Matsya, o Peixe Avatar

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Shukadeva Gosvami
(Excerto do capítulo vinte e quatro do oitavo capítulo do Srimad-Bhagavatam)

Narrativas de um grande dilúvio são comuns em muitas tradições religiosas do mundo antigo. Conheça a história do peixe avatar, possivelmente a história mais antiga da humanidade dentro da intrigante temática.

Com o propósito de proteger as vacas, os brahmanas, os semideuses, os devotos, a literatura védica, os princípios religiosos e os princípios que servem para satisfazer o objetivo da vida, a Suprema Personalidade de Deus aceita as diversas formas de encarnações. Como o ar que passa por diferentes espécies de atmosfera, a Suprema Personalidade de Deus, embora aparecendo às vezes como um ser humano e outras vezes como um simples animal, sempre é transcendental. Porque Ele está acima dos modos da natureza material, Ele não é afetado pelas formas superiores ou inferiores.

No final do milênio passado, no fim do dia de Brahma, porque o Senhor Brahma dorme à noite, ocorreu a aniquilação, e os três mundos foram cobertos pela água do oceano. Durante o cakshusha-manvantara, havia um grande rei chamado Satyavrata que era um grandioso devoto da Suprema Personalidade de Deus. Satyavrata realizou austeridades através das quais ele subsistia apenas de água.

Certo dia, quando o rei Satyavrata realizava austeridades, oferecendo água nas margens do rio Kritamala, um peixinho apareceu na água que estava nas palmas de suas mãos. Satyavrata, o rei de Dravidadesha, atirou na água do rio o peixe, juntamente com a água na palma de sua mão. Com uma voz suplicante, o pobre peixinho disse ao rei Satyavrata, que era muito misericordioso: “Meu querido rei, protetor dos pobres, por que estás me atirando na água do rio, onde existem outros seres aquáticos que podem me matar? Tenho muito medo deles”.

Lord Matsya, the Fish Incarnation

O rei Satyavrata com Matsya em mãos.

Para satisfazer-se, o rei Satyavrata, desconhecendo que o peixe era a Suprema Personalidade de Deus, decidiu com muito prazer dar proteção ao peixe. O misericordioso rei, sensibilizado com as palavras lamentosas do peixe, colocou o mesmo numa jarra de água e levou-O para a sua residência pessoal. Porém, passada uma única noite, aquele peixe cresceu tanto que não podia mover-Se confortavelmente na água da jarra. Então, Ele dirigiu ao rei as seguintes palavras: “Ó Meu querido rei, não gosto de viver nesta jarra de água, submetido a tanta dificuldade. Portanto, por favor, providencia-Me algum reservatório de água mais amplo, onde Eu possa viver confortavelmente”.

Então, tirando o peixe da jarra de água, o rei atirou-O num grande poço. Porém, dentro de um momento, o peixe atingiu um metro e quarenta centímetros de comprimento. O peixe então disse: “Meu querido rei, neste reservatório de água, não consigo obter uma residência satisfatória. Por favor, dá-Me um volume de água mais extenso, pois Me refugiei em ti”.

O rei tirou o peixe do poço e atirou-O num lago, mas o peixe assumiu então uma forma tão gigantesca que excedia a extensão da água. Então, o peixe disse: “Ó rei, sou um enorme ser aquático, e esta água não Me é nada conveniente. Agora, por favor, descobre algum modo de salvar-Me. Seria melhor colocar-Me na água de um lago cuja capacidade nunca diminuísse”.

Sendo assim solicitado, o rei Satyavrata levou o peixe para o maior reservatório de água que conhecia. Porém, quando esse também se mostrou insuficiente, o rei acabou atirando o gigantesco peixe no oceano. O peixe disse ao rei Satyavrata: “Ó herói, nesta água existem poderosíssimos e perigosos tubarões, que Me comerão. Portanto, não deves atirar-Me neste lugar”.

