Das Soluções Químicas à Solução Última

Lokanatha Swami

Nasci em Aravade, uma pequena vila no estado indiano de Maharashtra que em muito pouco se difere das mais de setecentas mil outras em toda a Índia. Depois que concluí o ensino médio, minha família enviou-me para Bombaim de modo a cursar Química na faculdade. Mas minha carreira acadêmica não aconteceria…

No ano de 1971, no fim de março, algo aconteceu e me impediu de seguir o programa que minha família havia tão cuidadosamente traçado para mim. Pela primeira vez, Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada estava excursionando pela Índia com seus discípulos estrangeiros. Eles haviam chegado a Bombaim pouco antes de mim, e agora realizariam um festival espiritual em um pandal (enorme tenda) na Cross Maidan.

Os devotos divulgaram o programa muito amplamente, em jornais e outdoors. Nas propagandas, os discípulos de Srila Prabhupada eram descritos como sadhus (devotos santos) americanos, canadenses, europeus, africanos e japoneses. Isso era sem precedentes. Antes, quando quer que a palavra sadhu fosse associada a alguém, pressupunha-se que o indivíduo era indiano. Não havia qualquer outra possibilidade. Aquelas propagandas, entretanto, estavam falando de sadhus do mundo inteiro. Aquilo era uma grande novidade para qualquer morador de Bombaim, e fascinou especialmente minha pessoa.

Intrigado, fui ao Festival Hare Krsna, que havia sido muito bem organizado. Os sadhus Hare Krsna eram a maior atração para mim. Apreciei seu canto, sua dança, seu caminhar e sua fala. Com efeito, gostei de tudo neles, e compareci ao evento praticamente todas as noites. Eu apenas assistia e ouvia. Embora eu soubesse inglês, eu não era fluente, e falar com estrangeiros era difícil demais para mim. Comprei algumas revistas e alguns livretos com o pouco dinheiro que eu tinha.

Srila Prabhupada palestrou todas as noites. Ele discutiu muitos tópicos referentes à consciência de Krsna e estabeleceu muitos pontos. Contudo, o ponto que teve maior impacto em mim, e que me atraiu a ele e à sua sociedade mais do que qualquer outra coisa, foi o simples ponto de que, se você serve Krsna, a Suprema Personalidade de Deus, você serve simultaneamente tudo e todos. Srila Prabhupada apresentou a analogia do que acontece quando alguém rega uma árvore. Simplesmente por aguar a raiz da árvore, automaticamente se fornece água a todas as folhas, ramos, frutas e flores da árvore.

Srila Prabhupada simplificara o meu trabalho. “Aqui está a minha chance”, pensei. Eu sempre desejara servir outros, em virtude do que, em diferentes momentos de minha vida, cogitei tornar-me um engenheiro, um médico ou um advogado. Quando quer que eu pensasse em meu futuro, eu pensava em como eu poderia servir as pessoas. Contudo, embora ao longo de todos aqueles anos eu houvesse sempre pensado em servir, eu não sabia por onde começar, e eu praticamente não tinha quaisquer recursos à minha disposição. Naquele momento, no entanto, Srila Prabhupada desobstruiu meu caminho mostrando-me o fácil atalho de servir toda a criação pelo simples meio de servir o Senhor, a fonte de tudo o que existe. Aquela ideia teve grande apelo sobre mim.

Como programado, o Festival Hare Krsna terminou após onze dias, e tudo voltou ao normal.

Continuei indo à faculdade em Bombaim. Eu dividia um quarto com algumas pessoas de minha vila, a quem minha família havia pedido que me vigiassem. Certa vez, muitos anos antes, eu havia abandonado meus estudos e me juntado a um asrama em uma cidadezinha perto de minha vila. Eu quase me estabelecera no asrama, mas a invisível e misericordiosa mão do Senhor levou-me de volta de forma que eu pudesse, em vez de me juntar àquele asrama, juntar-me a Srila Prabhupada.

Depois deste incidente, minha família previu que, em algum lugar e em algum momento, eu iria embora, daí terem pedido aos nossos conterrâneos que tomassem conta de mim. Mas como poderiam me vigiar? Fui ao evento Hare Krsna praticamente todas as noites, e ninguém notou isso. Eu mantinha revistas e livretos Hare Krsna dentro de meus grandes e espessos livros de química e lia-os por horas. Meus colegas de quarto se maravilhavam em relação a quão seriamente eu estava estudando química. Eles não foram capazes de descobrir que, em vez de estar absorto na análise de soluções químicas, eu estava investigando a solução última de todos os problemas da vida.

Quando quer que meus colegas de quarto saíssem, eu trancava a porta e, com meus braços erguidos, cantava Hare Krsna e dançava até minha plena satisfação. Tendo visto os devotos cantarem e dançarem no palco do festival, eu tentava imitá-los. Assim, escondido, eu estava seguindo o processo da consciência de Krsna: cantando, dançando e lendo vezes e mais vezes os pequenos textos que eu tinha.

Eu sabia que os devotos Hare Krsna estavam vivendo em algum lugar em Bombaim, mas, depois do evento, seu pequeno grupo fundiu-se na grande cidade, e fiquei privado de sua companhia.

