A Tragédia da Autodestruição

28 I (artigo - Superação de Obstáculos) A Tragédia da Autodestruição (2351) (sankirtana) (ta)Chaitanya-charana Dasa

Uma solução espiritual que chegue à raiz do problema é a única proteção segura contra a sedução do comportamento autodestrutivo.

A truta é pega pela isca do pescador; o rato, pelo queijo. Uma ironia da luta pela existência é que as entidades vivas são frequentemente destruídas por aquilo que desejam. Todavia, o peixe e o rato ao menos têm desculpas: a isca e o queijo parecem substanciais. E o peixe e o rato não sabem que ficarão presos. Os seres humanos dificilmente podem se valer de alguma dessas desculpas. As tentações que lhes invadem a vida são, muitas vezes, puramente prazeres conhecidos como perigosos. Por exemplo, ninguém precisa fumar para viver, e qualquer pessoa minimamente informada sabe que fumar é perigoso.

Consideremos as seguintes estatísticas da Organização Mundial da Saúde:

– O tabaco mata quase 10.000 pessoas no mundo todos os dias.

– É previsto que, em 2020, o uso de tabaco causará mais de 12% de todas as mortes globais. Isso é mais do que as mortes no mundo em decorrência de suicídio, homicídio, HIV, tuberculose, mortalidade materna e acidentes automotivos, combinados.

– Metade das pessoas que começa a fumar na adolescência morrerá com meia-idade, perdendo cerca de 22 anos da expectativa de vida normal.

Adicionando os fatos de que um cigarro tem, em média, 401 substâncias tóxicas e 43 substâncias químicas cancerígenas, e de que há 1,1 bilhão de fumantes no mundo (cerca de 1 terço da população global com 15 anos ou mais), temos uma retratação pouco poética do mundo ao nosso redor. As estatísticas sobre outros comportamentos autodestrutivos – alcoolismo, uso de drogas ilícitas, suicídio – são igualmente alarmantes, se não mais. E mesmo entre as pessoas ditas normais, praticamente todos são vitimados por alguma forma de comportamento autodestrutivo, como expressões injustificadas de ira que se tornam um uso desastroso e desintencional de palavras ásperas que partem corações e arruinam vidas, e assim por diante.

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Muitas são as formas de comportamento autodestrutivo. Expressões injustificadas de ira também podem ser assim consideradas.

Uma questão surge naturalmente: “Como um ser humano inteligente embarca em semelhante curso destrutivo? A maior parte das pessoas sabe que, quando começam, por exemplo, a fumar, estão entrando em uma zona de perigo. A mídia, os amigos e os traficantes convencem as pessoas a usarem apenas uma vez, para experimentar. Buscando um tempo da vida diária monótona e de prazeres vazios, cedem ao convite. A impressão do prazer instantâneo é fixada na mente, e, sempre que o indivíduo seja confrontado por um revés, tende a buscar o alívio imediato através do cigarro. Toda experiência sucessiva de fumar reforça as impressões anteriores, fortalece a tendência a buscar alívio temporário e enfraquece a voz da inteligência e da consciência. Fumar se torna uma demanda irresistível, uma compulsão, um vício. Fumantes tornam-se vítimas desesperançadas, levadas vezes e mais vezes ao irresistível.

Soluções Atuais

Eis alguns métodos atualmente utilizados para uma pessoa se livrar de vícios:

