Para Onde Vamos quando Morremos?
Bhagavan Dasa
Pedro, 24 anos, nascido e criado em Juiz de Fora, interior de Minas Gerais, caminhava do trabalho para a faculdade ao mesmo tempo em que enviava do celular uma mensagem para a garota que conhecera no bar. Na capital baiana, Dona Lúcia, de 62 anos, aposentada, comentava mentalmente as roupas da novela enquanto aguardava a carne cozinhar na panela: Amanhã comeria seu prato favorito.
O que Pedro e Dona Lúcia não sabiam é que viviam o último dia de suas vidas. Um homem tomou da mão de Pedro seu celular e, apontando-lhe um revólver velho, exigiu-lhe a carteira e a bolsa com o notebook. Pedro entregou tudo, mas ainda assim foi cruelmente baleado. No dia seguinte, o noticiário reportava a morte do jovem, que deixava uma filha de um ano. Dona Lúcia, em seu apartamento de paredes consumidas pelo tempo, sentiu repentinamente sua vista escurecer e se arrastou da sala para o seu quarto com uma forte dor no peito e no pescoço. Deitada, esfregou seu braço esquerdo para tentar se livrar daquele estranho formigamento, mas em vão. O infarto tirou-lhe a vida.
O que É Mais Maravilhoso?
Os estudiosos das escrituras antigas conhecidas como Vedas chamam este mundo de mrityu-loka, “o mundo da morte”, e chamam nosso corpo de sharira, “aquilo que perecerá”, isto como uma maneira de voltar a nossa atenção das atividades gerais que temos neste mundo para as indagações: “O que é esse evento inevitável conhecido como morte? Continuarei a existir após esse fenômeno? Em caso positivo, onde e como existirei?”. Estas são perguntas muito desejáveis, mas infrequentes.
Certa vez, perguntaram a um rei santo o que ele considerava mais maravilhoso entre tudo o que já observara. Sua resposta, registrada na obra Mahabharata, foi: “O que é mais maravilhoso neste mundo é que, embora todos os dias inumeráveis criaturas partam para a morada da morte, as pessoas consideram-se imortais”. Deste modo, poucos serão aqueles a indagarem acerca da morte, e ainda menos serão aqueles a viverem de tal forma que a morte seja um evento glorioso.
Cerca de 5.000 anos atrás, todavia, existiu felizmente um de tais raros homens indagadores. Seu nome foi Arjuna, e ele quis obter respostas acerca da temática da morte quando, em um campo de batalha, anteviu a morte inevitável de seus parentes. Para isso, aceitou Krsna como seu mestre espiritual, ou guru, com quem se esclareceu.
A Alma e Seus Destinos
A primeira instrução de Krsna para Arjuna foi que nós somos distintos do corpo. Depois que o corpo morre, o que certamente acontecerá, nós, a centelha divina, continuamos a viver. A morte, portanto, não existe para a consciência, para a alma, mas apenas para o seu invólucro corpóreo, o qual Krsna compara a uma veste. Quando a morte chega, a alma é obrigada a deixar o corpo, momento no qual assume um novo corpo, como fez durante a vida ao deixar o corpo de bebê e assumir o corpo de infante, ao deixar o corpo de infante e assumir o corpo de adulto e ao deixar o corpo de adulto e assumir o corpo de idoso.
Krishna e Arjuna no diálogo que constitui o Bhagavad-gita.
Todo este fenômeno é deveras interessante, mas independe de termos conhecimento dele ou não. Uma pessoa que saiba isso morrerá e nascerá novamente, e uma pessoa ignorante desse processo se submeterá a ele da mesma forma. Contudo, há um ponto muito importante ensinado por Krsna em seguida: Onde será o nosso próximo nascimento não é algo aleatório, mas produto de nosso estado de consciência ao fim da vida. Assim, este conhecimento da eternidade da alma confere ao seu conhecedor o poder e a responsabilidade de criar para si um futuro pós-morte que lhe seja inteiramente satisfatório mediante o cultivo da consciência, a única propriedade que levamos conosco após a morte.