Um ano se passou.

Então, em março de 1972, a ISKCON organizou outro festival, desta vez na praia de Juhu. Durante o curso do ano, os devotos haviam comprado uma terra em Juhu, e o evento aconteceria na propriedade. Mais uma vez, propagandas apareceram nos jornais e em outras mídias, e a notícia do festival chegou a mim através da misericórdia sem causa do Senhor. Eu estava aguardando por essa notícia e fiquei extremamente feliz ao recebê-la.

Naturalmente, compareci aos programas. Eu ia muito antes de começarem, pegava livros emprestados e lia. Durante o canto, eu participava completamente entregue. Os devotos estrangeiros, trajando dhotis e kurtas indianos, e os estudantes indianos, vestindo calças e camisas importadas, dançavam juntos.

Ocasionalmente, durante a prasada, quando acontecia de eu estar próximo ao portão, os devotos convidavam-me a entrar e comer prasada com eles. Eu estava ávido por observar a vida deles de perto, então eu aproveitava tais oportunidades e me juntava a eles. Eles eram todos devotos maravilhosos. Além disso, eram todos estrangeiros, o que me deixava realmente impressionado.

Alguns dias depois do término do festival em Juhu, sentei e escrevi um requerimento para me tornar membro da ISKCON (a Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna). Eu havia decidido me juntar aos devotos, e, para entrar em qualquer organização, eu pensei, é preciso preencher um requerimento. Dirigi meu requerimento ao presidente da ISKCON Bombaim. Eu escrevi que concordava em seguir os quatro princípios reguladores – não consumo de carne, não intoxicação, não sexo ilícito e não jogos de azar. Também declarei que gostava de seus kirtanas extáticos e sua suntuosa prasada. (Eu havia pegado esses termos de seus folhetos publicitários). Eu fui a um serviço de datilografia e solicitei que o requerimento fosse datilografado. A ISKCON era uma sociedade internacional, logo pensei que tudo tinha de ser formalizado e feito impecavelmente.

Então, fui ao asrama Hare Krsna em Juhu e perguntei quem era o presidente. Era difícil conseguir vê-lo. Seu nome era Giriraja Dasa. Ele leu meu documento, aceitou-me de pronto e me abraçou. Não apenas isso, mas me deu boas-vindas, conduziu-me para o interior das acomodações e me apresentou a todos os internos do asrama como um novo devoto.

Eu rapidamente me adequei ao meu novo estilo de vida. Eu tinha uma nova casa, um novo uniforme, novos colegas, um novo programa – quase tudo era novo para mim. Entretanto, eu imediatamente aderi a tudo aquilo e gostei. Embora os devotos fossem estrangeiros em sua maioria, sentia-me completamente em casa. Eu estava disposto a tornar aquilo o compromisso de minha vida.

Uma semana passou rapidamente. Então, meu irmão mais velho chegou ao templo com um de meus velhos colegas de quarto. Entre uma das coisas que eu havia deixado para trás em meu quarto, estava um panfleto com o endereço do centro Hare Krsna de Juhu escrito nele. Foi assim que me encontraram. Não foi grande surpresa para eles eu ter-me juntado aos devotos. Esperavam, já há algum tempo, por algo do tipo, e, naquele momento, tudo o que temiam se tornara realidade.

Meu irmão queria que eu visitasse minha família, especialmente por causa de minha mãe. Se eu não fosse vê-la, ela talvez morresse, ele disse. Mas ele me garantiu que minha família não tinha objeções em relação a eu retornar após a visita. Eu sempre respeitei meu irmão, e ali estava ele praticamente me implorando para voltar para casa, dizendo que era uma questão de vida ou morte para minha afetuosa mãe e que eu poderia retornar para o asrama em breve. Por fim, pedi permissão a Giriraja e parti vestindo meu novo uniforme de dhoti e kurta.

Quando cheguei à minha vila, as pessoas começaram a dizer que, embora eu costumasse ser um bom garoto, agora havia algo errado comigo. A diferença era que eu estava usando dhoti e kurta, cantando Hare Krsna e evitando a companhia de não-devotos. Os moradores dali consideravam tudo isso estranho e anormal.

Meu pai me pediu que não usasse minhas novas vestes nem tilaka, muito embora usasse roupas similares às minhas e, eventualmente, usasse tilaka. Ele era devoto do Senhor Vitthala, uma forma do Senhor Visnu, ou Krsna, e devotos do Senhor Vitthala aplicam tilaka de uma maneira similar àquela dos devotos Hare Krsna. Em ocasiões especiais, meu pai usava tilaka, mas ele não queria que eu o imitasse, pois estava preocupado quanto ao que as pessoas pensariam. (Se esta é a reação dos pais na Índia, é-me difícil imaginar como reagem os pais dos devotos em outros países.)

Assim, meus pais tentaram tudo o que estava a seu alcance para me dissuadir de voltar para os devotos Hare Krsna. Eles procuraram até mesmo por astrólogos para encontrarem uma maneira de me “curar” ou para saberem por quanto tempo eu continuaria vivendo aquele “estranho estilo de vida”. Eles estavam realmente preocupados.