Após ouvir essas doces palavras proferidas pela Suprema Personalidade de Deus que ali estava sob a forma de peixe, o rei, confuso, perguntou-Lhe: “Quem sois, Senhor? Tudo o que fazeis é me confundir. Meu Senhor, no espaço de um dia, Vos expandistes por centenas de quilômetros, cobrindo a água dos rios e do oceano. Antes disso, eu jamais havia visto semelhante animal aquático e tampouco alguém me mencionara a existência de algum igual a este. Meu Senhor, sois decerto a inexaurível Suprema Personalidade de Deus, Narayana, Sri Hari. Foi para mostrar Vossa misericórdia para com as entidades vivas que agora assumistes a forma de um ser aquático. Ó meu Senhor, mestre da criação, manutenção e aniquilação, ó maior dos desfrutadores, Senhor Vishnu, sois o líder e o destino dos devotos rendidos como nós. Portanto, permiti que Vos ofereça minhas respeitosas reverências. Todos os Vossos passatempos e encarnações decerto manifestam-se para o bem-estar de todas as entidades vivas. Portanto, meu Senhor, gostaria de saber o propósito pelo qual assumistes a forma de um peixe. Ó meu Senhor de olhos de lótus, adorar os semideuses, que estão no conceito de vida corpórea, é infrutífero em todos os aspectos. Porém, como sois o amigo supremo e a queridíssima Superalma de todos, a adoração aos Vossos pés de lótus nunca é inútil. Portanto, manifestastes Vossa forma de peixe”.
Vaivasvata Manu Worships Lord Matsya

Satyavrata oferece orações a Matsya.

Quando o rei Satyavrata falou essas palavras, a Suprema Personalidade de Deus, que, no final do yuga, assumira a forma de peixe para o benefício do Seu devoto e para desfrutar de Seus passatempos na água da inundação, respondeu da seguinte maneira: “Ó rei, ó tu que podes subjugar teus inimigos, no sétimo dia a partir de hoje, todos os três mundos — Bhuh, Bhuvah e Svah — imergirão na água da inundação. Quando todos os três mundos imergirem na água, uma grande arca enviada por Mim aparecerá diante de ti. Depois, ó rei, juntarás toda espécie de ervas e sementes e as acomodarás naquela grande arca. Em seguida, acompanhado dos sete rishis e cercado por toda classe de entidades vivas, subirás naquela arca e, sem melancolia, facilmente singrarás com os teus companheiros o oceano da inundação, e a única iluminação será a refulgência dos grandes rishis. Então, quando a arca for açoitada pelos poderosos ventos, deverás prender a nau a Meu chifre, utilizando-te da grande serpente Vasuki, pois estarei presente ao teu lado. Puxando a arca, no qual tu estarás com todos os rishis, ó rei, viajarei pela água da devastação até que a noite do sono do Senhor Brahma termine. Serás completamente orientado e favorecido por Mim, e, devido às tuas perguntas, tudo sobre Minhas glórias, que são conhecidas como param brahma, manifestar-se-á dentro do teu coração. Assim, conhecerás tudo acerca de Mim”.

Depois de assim instruir o rei, a Suprema Personalidade de Deus desapareceu. Então, o rei Satyavrata ficou esperando pelo momento do qual o Senhor havia falado. Após espalhar grama kusha com suas pontas voltadas para o leste, o rei santo, voltando-se para o nordeste, sentou-se sobre a grama e começou a meditar na Suprema Personalidade de Deus, Vishnu, que assumira a forma de peixe. Em seguida, gigantescas nuvens, derramando águas incessantes, abarrotaram o oceano cada vez mais. Assim, o oceano começou a transbordar para a terra e a inundar o mundo inteiro. De acordo com a ordem da Suprema Personalidade de Deus, Satyavrata viu uma arca aproximando-se dele. Assim, ele coletou ervas e trepadeiras e, acompanhado de brahmanas santos, embarcou.

