Deus na Forma de Música

-09 (entrevista - Mantra) Vraja Mandala Entrevista (2255) (ta)Entrevista com Paresha Dasa

Volta ao Supremo entrevista Paresha Dasa, vocalista do grupo de canto de mantras Vraja Mandala.

Volta ao Supremo: Como surgiu o grupo Vraja Mandala? A que o grupo se propõe?

Paresha Dasa: Antes de qualquer coisa, gostaríamos de agradecer à revista Volta ao Supremo pela oportunidade. O Vraja Mandala vai fazer dois anos no dia 23 de junho. Em meados de 2012, eu organizei um repertório de bhajans e poesias das tradições gaudiya-vaishnava e sufi (Candidas, Jayadev, Raskhan, Rumi, Yunus Emre) com a participação do Brahmarshi Dasa e da Anaceli Lachman. Daí a Chitralekha, minha grande amiga e esposa do Brahmarshi Dasa, nos sugeriu que montássemos um grupo. Inicialmente, fiquei receoso com a ideia, mas resolvi aceitar. A verdade é que eu não conseguia ver como conciliar meu estilo musical com o do Brahmarshi. Nós dois tivemos longos anos de formação com a tradição de kirtan e música indiana nos templos, mas temos referências e estilos musicais bem diferentes. Bem, no final, qualquer receio foi vencido e descobrimos o quanto a nossa maturidade tornava nossas diferenças bastante conciliadoras. Depois, em pouco tempo, o Adriano Prana e o Max D’Carmo se uniram ao grupo, e, em um ano, a Anaceli Lachman já não estava mais conosco. Tá dando certo! Nosso processo criativo é bem democrático e prazeroso. Uma coisa bacana é que temos tradições diferentes. Eu e Brahmarshi Dasa somos Hare Krishnas, o Adriano Prana é espiritualista e o Max D’Carmo é budista da linhagem vajrayana.

A proposta musical do Vraja Mandala é espiritual mesmo: kirtan. Nós acreditamos em nossa transformação pessoal a partir da música que fazemos. Acreditamos, falo em nome dos outros integrantes, que precisamos ser nutridos por essa música sagrada. As pessoas serão tocadas espiritualmente como resultado dessa conexão que começa conosco. Musicalmente, temos a proposta de world music com influência bem brasileira. A música indiana é parte dessa mistura e está presente em timbres, melodias, ritmos, letras, mas não fazemos exclusivamente música indiana; nem queremos e sequer estaríamos à altura de fazê-lo. Daí entra a influência de cada um com influências do rock progressivo, da black music, da MPB e por aí vai.

Volta ao Supremo: O que cada um dos integrantes do Vraja Mandala toca? Poderia falar mais sobre essa complementariedade de vocês tanto em personalidade como na arte musical em si?

Paresha Dasa: Eu no vocal, Brahmarshi Dasa na mridanga e outras percussões, Max D’Carmo no violão e guitarra, Adriano Prana no sitar e xilofone. A gente realmente dá um bom caldo musical! Temos aprendido cada vez mais com nossas histórias de vida e referências musicais. Há uma apreciação mútua e amizade sincera. Todos nós temos preferências musicais bem distintas e muitas que também se complementam. Se pensarmos nos quatro enquanto uma entidade só, teremos gospel brasileiro e americano, black music em geral, música clássica, metal, rock progressivo, samba, forró, música indiana, música persa, MPB em geral e muito mais coisas que não saberia dizer. É uma salada de frutas musical! A gente curte música e curte a alquimia musical. Disso surge uma identidade que está em constante construção e descoberta.

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Grupo Vraja Mandala em apresentação.

Volta ao Supremo: Qual é, em geral, a resposta do público em suas apresentações? Algum showfoi especialmente marcante para você?

Paresha Dasa: Agora eu não saberia dizer qual foi o mais marcante. Estou em casa e acabo de falar com o Brahmarshi Dasa por telefone para saber como responder algumas perguntas. Infelizmente, não consegui falar com o Max e com o Adriano. Veja bem, há shows que foram marcantes por representarem um envolvimento e coesão maior entre nós e respectivamente entre o público. O Brahmarshi me disse que, para ele, o nosso primeiro show no Nanak Yoga, em Curitiba, foi bem marcante. Eu concordaria com ele e acrescentaria o nosso primeiro show no Espaço Har Yoga & Terapias e também acrescentaria nossa última apresentação no Nirvana Yoga, no Rio de Janeiro. Foi uma apresentação com público pequeno, mas todo o processo até chegarmos lá e a própria apresentação foi para mim bem reveladora de que Krishna estava nos conduzindo até ali para um propósito que só nos foi revelado alguns instantes antes da apresentação.