Análise de Casos
Não sabemos para onde Pedro e Dona Lúcia foram após a morte, haja vista que o estado de consciência de uma pessoa à hora da morte é determinado por vários fatores – um somatório de todos os seus desejos, experiências, sentimentos, palavras, ações. Apenas Deus, situado como a testemunha no coração de todas as entidades vivas, conhece o estado de consciência de toda e cada entidade viva.
Embora não possamos conhecer os destinos de Pedro, Dona Lúcia e de outros, podemos conhecer instrutivamente a história de diferentes personalidades, seu estado de consciência acumulado à hora da morte e o destino que obtiveram, uma vez que tais relatos se encontram em abundância nas escrituras reveladas. A leitura de tais histórias de vida é uma grande escola para sabermos conduzir nossa consciência evitando resultados indesejados e buscando a consciência perfeita. Conheçamos alguns de tais relatos escriturais.
Rupa Kaviraja
No século XVI, viveu um grande erudito das escrituras chamado Rupa Kaviraja. Tão avançado era esse devoto erudito que ele exibia sintomas de êxtase quando palestrava sobre as escrituras sagradas. Um dia, discursava às margens do sagrado lago Radha-kunda sobre tópicos espirituais para um grande público, em meio ao qual se encontrava a devotada Krsna-priya Thakurani, famosa por ser herdeira da govardhana-shila (pedra sagrada) antes adorada pelos afamadíssimos Sri Caitanya Mahaprabhu, Raghunatha Dasa Gosvami e Krsnadas Kaviraja Gosvami.
Govardhana adorada por Sri Caitanya e hoje conservada no Gokulananda Mandir, Índia.
Krsna-priya Thakurani, enquanto ouvia a palestra, sentia grande prazer devido ao assunto ser seu amado Senhor Supremo e, em seu êxtase habitual, cantarolava baixo os santos nomes do Senhor. Irritado com a devota pura, Rupa Kaviraja, devido ao envaidecimento de sua posição como orador, colocou-se a censurar Krsna-priya Thakurani diante de todos. “Será possível fazer duas coisas ao mesmo tempo com atenção?”, perguntou colérico. “Como podes ouvir-me palestrar o Srimad-Bhagavatam ao mesmo tempo em que cantas?”. Envergonhada, Krsna-priya Thakurani tentou explicar com grande humildade como o cantar dos santos nomes fugia-lhe do controle, mas em nada adiantou. Rupa Kaviraja não queria ouvir.
No instante desta ofensa, Rupa Kaviraja perdeu todas as suas qualidades, tornando-se avesso a seu próprio guru. Depois deste evento, colocou-se a ofender muitos outros devotos, até se separar deles em um grupo dissidente, existente até os dias atuais. Ele passou a ensinar uma variação mundana dos ensinamentos puros de Caitanya Mahaprabhu, e criticava qualquer um que se opusesse a ele. Seu próprio guru o rejeitou, mas prosseguiu acumulando seguidores como se nada houvesse acontecido. Paralelamente ao crescimento de seus seguidores, crescia sua aversão aos religiosos verdadeiros e crescia também sua fama autocentrada.
Por fim, morreu leproso, doença esta característica de pessoas que não seguem a religião apropriadamente. Seu estado de consciência na hora da morte, de inveja e ódio, conferiu-lhe o “nascimento” como um fantasma, mais especificamente, um brahmana-raksasa. Todas as vezes em que alguém se colocava a ofender os seguidores de Rupa Gosvami e outros religiosos fidedignos, esse fantasma assombrava o ofensor fazendo-o ofender cada vez mais e se degradar.
Ratnamala
Krsna como o avatara Vamana, o brahmana anão.