  1. Conhecimento: Parece óbvio que, se as pessoas soubessem dos perigos, evitariam a substância em questão. Algumas vezes. Porém, não de maneira geral. O conhecimento pode ter até mesmo o efeito contrário. Por exemplo, depois que o governo tornou obrigatório os dizeres de que “fumar é prejudicial à saúde” em propagandas de cigarro e em suas embalagens, a venda de cigarros cresceu. Parece que o aviso invocou um espírito de “intrepidez” nos jovens.
  2. Suporte Emocional: Pessoas frequentemente recorrem a vícios quando emocionalmente abatidas ou traídas por pessoas amadas. Emocionalmente, adolescentes negligenciados são especialmente suscetíveis a vícios. Prover suporte emocional através de aconselhamento pessoal é uma solução em potencial. Contudo, aconselhamento profissional conduz a uma dependência crônica do conselheiro. E, para muitos, guia profissional tem um custo não acessível. Amigos podem ajudar, mas, em nossa vida moderna corrida, poucos podem investir o tempo e a energia necessários para fornecer consistentemente suporte emocional intenso.
  3. Sublimação: Sublimação envolve substituir um impulso físico grosseiro por um impulso substituto mais refinado. Por exemplo, um alcoólatra pode buscar refúgio em música em vez de o fazer no álcool. Contudo, isso só funcionará se ele tiver um forte gosto por música e caso sua dependência alcoólica não seja arrebatadora. Outro problema é que as impressões mentais de entrega ao álcool fazem com que ele pareça muito mais atrativo do que seu substituto.
  4. Força de vontade: Vendo a dor física e emocional que está causando a si mesmo e àqueles que lhe são queridos, um viciado consegue, algumas vezes, decidir descontinuar seu hábito pervertido meramente por força de uma grande determinação. Mesmo se bem-sucedido, tem que enfrentar o austero prospecto de toda uma vida de constante batalha interior, com o medo de sucumbir a qualquer momento. E o fracasso frequentemente traz consigo intoleráveis sentimentos de culpa, tornando a vida em si uma agonia.
  5. Religião: Estatísticas demonstram que pessoas religiosamente comprometidas têm menores chances de sucumbir à busca de prazeres pervertidos. Adotar princípios religiosos rigorosamente também costuma ajudar viciados a se libertarem. Dr. Patrick Glynn escreve em seu livro Deus: A Evidência que “é difícil encontrar algo mais consistentemente correlato à saúde mental, ou uma melhor garantia contra condutas autodestrutivas, do que uma fé religiosa forte”.
  6. Substituição: Viciados frequentemente tentam trocar seu vício por um substituto – fumantes tentam adesivos de nicotina ou chiclete de nicotina, viciados em heroína tentam metadona, e assim por diante. Embora isso possa tornar o vício menos debilitador, o viciado ainda não está livre da ânsia emocional e da dependência mental de substâncias externas. E a droga substitutiva continua cobrando seu preço de saúde e dinheiro da parte do viciado. Assim, a substituição leva, na melhor das hipóteses, a uma redução dos males, e, na pior hipótese, à sua perpetuação – raramente leva à eliminação do mal.

Apesar de cada um desses métodos ter algum nível de sucesso, a verdadeira solução para o comportamento autodestrutivo está na compreensão das raízes do mesmo. Consideremos o problema a partir da perspectiva védica.

O Paradigma Védico

No Bhagavad-gita (3.36), Arjuna pergunta ao Senhor Krishna: “O que impele alguém a atos pecaminosos, mesmo contra sua vontade, como se agisse à força?”.

O Senhor Krishna responde no verso seguinte: “É somente a luxúria, Arjuna, que nasce do contato com o modo da paixão e que, mais tarde, transforma-se em ira. A luxúria é o inimigo pecaminoso que a tudo devora neste mundo”.

O entendimento fundamental para entender esse diálogo é o ensinamento básico do Bhagavad-gita: a fonte da vida, o eu verdadeiro, é uma partícula espiritual, conhecida como atma, ou alma. A necessidade essencial da alma é amar e ser amada e experienciar ilimitada felicidade através de trocas amorosas. Sendo espiritual por constituição, a alma pertence a um ambiente dimensional superior, o mundo espiritual. Lá, a propensão amorosa da alma encontra completa realização na pessoa todo-atrativa e supremamente amorosa, que reciproca o amor da alma.

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No mundo espiritual, Krishna é o pivô de todos os relacionamentos.

Os textos védicos declaram, eko bahu syam: o Senhor Se expande em infinitos subordinados para a reciprocação amorosa. A Taittiriya Upanishad (2.7.1) explica, raso vai sah: o Supremo é o reservatório de todas as emoções amorosas e divinas. O Srimad-Bhagavatam confirma que a Pessoa Suprema é todo-atrativa e é, portanto, melhor conhecida pelo nome “Krishna”, que significa exatamente “todo-atrativo” em sânscrito. No mundo espiritual, Krishna é o pivô de todos os relacionamentos, e, lá, a alma goza continuamente de êxtases de amor sempre intensificados e sempre em expansão na relação com Ele.