Os brahmanas santos, estando satisfeitos com o rei, disseram-lhe: “Ó rei, por favor, medita na Suprema Personalidade de Deus, Keshava. Ele nos salvará deste perigo iminente e cuidará do nosso bem-estar”.

Então, enquanto o rei constantemente meditava na Suprema Personalidade de Deus, um enorme peixe dourado apareceu no oceano da inundação. O peixe tinha um chifre e media quase treze milhões de quilômetros de comprimento. Seguindo as instruções anteriormente dadas pela Suprema Personalidade de Deus, o rei prendeu a arca ao chifre do peixe, usando a serpente Vasuki como corda. Ficando então satisfeito, começou a oferecer orações ao Senhor:

“Pela graça do Senhor, aqueles que, desde tempos imemoriais, perderam o conhecimento referente ao eu, e que, devido a essa ignorância, estão envolvidos numa vida material condicionada e cheia de misérias, obtêm a oportunidade de encontrar um devoto do Senhor. Aceito essa Suprema Personalidade de Deus como o mestre espiritual supremo. Na esperança de tornar-se feliz neste mundo material, a alma condicionada tola realiza atividades fruitivas que resultam apenas em sofrimento. Porém, prestando serviço à Suprema Personalidade de Deus, a pessoa livra-se desses desejos de obter felicidade falsa. Que meu mestre espiritual corte do âmago do meu coração o nó dos falsos desejos. Aquele que deseja livrar-se do enredamento material deve adotar o serviço à Suprema Personalidade de Deus e abandonar a contaminação da ignorância, relacionada com atividades piedosas ou ímpias. Assim, pode-se recuperar a identidade original, do mesmo modo que uma barra de ouro ou prata expele toda a sujeira e purifica-se quando é submetida ao fogo. Que essa inexaurível Suprema Personalidade de Deus torne-Se nosso mestre espiritual, pois Ele é o mestre espiritual original de todos os outros mestres espirituais. Nem mesmo todos os semideuses, nem os ditos gurus, nem mesmo todas as outras pessoas, isoladas ou coletivamente, podem oferecer sequer um décimo de milésimo de Vossa misericórdia. Portanto, desejo refugiar-me em Vossos pés de lótus”.

Continuou: “Assim como um cego, incapaz de ver, aceita outro cego como seu líder, as pessoas que não conhecem a meta da vida aceitam como guru alguém sem caráter ou tolo. Nós, porém, estamos interessados em autorrealização, daí aceitarmos a Vós, ó Suprema Personalidade de Deus, como nosso mestre espiritual, porque sois capaz de ver em todas as direções e sois onisciente como o Sol. Um guru farsante e materialista ensina os seus discípulos materialistas sobre o desenvolvimento econômico e o gozo dos sentidos, e, devido a essas instruções, os discípulos tolos e ignorantes continuam na existência material. Vossa Onipotência, porém, dá conhecimento eterno, e a pessoa inteligente que recebe esse conhecimento situa-se com muita rapidez em sua posição constitucional original. Meu Senhor, sois o benquerente e amigo supremo de todos, o mais querido amigo, o controlador, a Superalma, o instrutor supremo e o outorgador de conhecimento supremo e da concretização de todos os desejos. Porém, embora estejais dentro do coração, o tolo, devido aos desejos luxuriosos em seu coração, não pode entender-Vos. Ó Senhor Supremo, em busca de autorrealização, rendo-me a Vós, que sois adorado pelos semideuses como o controlador supremo de tudo. Através de Vossas instruções, que expõem o propósito da vida, por favor, cortai o nó do âmago do meu coração e deixai-me conhecer o destino da minha vida”.

Matsya, The Fish Incarnation

Matsya conduzindo a arca pelo oceano da devastação.