Muito tempo atrás, o Senhor Supremo veio a este mundo na forma de um brahmana anão, chamado Vamana, a fim de devolver o controle do universo aos semideuses, as almas altamente piedosas que são os legítimos superintendentes dos diferentes planetas e assuntos cósmicos. Os semideuses, pela má conduta de seu rei, Indra, haviam perdido o controle do universo para Bali, um antagonista. O Senhor Supremo, em tal forma de brahmana anão, atendendo às orações dos semideuses, foi até Bali e pediu-lhe caridade, como é costumeiro aos brahmanas. Pediu-lhe, em Sua baixa estatura, apenas três passos de terra. Bali atendeu ao pedido do anão, que então assumiu uma forma gigantesca o suficiente para cobrir todo o universo com apenas dois passos. Ao ser indagado sobre o terceiro passo que Lhe devia, Bali pediu ao Senhor Supremo, em ato de rendição a Ele, que desse Seu terceiro passo sobre sua cabeça.
Vamana priva Bali Maharaja de toda posse.
Quem assistiu a todos estes eventos foi Ratnamala, irmã mais nova de Bali. No primeiro momento que viu o Senhor Supremo naquela forma anã, Ratnamala, como natural às mulheres, derreteu-se em amor maternal. Contudo, no momento seguinte, vendo Vamana privar seu irmão de todas as suas propriedades, trocou o sentimento materno por ódio. Como acontece com todos, chegou-lhe o dia da morte, e o Senhor Supremo, como a testemunha no coração, deu-lhe um novo nascimento de acordo com seu estado de consciência.
Ratnamala nasceu como uma bruxa infanticida chamada Putana, e foi contemporânea do Senhor Supremo mais uma vez, nesta vida na forma de Krsna. Pouco depois do nascimento de Krsna, quando este ainda era um bebê de colo, Putana foi contratada por um inimigo de Krsna para matá-lO, o que ela aceitou com prazer. Uma vez perto da vila de Krsna, disfarçou-se de uma mulher muito bela e foi até a casa de Krsna. Vendo aquela mulher de aparência divina, ninguém a deteve, em virtude do que pôde ir diretamente ao quarto de Krsna. Putana pegou-O no colo e colocou Sua boquinha de lótus para mamar em seu seio, previamente envenenado.
Krishna libera Putana.
Krsna, porém, em nada Se afetou com seu veneno, senão que bebeu despreocupadamente o unguento venenoso, seu leite e também seu ar vital, matando assim a bruxa. Krsna, por Sua natureza misericordiosa, não considerou o veneno que Putana Lhe ofereceu, mas apenas o leite materno, e assim deu-lhe um nascimento em Seu reino eterno como uma devota que atua na capacidade de mãe. Assim, a mistura de amor e ódio de Ratnamala em sua vida passada acarretou seu nascimento como Putana e, em seguida, um nascimento na eternidade como devota em maternidade ao ser liberta, pela misericórdia de Krsna, do ódio que se misturara ao seu amor.
Yamaraja
No pequeno planeta Plutão, reside Yamaraja, uma alma que, devido ao acúmulo de bom karma, obteve a posição de juiz das almas pecaminosas. Quando uma pessoa de conduta desconectada com a vontade amorosa de Deus encontra-se com a morte, os servos de Yamaraja, conhecidos como yamadutas, levam essa pessoa até Plutão, onde ela é julgada e informada acerca dos sofrimentos aos quais será submetida em expiação a seus atos impróprios.
Yamadutas apresentam almas pecaminosas a Yamaraja.
Yamaraja, apesar do ofício tenebroso, é um grande devoto do Senhor. Enquanto julga os pecadores de acordo com as leis estabelecidas diretamente por Deus, nutre em seu interior o desejo de ser um servo de Deus cada vez melhor. Porém, seu trabalho é praticamente interminável, uma vez que há mais pessoas desvirtuadas do que virtuosas, explica Prabhupada. Assim, ele se perguntava: “Como eu poderia aprimorar meu serviço ocupando-me em pregação, que sei ser algo muito querido a Deus, se não disponho de nenhum tempo?”. Assim desejando, certo dia, um sábio chegou ao seu tribunal. Yamaraja o condenou a sofrer a reação de um único pecado que ele cometera na infância, mas o sábio não se agradou daquilo, considerando a sentença injusta. Enfurecido, amaldiçoou Yamaraja a nascer na Terra.