O amor precisa de liberdade: é apenas quando o objeto do amor escolhe livremente reciprocar o amor de alguém que a experiência do amor se torna verdadeiramente satisfatória e preenchedora. A alma, portanto, é possuidora de um livre-arbítrio diminuto para que possa sentir o júbilo de amar a Pessoa Suprema, Krishna. No entanto, quando a alma utiliza mal o seu livre-arbítrio e assume uma postura avessa ao amor de Krishna, ela tem que encontrar um substituto para nele depositar seu amor. É claro, não é possível haver substituto para o Supremo, e, por constituição, a alma não pode encontrar felicidade amando alguém que não seja o Supremo. Todavia, para as almas que insistem em tentar, o mundo de matéria (onde todos nós residimos no momento) provê os arranjos necessários para experimentação e retificação.

O Inimigo Interior

Tão logo a alma vem para o mundo material, seu amor por Krishna se perverte em luxúria. A luxúria é uma força ilusória formidável, a qual oferece vários objetos substitutivos de amor para a alma experimentar. A luxúria cria e perpetua a identificação da alma com o corpo material que lhe é dado. A luxúria causa dentro de todos os seres vivos o impulso esmagador por desfrute sexual grosseiro em específico, bem como todas as formas de desfrute material em geral.

A civilização moderna – com sua mídia, sua cultura, seu ambiente social e valores gerais – agrava a luxúria. As pomessas celuloides de bem-aventurança sexual interminável provocam especialmente fantasias eróticas intensas. Contudo, o desfrute sexual é decepcionantemente breve; sonhos nutridos por anos se vão em instantes. Muito embora o que as pessoas experimentam seja tão pateticamente pequeno em comparação às propagandas, a mídia as chicoteia e as obriga a irem adiante.

28 I (artigo - Superação de Obstáculos) A Tragédia da Autodestruição (2353) (sankirtana) (ta)

Os prazeres pervertidos primeiramente parecem néctar, mas, no fim, são veneno.

O desfrute sexual, em especial o sexo ilícito, é algo complicado, envolvendo tempo, dinheiro, emoções intensas, dinâmicas de relacionamento, prestígio e constrangimento e assim por diante. E o empenho por esse desfrute, mesmo se bem-sucedido de alguma forma, deixa a pessoa se sentindo desapontada, enganada e ansiando por mais. Se malsucedido, cria até mesmo ira. Em ambos os casos, as vítimas logo ficam tão escravas da luxúria que, quanto mais tentam, mais se frustram, apesar do que mais se sentem impelidas a tentar. Por fim, a enorme frustração acumulada torna o alívio imediato uma necessidade desesperadora. Pessoas frustradas facilmente são vitimadas pela sedução do prazer rápido oferecido por intoxicantes.

A luxúria, portanto, é o inimigo interno na raiz de todo comportamento autodestrutivo. O Gita (18.38) descreve vividamente a natureza de todos os prazeres pervertidos: primeiramente, parecem néctar, mas, no fim, são veneno. Em outro lugar, Prabhupada comenta: “Enquanto a pessoa desfruta da gratificação sensorial, pode parecer que há algum sentimento de felicidade, mas, na verdade, esse dito sentimento de felicidade é o maior inimigo do desfrutador dos sentidos”. Por quê? Porque reforça a ilusão de que a verdadeira felicidade pode ser encontrada neste mundo.

A luxúria está presente em todos, em variados graus. Eis porque todos, independente de quão bem-sucedidos materialmente possam ser, têm alguma tendência para o comportamento autodestrutivo. Em geral, as pessoas se preocupam com essas tendências apenas quando excedem limites socialmente aceitos. Na verdade, entretanto, a luxúria suprime em todos a habilidade de contribuírem significativamente com a sociedade e até mesmo com seu próprio futuro; a diferença está apenas na intensidade. Do ponto de vista espiritual, a luxúria é inerentemente autodestrutiva – ela priva a alma da felicidade espiritual ilimitada, que é sua por direito inato, e a força a labutar por sensações de prazeres materiais irrisórios que jamais podem satisfazer seu desejo imortal.

