dei-me com o pensamento: “Após meu nascer, adorar-Vos-ei”. Não obstante, ai de mim, fui vitimado pela emaranhadora rede das ilusões do mundo, em consequência do que não possuo sequer uma gota de conhecimento verdadeiro.

 

Como um bebê querido, afagado no colo de meus parentes, sorridente e risonho passei meus dias. A afeição de meus pais ajudou-me a me esquecer ainda mais de Vós, e comecei a acreditar que o mundo material era um lugar muito aprazível.

Dia após dia, gradualmente cresci e me tornei um garotinho a brincar com outros garotos. Em pouco tempo, fez-se presente meu poder de aprendizagem e compreensão, em razão do que passei a revezar minhas brincadeiras com a leitura e o estudo diligente e diário de minhas lições escolares.

Orgulhoso de minha refinada formação, viajei por diferentes destinos e acumulei grande riqueza. Com tais recursos, mantive minha família com indivisa atenção, deslembrado de Vós, ó Senhor!

Agora, na velhice, este Bhaktivinoda pranteia em grande pesar. Em vez de Vos adorar, ó Senhor, deixei meus dias passarem em vão. Qual será o meu destino agora?

* * *

Com grande entusiasmo, dediquei meu tempo aos prazeres do estudo mundano, e jamais adorei Vossos pés de lótus, ó Senhor. Agora, sois meu único refúgio.

À proporção de minhas leituras, cresciam minhas esperanças de sucesso, uma vez que considerei o conhecimento material como a verdadeira meta da vida. Quão infrutíferas se revelaram tais esperanças quando todo o meu conhecimento se mostrou frágil e débil. Hoje tenho o conhecimento de que toda essa erudição é, em realidade, mera ignorância.

Todo o assim chamado conhecimento deste mundo nasce da potência de Vossa energia ilusória, e é um impedimento para a prestação do serviço devocional a Vós. O envolvimento com o conhecimento mundano reduz a alma eterna à condição de um asno, encorajando a mesma a se atrair em paixões por este mundo transitório e inconstante.

Aqui está alguém que foi reduzido a tal condição de asno, alguém que há muito tempo carrega sobre suas costas o inútil fardo da existência material. Agora, em minha velhice, devido à carência de aptidão para o desfrute, nada me apraz.

A vida, agora, é-me agonia, agora que minha pretensa erudição coloca-se diante de mim em sua verdadeira forma de imprestável ignorância. O conhecimento material mostra-se agora uma flecha de ponta afiada, flecha esta que perfura o meu coração com a intolerável e candente dor da necedade.

Ó Senhor, inexiste tesouro digno de ser buscado neste mundo, salvo Vossos pés de lótus. Bhaktivinoda rejeita todo o seu conhecimento mundano e aceita Vossos pés de lótus como a essência de sua vida.

* * *

Inteiramente dada ao pecado é minha vida – nela, inexiste qualquer vestígio de bondade. Grande ansiedade causei aos demais e, com efeito, desconheço uma única entidade viva a qual eu não tenha perturbado.

Em prol de meu próprio desfrute, jamais hesitei ocupar-me em atos pecaminosos. Destituído de toda compaixão, tenho em vista unicamente meus planos e interesses egoístas. Perdido em um perpétuo discursar de falácias, entristece-me a felicidade alheia, ao passo que ver outros em miséria é fonte de grande deleite a mim.

No âmago de meu coração, encontram-se infindáveis desejos materiais. Sou alguém genioso, afeito à exibição de arrogância, alguém sempre alcoolizado pela vaidade e desorientado por afazeres ordinários. Meus adoráveis ornamentos são a inveja e o egotismo.

Arruinado pela preguiça e pelo sono, resisto a toda classe de atos piedosos, mas encontro grande entusiasmo para a execução de atividades inapropriadas. Em busca de fama e reputação, ocupo-me na arte da falsidade. Sou presa de minha própria ganância e avareza, e encontro-me sempre agitado pela luxúria.

Semelhante sujeito perverso e repugnante, rejeitado pelas pessoas santas, é um constante ofensor. Destituído de qualquer obra de bondade, eternamente inclinado ao mal, é semelhante indivíduo desgastado e destruído por misérias várias.

Agora na velhice e destituído de todos os meios de socorro e alívio, este pobre e humildado Bhaktivinoda apresenta sua angustiante história aos pés do Senhor.

* * *

Ó Senhor, por favor, ouvi-me contar-Vos a história de minha tristeza. Bebi o mortal veneno da mundanidade fingindo acreditar que era néctar, e agora o Sol está se pondo no horizonte de minha vida.

Minha infância dediquei a brincar, minha juventude apliquei nas atividades acadêmicas, ao longo do que não se despertou em mim nenhum inteligente senso de discriminação. No começo de minha idade adulta, estabeleci-me como pai de família e entreguei-me ao encanto do desfrute material enquanto meus filhos e amigos se multiplicavam rapidamente.

A velhice logo chegou, em razão de cuja presença toda alegria se foi. Sujeito aos tormentos de variadas doenças, sinto-me perturbado e fraco. Todos os meus sentidos encontram-se cadentes agora; meu corpo, prostrado, presenteia-me com dores, e minha disposição emocional, agora na ausência do gozo dos sentidos ao qual eu costumava me permitir, é de um homem sempre abatido e taciturno.

Destituído mesmo de uma partícula de iluminação ou esclarecimento, privado das doçuras da devoção – que socorro pode vir a mim agora? Ó Senhor, sois o amigo dos caídos. Certamente caído eu sou: certamente o mais baixo dos homens. Por conseguinte, por favor, tende misericórdia e erguei-me até Vossos pés de lótus.

Caso me julgueis neste momento, não haveis de encontrar nenhuma virtude em minha pessoa. Por favor, mostrai misericórdia em não me julgar. Fazei-me beber o mel de Vossos pés de lótus e, deste modo, libertai este Bhaktivinoda.

* * *

Ó Senhor, ofereço esta humilde oração a Vossos pés. O refúgio de Vossos pés deixei, embora sejam macios como folhas recém-crescidas, e agora minha mente tornou-se árida como um deserto, tendo sido abrasada pelo fogo da absorção em horrendo gozo dos sentidos.

Porquanto não encontro forças para novamente colocar-me de pé, passo meus dias lamentando-me em grande amargor. Ó Vós que sois conhecido como o Senhor dos mansos e humildes, Vossos pés de lótus são minha única esperança.

Jamais existiu uma alma tão desolada quanto eu. Por favor, sede misericordioso e concedei-me a companhia de Vossos devotos, pois, experimentando o prazer de ouvir discussões acerca de Vossos passatempos, hei de abandonar todos os vícios.

Uma única esperança anima a minha alma: Dedicar-me-ei noite e dia a cantar Vosso santo nome enquanto em residência em Vossa morada divina. Vosso servo Bhaktivinoda suplica-Vos a permissão de estar sob a sombra absolutamente fresca de Vossos pés de lótus.

3 Respostas

  1. Espero conseguir ter determinação e perseverança para ler esta oração diariamente. As escrituras dizem que Srila Bhaktivinoda é um associado de Sri Caitanya Mahaprabhu. Escritos dele, como esta oração, nos deixam convictos de que assim realmente é.

    30 de março de 2013 às 8:49 PM

  2. Srimati Devi Dasi

    Divina inspiração devocional!

    4 de abril de 2013 às 9:39 AM

  3. Gabriel

    Amém! Que Deus nos liberte do cativeiro material e nos conduza a Vaikuntha! Lindíssima oração.

    7 de junho de 2014 às 12:51 AM

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