Na Terra, Yamaraja, agora atendendo pelo nome de Vidura, passou parte de sua vida em meio a facilidades palacianas, e assim continuava envolvido em questões políticas. Por fim, por um desentendimento arranjado por Krsna com um príncipe orgulhoso chamado Duryodhana, Vidura deixou a vida de conselheiro que tinha no palácio desse príncipe e viajou por diversos locais de peregrinação como um pregador, tal como desejara em sua vida como Yamaraja.
Dhruva
Em um passado remoto, viveu um príncipe chamado Dhruva. Seu pai, como costumeiro então, tinha mais de uma esposa, em seu caso duas, e Dhruva era filho da esposa menos querida ao rei. Certo dia, o pequeno príncipe quis sentar-se no trono real, no colo de seu pai, juntamente com seu irmão, mas o rei pouca atenção deu a Dhruva, ciente de que sua esposa favorita não gostaria de vê-lo acomodar o filho de sua outra esposa em seu colo. O garotinho de apenas cinco anos ficou muito enraivecido com aquela rejeição, e, para ampliar sua infelicidade, sua madrasta dirigiu-lhe palavras muito ásperas, dizendo que era indigno por ter nascido de outro ventre.
Dhruva é ofendido por sua madrasta.
Quando viu que seu pai nada disse em sua defesa, Dhruva buscou por sua mãe. Irado com o evento, perguntou à sua mãe como poderia se vingar. Devotada a Deus, sua mãe lhe disse que não deveria desejar mal a outras pessoas, mas respondeu à sua pergunta: “Se Deus ajudar-te, então tu podes te vingar”. “Onde encontro Deus?”. “Bem, muitos sábios e santos vão para a floresta, e lá veem Deus”.
Assim, ele rumou prontamente para a floresta, mas apenas movido por sentimento. Lá, carente de maiores orientações espirituais, perguntou a tigres, elefantes e outros animais se eles eram Deus. Quando Deus viu a sinceridade do garoto em querer encontrá-lO, disse a um guru genuíno: “Narada, vai até ele e inicia-o”. Narada, em obediência, iniciou-o no canto do mantra “om namo bhagavate vasudevaya”. Praticando o canto deste mantra, somado a austeridades, ele finalmente pôde ver Krsna. Tamanha foi a satisfação que obteve com essa visão, que se viu livre de todo desejo material.
Dhruva vê o Senhor Supremo.
Depois desta experiência, voltou para sua família. Tempos mais tarde, ao fim da vida, entretanto, Dhruva preparou-se para o término daquela existência. Adorando a forma eterna do Senhor na forma da Deidade, Dhruva esqueceu-se por completo de seu corpo. Ao se liberar do condicionamento material, um aeroplano enviado pelo Senhor Supremo, com dois de Seus associados eternos, foi buscá-lo. A morte personificada, entretanto, colocou-se no caminho entre Dhruva e o aeroplano. O devoto, entretanto, nada temeu, senão que aproveitou para colocar seu pé sobre a cabeça da morte e assim entrou no aeroplano, que o levou de volta ao Lar, de volta ao Supremo.
Dhruva vai de volta ao Lar, de volta ao Supremo.
O que Faremos?
Depois que Krsna esclareceu a Arjuna a inevitabilidade da morte para quem nasceu, a eternidade da alma, a existência do processo de transmigração, e como a consciência – e as consequentes palavras e ações desta consciência – é o critério para o destino da alma, Krsna disse: “Delibera sobre isto detidamente e, então, faze o que quiseres fazer”.