Quanto ao público, com quase dois anos juntos, ainda estamos trabalhando com a formação de público. Fundamentalmente, nosso público tem sido o público do yoga, mas não pretendemos restringir nosso trabalho a esse nicho. Acreditamos na força do kirtan, de nossa proposta musical como capaz de alcançar públicos diversos. Inicialmente, a nossa experiência com o público exigiu de nós apostar na autoconfiança e confiar que a própria música seria capaz de romper com certa distância ou estranhamento cultural devido ao idioma dos mantras que cantávamos, melodias e timbres dos instrumentos indianos. A música foi conquistando as pessoas sem necessidade de grandes explicações ou preleções antes ou durante as apresentações. Outra coisa interessante é perceber o poder dos passatempos/histórias de Krishna. Costumo contar passatempos, e a força de tais passatempos é tão espiritual que muitas pessoas se emocionam e acabam se encantando por Krishna naturalmente. Nossas apresentações costumam ter poesia. Os poemas da tradição vaishnava e sufi são especiais e tocam muito as pessoas! Como resultado desse trabalho, pessoas e amigos têm se interessado em cantar o maha-mantra Hare Krishna de forma muito espontânea, e algumas pessoas nos procuram depois das apresentações para pedir conselhos, dicas de leitura, dicas de meditação. Algumas pessoas se tornaram nossas amigas. Krishna é realmente maravilhoso!

Volta ao Supremo: Você, Paresha, já tem um disco lançado com canções infantis sobre Krishna, de 2006. O que mudou em você como músico e em sua visão da vida desde essa gravação até a atualidade no grupo Vraja Mandala e o que continua igual?

Paresha Dasa: Muita coisa mudou! O álbum “Bala Gopala – Canções do Menino Azul” foi a realização de um desejo cultivado durante três anos com a parceria de dois amigos que são tudo para mim: Diogo Duarte e Gilmário Celso. A minha formação musical tem forte contribuição dessas duas pessoas. Não foi nada fácil realizar a gravação desse trabalho! Tivemos desafios enormes, mas tudo aconteceu num momento muito singular de nossas vidas e com a forte presença de Krishna e Balarama. Quando compus a primeira canção, “Menino Azul”, eu ainda não tinha a ideia do CD infantil, mas, a partir da segunda canção, “Balarama”, começou a ficar claro pra mim que Krishna queria algo para crianças. A minha intuição original foi oferecer aos filhos de devotos de Krishna a oportunidade de nutrirem sua devoção a partir de canções devocionais em português assim como em minha infância eu tive a benção de despertar meu amor por Deus através dos hinos protestantes fortemente presentes em minha família há três gerações. De 2006 até aqui, foram quase oito anos, e, neste ínterim, eu amadureci bastante em minha forma de compor e na exploração de outros caminhos musicais. Nada está isolado. Eu aprendi e ainda aprendo com a dor, com o amor e com tudo e todos que Krishna coloca em meu caminho para poder compor e fazer a música que fazemos no Vraja Mandala.

Até hoje muitos devotos me agradecem pelo trabalho. Volta e meia recebo e-mails e mensagens de devotos de Krishna de vários lugares com depoimentos sobre a importância desse trabalho infantil na vida deles. O curioso é que a maior parte das pessoas que me escreve é adulta. Eles me contam como superaram uma depressão; uma crise na fé em Krishna e outras coisas mais íntimas. Isso para mim é um sinal de que eu realmente devo me colocar como um instrumento para levar às pessoas uma música que seja símbolo de cura, de redenção, de amor e de minha realização da presença de Krishna.

Volta ao Supremo: No Brasil, alguns músicos já gozam de renome no meio do canto de mantras, como Karana, Tomaz Lima, Chandramukha Swami e outros. Como você enxerga esse meio artístico em nosso país, de um modo geral?

Paresha Dasa: Ainda há muito por fazer! Mas, sem dúvida alguma, hoje temos mais pessoas fazendo kirtan e cantando mantras no Brasil do que dez anos atrás. A gente precisa unir forças para nutrir o Brasil com essa tradição maravilhosa do kirtan ensinada por Sri Chaitanya Mahaprabhu! No Vraja Mandala, temos o desejo de fazer trabalho com outros músicos e criarmos eventos de parceria para aumentar essa força e formação de público. Sem dúvida alguma, temos uma gratidão a Tomaz Lima, a Léa Fabres (Lila Shakti), a Chandramukha Swami, mas te digo que há muito mais pessoas a serem citadas e que têm colaborado com a divulgação de mantras para benefício de todos. Em minha opinião e na do Adriano Prana, talvez, Chandra Lacombe seja a figura de maior atuação e força no momento! Ele tem feito um belo trabalho por todo o Brasil com sua música devocional! Suas composições são bem universais, boa parte cantada em português, e abraçam a riqueza dos mantras, da mística indiana e da própria religiosidade e musicalidade populares do Brasil! Nas apresentações de Candra Lacombe, você tem um trabalho forte de envolvimento e cura espiritual! Todos são completamente envolvidos! Temos que pensar o gênero kirtan como mais do que canto de mantras tradicionais. Precisamos compor em língua portuguesa também. Kirtan é “Deus na forma de música”. Outro trabalho fabuloso e que, infelizmente, ainda é pouco conhecido é o CD “Canção do Divino Mestre”, com versos do Bhagavad-gita cantados por vários músicos da MPB e dirigido por Rogério Duarte (Raghunatha Dasa) e Carlos Rennó. Provavelmente haverá relançamento desse trabalho de Rogério Duarte até o próximo ano.