A Única Maneira para Conquistar a Luxúria

A luxúria, sendo uma perversão de nossa natureza original essencial, não pode ser aniquilada, abafada, reprimida ou mesmo sublimada. Contudo, ela é revertida à sua natureza original caso direcionemos nossa propensão amorosa de volta a Krishna por meio do processo científico do serviço devocional. A ação na plataforma espiritual é o que o Senhor Krishna recomenda a Arjuna como a chave para superar a luxúria: “Assim, sabendo-se transcendental aos sentidos, à mente e à inteligência materiais, ó Arjuna de braços poderosos, o sujeito deve estabilizar a mente através de liberada inteligência espiritual [consciência de Krishna] e, deste modo, pela força espiritual, conquistar esse inimigo insaciável conhecido como luxúria”. (Bhagavad-gita 3.43)

28 I (artigo - Superação de Obstáculos) A Tragédia da Autodestruição (2354) (sankirtana) (ta)

O cantar dos santos nomes liberta o sujeito dos desejos egoístas, que impedem o fluxo da plenitude da vida.

A canalização da consciência da matéria de volta para Krishna é mais fácil e efetivamente executada por meio do som divino. A Pessoa Suprema, Krishna, sendo onipotente, está completamente presente em Seus santos nomes. Cantar os santos nomes, portanto, conecta imediatamente a pessoa a Krishna, o princípio supremo de prazer. A meditação regular nos santos nomes permite que o indivíduo experimente a felicidade que desce da dimensão espiritual. Esse prazer espiritual é tão preenchedor que logo liberta a pessoa da ânsia por prazer mundano pervertido, como drogas ilícitas e álcool.

Milhões de pessoas, por todo o mundo, já descobriram a potência purificadora dos santos nomes de Deus. Durante o período da contracultura nos Estados Unidos nas décadas de 1960 e 1970, Srila Prabhupada difundiu o canto congregacional dos santos nomes e salvou milhares de jovens de uma vida condenada ao vício das drogas. Por todo o globo, os devotos da ISKCON que praticam a meditação mântrica todos os dias, entoando por volta de duas horas o maha-mantra – Hare Krishna, Hare Krishna, Krishna Krishna, Hare Hare/ Hare Rama, Hare Rama, Rama Rama, Hare Hare –, conseguem facilmente evitar todas as formas de intoxicação, jogos de azar, consumo de carne e sexo ilícito, as principais atividades autodestrutivas impelidas pela luxúria. A habilidade para abandonar essas quatro atividades não é necessária para se dar início ao cantar, mas, porque obscurecem fortemente a consciência original da alma, abstermo-nos deles acelera o efeito purificador do cantar. Embora muitas pessoas, atualmente, estejam tão cativadas e escravizadas pela luxúria a ponto de considerarem que a vida se torna impossível sem essas atividades, os devotos experimentam uma vida natural, pacífica, prazerosa, cheia de sentido e construtiva, protegidos por sua meditação mântrica.

Os benefícios do cantar não param na liberdade de vícios, tampouco o cantar se destina apenas àqueles vitimados por comportamento autodestrutivo. O cantar dos santos nomes de Deus é um método universal, aprovado pelo crivo do tempo e não sectário para suscitar o desabrochar pleno da consciência em amor puro por Deus e por todas as entidades vivas. O cantar liberta o sujeito dos desejos egoístas, que impedem o fluxo da plenitude da vida. O cantar permite que a pessoa encontre a felicidade contínua, independente do estado do corpo e do mundo externo. Essa prática, então, anuncia uma vida de serviço espiritual imaculado a Deus e a todos os Seus filhos. Somente essa abnegação dentro dos indivíduos pode formar a base de uma paz e de uma harmonia que durem. Srila Prabhupada resume: “Sem o despertar de consciência divina dentro da pessoa, não há utilidade em clamar por paz mundial”.

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2 Respostas

  1. Anônimo

    Belo texto.
    Gratidão por compartilhar!

    7 de fevereiro de 2015 às 2:02 PM

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