Quando Satyavrata apresentou essas orações à Suprema Personalidade de Deus, que assumira a forma de peixe, o Senhor, enquanto Se movia na água da inundação, explicou-lhe a Verdade Absoluta. A Suprema Personalidade de Deus explicou então ao rei Satyavrata a ciência espiritual conhecida como sankhya-yoga, a ciência pela qual a pessoa distingue entre matéria e espírito, juntamente com as instruções contidas nos Puranas e nas Samhitas. O Senhor transmitiu os ensinamentos referentes a Ele mesmo, e que constam em todos esses textos. Enquanto permanecia sentado na arca, o rei Satyavrata, acompanhado pelas grandiosas pessoas santas, ouvia as instruções da Suprema Personalidade de Deus referentes à autorrealização. Essas instruções eram todas procedentes da eterna literatura védica. Assim, o rei e os sábios não tinham dúvida alguma quanto à Verdade Absoluta.

No final da última inundação, durante o período de Svayambhuva Manu, a Suprema Personalidade de Deus matou o demônio Hayagriva e entregou todos os textos védicos ao Senhor Brahma quando este despertou do seu sono. Pela misericórdia do Senhor Vishnu, o rei Satyavrata foi iluminado com todo o conhecimento védico, e, neste período atual, ele acaba de nascer como Vaivasvata Manu, o filho do deus do Sol.

Esta história referente ao grande rei Satyavrata e à encarnação na qual a Suprema Personalidade de Deus, Vishnu, aparece sob a forma de peixe é uma notável narração transcendental. Todo aquele que a ouça liberta-se das reações da vida pecaminosa. Aquele que narra esta descrição da encarnação Matsya e do rei Satyavrata decerto terá satisfeitas todas as suas ambições e, sem dúvida alguma, retornará ao lar, retornará ao Supremo.

Ofereço minhas respeitosas reverências à Suprema Personalidade de Deus, que Se fez passar por um peixe gigantesco, que recuperou a literatura védica e entregou-a ao Senhor Brahma quando este despertava de seu sono, e que explicou a essência da literatura védica ao rei Satyavrata e às grandes pessoas santas.

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7 Respostas

  1. Marcelo

    Texto maravilhoso e muito elucidativo. Acredito que essa narrativa tenha inspirado outros segmentos filosóficos e religiosos.

    8 de maio de 2014 às 8:25 PM

    • Orlando

      Tens razão Marcelo, a questão e a importância da oralidade é demonstrada como princípio para uma vida feliz e plena, tão diferente dos dias atuais onde a informação é transmitida em milhões de notícias sem nenhuma qualidade ética ou benéfica. Realmente essa narrativa é gloriosa e passada através de gerações e gerações de almas aprendizes da misericórdia e amor divino.

      3 de janeiro de 2016 às 12:50 AM

  2. Paulo Cesar Duarte da Silva

    HARE kRISHNA! SÓ UMA DUVIDA : HAYAGRIVA FOI UMA ENCARNAÇÃO DE KRISHNA OU UM DEMONIO?

    15 de janeiro de 2017 às 3:41 PM

    • Orlando Rangel

      Segundo os textos védicos, Hayagriva significa pescoço de cavalo e houve vários personagens com o mesmo nome, entre eles uma Avatar de Visnhu que trouxe de volta os Vedas dos asuras Madhu e Kaitabha que os roubaram, durante a batalha mítica entre o bem e o mal – uma batalha descrita no Mahabharata, Outro Hayagriva se refere a um demônio que roubou os Vedas e foi morto por Vishnu em seu avatar Matsya (peixe), uma história apresentada no Bhagavata Purana.Entre outros…

      31 de dezembro de 2021 às 1:52 PM

  3. Hipatia

    Boa Tarde! Poderia me passar a referencia do mito? de onde foi tirado

    17 de novembro de 2017 às 1:03 PM

    • Joao Silva

      Foi retirado do Srimad Bhagavatam , Texto vedico do induismo

      20 de outubro de 2020 às 7:48 PM

  4. Regina

    Me ajudem!!
    As atitudes de manu ao longo de toda a narrativa revelam uma preucupaçao individual ou com bem comum?explique

    16 de abril de 2020 às 2:13 PM

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