O que faremos? Como Pedro, caminharemos para a faculdade, felizes com sua promessa de um emprego sem ideologia e novos amigos no bar? Como Dona Lúcia, assistiremos às novas novelas com os velhos roteiros enquanto, na panela, preparamos algo para o nosso desfrute egoísta? Como Rupa Kaviraja, nos deixaremos levar pela inveja, pela crítica e pela intolerância até sermos consumidos por completo ódio? Como Ratnamala, vamos nos descuidar e deixar nosso amor por Deus ser misturado por sentimentos contra Deus e, deste modo, protelaremos o resultado do amor puro por Deus por mais uma vida, ou dez, ou talvez cem ou mesmo mil? Ou, como Yamaraja, tomaremos a decisão madura de diminuirmos viavelmente nosso tempo investido em atividades menos importantes e nos dedicaremos à atividade mais querida a Deus, a divulgação do serviço devocional amoroso, a religião eterna? Ou buscaremos por Deus com grande determinação, purificando-nos de todos os sentimentos diferentes da consciência de Krsna e, à hora da morte, iremos de volta ao lar, de volta ao Supremo? Cabe a nós decidir como desenvolveremos nossa consciência, através do que vemos, ouvimos, com quem andamos, o que lemos, o que ingerimos, o que falamos.
Uma coisa é certa: A morte já nos espreita. E como aconteceu com infinitas pessoas no passado e acontece o tempo todo, ela talvez chegue hoje, embora não queiramos acreditar. Então, para onde você vai quando morrer?
Adquira e receba em casa:
As palavras são belas, mas é preciso ir mais a fundo. Uma pessoa, ego ou persona (máscara do latim) jamais pode se tornar absolutamente pura. O que se “torna puro ou elegível” a voltar a Deus só pode ser o espírito ou atma, esse que nunca pode nascer, morrer ou se poluir com o que os vedas denominam de carma. É um paradoxo, mas é a pura realidade.
1 de novembro de 2012 às 4:18 PM
Prezado Natalino, obrigado por seu comentário.
Indo mais a fundo na etimologia da palavra pessoa, esta vem do sânscrito purusha, e o purusha existe além do conceito de realidade monista e amorfa, como confirma, por exemplo, este verso do Bhagavad-gita:
paraṁ brahma paraṁ dhāma
pavitraṁ paramaṁ bhavān
puruṣaṁ śāśvataṁ divyam
ādi-devam ajaṁ vibhum
Krsna é chamado de “paraṁ brahma”, isto é, aquele que está acima do Brahman, o aspecto impessoal da Verdade Absoluta. E, em seguida, é chamado de puruṣaṁ śāśvataṁ (a pessoa que jamais acaba).
O mesmo se dá com a alma, que tem uma personalidade eterna, porém pura.
O termo máscara é significativo, em todo caso, porque a máscara molda as expressões de um rosto. Quando removemos uma máscara, descobrimos debaixo de uma máscara um rosto, e não outra coisa, não é verdade? Todavia, a máscara é um objeto feito à imagem e semelhança do rosto, porém é inexpressiva e morta. O rosto é como a máscara, porém real, vivo, expressivo e primordial. Assim, esta máscara de personalidade só pode ter esta forma por moldar um rosto com esses traços (o corpo sutil e, então, o atma)
As escolas que categorizamos como impersonalistas, como o budismo e o advaita-vedanta (às vezes separados em niilismo e monista), aceitam que a cessação do karma e dos defeitos se dá mesmo somente com a aniquilação da personalidade. O entendimento do Bhagavad-gita, aprofundado na obra Srimad-Bhagavatam, no entanto, é diferente. Ensina-se que existem cinco tipos de moksa, ou liberação. O primeiro é esse mais famoso, de aniquilação da individualidade (ekatva-mukti ou sayujya-mukti). Os outros quatro, próprios para os devotos de Deus – os budistas e advaita-vedantistas não cultivam devoção eterna, mas apenas uma devoção como meio, ou mesmo nenhuma devoção – podem se liberar assumindo seu atma, ou eu puro, mas preservando sua individualidade para um relacionamento amoroso eterno com Deus. Essas quatro liberações personalistas são: salokya-mukti (residir no mesmo planeta que o Senhor), sarupya-mukti (ter a mesma forma que o Senhor), sarsti (ter as mesmas opulências que o Senhor) e samipya (ser um associado eterno do Senhor).