Mais de uma semana havia se passado, apesar do que nenhum plano fora feito para o meu retorno, conforme o acordo original entre eu e meu irmão. Meus pais sempre diziam que algum outro parente estava para vir me ver e que seria inapropriado eu partir sem me encontrar com esse parente. Minha família planejara alistar meus parentes como agentes responsáveis por, de um modo ou outro, conversarem comigo para que eu deixasse de lado aquele “negócio de sadhu”. Meus pais tentaram de tudo, mas minha mente estava fixa em retornar para os devotos.

Um dia, vi minha irmã derramando lágrimas. Quando alguém lhe perguntou o que havia de errado, ela respondeu: “Veja só como, em nossa casa, todos os outros rapazes estão alegremente jogando cartas, mas meu irmão Raghunatha não está sentado com eles”. Eis a causa de suas lágrimas. Ela estava triste por eu não estar jogando cartas com os demais rapazes, mas sim ocupado cantando os santos nomes de Deus em minhas contas.

Quando minha família se deu conta de que eu não abandonaria a vida que eu havia adotado, propuseram-me que eu poderia continuar com a vida de um sadhu, mas que eu deveria fazê-lo em nossa vila. Eles prometeram construir um pequeno templo a fim de que eu pudesse realizar minhas práticas devocionais ali. Contudo, rejeitei essa ideia também, porque eu queria a companhia dos devotos. Não há possibilidade de vida espiritual sem a companhia apropriada, sem a companhia dos devotos que estão praticando a consciência de Krsna em tempo integral. Eu não queria ser simplesmente mais um sadhu farsante. A Índia já estava absolutamente apinhada de tais sadhus, que eram um grande fardo. Eu queria me ocupar a serviço de Krsna no movimento Hare Krsna. Srila Prabhupada já desbravara o meu caminho. Ele me dera a missão de minha vida, e eu estava completamente satisfeito com aquilo, e para sempre.

Eu havia dado meu coração a Srila Prabhupada e ao Senhor Krsna. Então, por fim, minha família aceitou o inevitável. Retornei a Bombaim após cerca de um mês e me estabeleci novamente no asrama. Uma vez que eu havia permanecido em minha vila por bastante tempo, eu não estava certo em relação a como Giriraja e os outros devotos reagiriam ante o meu retorno. Quando me viram, entretanto, fiquei surpreso ao ser absolutamente bem-vindo, tal como antes – e eles estavam surpresos em me ver de volta em seu meio. Sua experiência era que muitos devotos indianos vinham e iam, prometendo que logo retornariam, mas praticamente nenhum retornava. Eles ficaram surpresos e contentes vendo-me realmente voltar. Pela misericórdia imotivada de meu mestre espiritual, Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada, e do Senhor Sri Krsna, a Suprema Personalidade de Deus, meu retorno fora possível.

Pós-escrito

Embora possa parecer que minha adesão à ISKCON tenha desestruturado a vida de minha família e causado perturbação em minha pequena vila, esses efeitos negativos foram apenas temporários. Ao longo dos anos depois de que me juntei à ISKCON, eu e muitos outros devotos visitamos frequentemente Aravade e ensinamos os princípios da consciência de Krsna, e agora minha família e toda a minha vila aceitam a ISKCON como um movimento religioso genuíno. Temos sete devotos em tempo integral de lá, minha irmã matriculou seu filho na escola gurukula da ISKCON Vrndavana e, sempre que me encontro com meu pai, ele me pede por tilaka e orgulhosamente decora sua testa. Ademais, minha família e muitos outros parentes em Aravade cantam regularmente Hare Krsna em suas contas. Enfim, toda a minha vila ama o movimento Hare Krsna, e não há desestrutura de nenhuma sorte.

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2 Respostas

  1. Yaduvamsa

    Minhas reverências a Lokanatha Swami. Meu pai (Yaduvamsa) me conta como se tornou devoto. Ele diz que foi a melhor coisa que aconteceu na vida dele. Eu sou Vaishnava desde que nasci, então fico imaginando como deve ser o encontro com os devotos, com Prabhupada, com Krishna. As realizações que ele teve ele diz que foi muito místico. Quando você se torna Consciente de Krishna, você começa a ver as coisas como elas realmente são. Jay Srila Prabhupada ki jay!

    6 de outubro de 2012 às 7:21 PM

  2. Maria Georgina Luconi

    Hare Krsna!!! Sou uma devota pura do Senhor Hari, que vive só e sem devotos por perto, porque tenho 63 anos, e 10 anos atrás me entreguei a Krsna totalmente, mas ninguém compreendeu e todos me abandonaram. Onde moro não tem Ashram, e nem devoto algum. Sou totalmente sem ajuda de devotos. Eles nunca se interessaram por mim e eu sempre desejei ter a companhia de ao menos UM que fosse!!! Me ajudem por favor! Acho que é a era de Kali que fez isso comigo. JAY RADHE!!!

    3 de março de 2013 às 5:00 PM

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