Volta ao Supremo: Um rapper americano escreveu: “Tantos problemas sociais, e cada vez mais pessoas interessadas em yoga”. Assim, algumas pessoas acham muito bonita a proposta do canto de mantras, mas outras, talvez mais pragmáticas, perguntam se o tempo investido nisso não seria melhor gasto distribuindo alimentos, por exemplo, ou se o dinheiro investido na construção de templos ou outros lugares destinados ao canto de mantras também não seria melhor gasto comprando agasalhos para os que sentem frio. Qual a resposta a esse tipo de crítica que Prabhupada, um dos maiores divulgadores do kirtan-yoga no ocidente, disse ser muito comum?

Paresha Dasa: É justamente por conta de tantos problemas sociais e existenciais que as pessoas estão procurando o yoga, canto de mantras ou outras formas de autoconhecimento e conexão espiritual. Sem dúvida alguma, a verdadeira conexão em yoga é capaz de tirar a pessoa de uma atitude psicológica autocentrada e colocá-la diante de uma conexão com o mundo e com o sofrimento dos outros. A espiritualidade não é escapismo da realidade e das soluções pragmáticas necessárias à resolução dos problemas da sociedade. Basta olharmos para os inúmeros centros religiosos que desenvolvem projetos de assistência social no Brasil e no mundo. Há casos realmente em que muitas instituições religiosas gastam mais recurso financeiro com templos suntuosos do que com a criação de escolas, com a formação educacional da população para ajudar a sanar esses problemas sociais e espirituais. Sem dúvidas isso é um problema! Mas o ser humano tem fome de comida e fome de espírito, fome de amor, fome de arte, fome de Deus! É preciso ter as duas formas de nutrição! Afinal de contas, depois que você tira a pessoa de uma realidade de exclusão social e econômica você precisa oferecer a ela algo que a nutra emocional e espiritualmente. Está tudo ligado.

Volta ao Supremo: O que pretende o Vraja Mandala de hoje em diante? A gravação de um CD é cogitada?

Paresha Dasa: Cogitamos a gravação do primeiro CD, mas ainda não conseguimos organizar nosso tempo para pensar como será esse trabalho. Todos nós temos outros trabalhos e compromissos e, até então, não foi possível pensar nisso com a atenção que merece. Queremos gravar algo com qualidade. Não nos interessa ter um CD que não nos satisfaça musicalmente e que não revele a nossa identidade. Essa identidade precisa ser curtida com paciência e com tempo. Primeiramente, precisamos de um retiro músico-espiritual onde o projeto do CD será gestado. No momento, estamos tocando para espalhar os nomes de Deus!

Volta ao Supremo: Qual pergunta você gostaria que tivéssemos feito e não fizemos?

Paresha Dasa: Acho que você poderia ter nos perguntado como fazemos para manter a energia condizente com nossa proposta musical.

Talvez, fazer música com objetivo espiritual seja a música mais difícil de todas. Como músicos, temos nosso desejo de fazer uma música de qualidade e que expresse nossa identidade musical, mas temos também um envolvimento pessoal com a espiritualidade e pretendemos que todo o processo criativo, bem como nossas apresentações, não sejam mero entretenimento, mas que sejam  instantes de conexão espiritual para nós e para todos os presentes. Há um desafio constante de viver o momento com autenticidade de modo que a força espiritual que invocamos musicalmente esteja ali. Quando as coisas não acontecem como esperávamos, um costuma auxiliar o outro a enxergar as coisas da melhor maneira e sem aversão aos frutos, mas com atenção ao que cabe como responsabilidade nossa. Às vezes, isso demora para ser percebido individualmente. Não temos interesse em alimentar rótulos ou máscaras religiosas ou a pose de pessoas elevadas. Isso atrapalha tudo! Somos humanos e com dilemas pessoais como qualquer pessoa. Nosso trabalho tem sido perceber que somos canais ou pedras a serem lapidadas por Krishna e pelos nossos mestres e que o kirtan nos trata, nos cuida e cura a todos os que participam. Hare Krishna!

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Uma resposta

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    28 de fevereiro de 2023 às 3:53 AM

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