É claro que respeitamos as opiniões diferentes. Trago apenas para o conhecimento do senhor de que o nosso entendimento é que os devotos puros que se reúnem com Deus, como fez Dhruva, não o fazem com um corpo grosseiro ou sutil, mas com o atma puro, e, no nosso entendimento, o atma puro pode tanto se fundir em Deus como manter sua individualidade e tornar-se uno com Deus apenas no amor puro de um relacionamento perfeito.
2 de novembro de 2012 às 9:51 AM
Muito linda esta história de Krisna, Eu Sou, minha gratidão por tudo que me permite ser e compreender. Grata pelo ensinamento.
1 de novembro de 2012 às 9:49 PM
Sob a ótica védica, qual é a diferença entre alma e espirito? Ou os dois são a mesma coisa?
2 de novembro de 2012 às 2:46 PM
Prezado Katwanga Dasa, Hare Krsna!
Na cultura védica, até onde entendo, não existe essa distinção. Os constituintes da realidade, ou tattvas, são apenas 1) Isvara, 2) Jiva e 3) Prakrti, isto é 1) Deus, 2) o que Prabhupada traduzia por spirit soul (que no Brasil se traduz por alma espiritual) e 3) mundo material. Note como Prabhupada funde alma e espírito em sua tradução de spirit soul, o que acontece parcialmente na tradução brasileira “alma espiritual”, que, literalmente, seria “alma/espírito”.
Algumas vezes, ouvi cristãos dizerem que o homem possui alma e espírito e os animais possuem apenas alma. Semelhante conceituação é o que Krsna chama de compreensão no modo da paixão, pois julga que quem habita diferentes corpos é diferente, e não apenas os corpos são diferentes e alma/espírito é uma categoria sem subcategorias.
“Você deve compreender que está no modo da bondade aquele conhecimento com o qual se percebe uma só natureza espiritual indivisa em todas as entidades vivas, embora elas se apresentem sob inúmeras formas. O conhecimento com o qual se vê que em cada corpo diferente há um tipo diferente de entidade viva, você deve entender que está no modo da paixão. E o conhecimento pelo qual alguém se apega a um tipo específico de trabalho como se fosse tudo o que existe, sem conhecimento da verdade, e que é muito escasso, diz-se que está no modo da ignorância”. (Bhagavad-gita 18.20-22)
Enfim, Krsna apresenta que o entendimento mais elevado de jiva, alma/espírito, é entender que só existe uma categoria entre Deus e a matéria, que é a jiva, ou atma, e ela passa por todos os corpos. Ela está entre Deus e a matéria porque pode escolher se envolver com a matéria ou estar conectada com Deus. Ela não é Deus porque Deus jamais se envolve com a matéria, e ela não é prakrti porque tem consciência. Não existe outro tattva senão esses três.
Em seguida, a compreensão mais abaixo, segundo os versos supracitados do Bhagavad-gita, é que existe Deus e a matéria e vários tipos de jivas segundo os corpos, o que aparece em diferentes teologias cristãs atuais, que distinguem entre alma humana e alma animal ou mesmo entre alma humana, alma animal e alma vegetal. Em teologias cristãs mais antigas, também se distinguia entre homem branco, mulher, índio, negro etc., o que também se enquadra no conceito de modo da paixão de Krsna. A paixão é caracterizada pelo desejo de explorar, e só nos é possível explorarmos alguém sem culpa se o reduzirmos mentalmente a uma categoria fora da nossa, pois, se ele for igual a mim, explorá-lo significa dizer que ele pode me explorar de volta.
Mais abaixo, no modo da ignorância, estão aqueles que vivem como animais, apenas para trabalhar e apenas preocupado em conhecimentos técnicos – como arrumar o chuveiro, como como abater o gado, como asfaltar a rua… Eles não entram nesse tipo de discussão.
Seu servo,
Bhagavan Dasa
2 de novembro de 2012 às 5:13 PM