Chant and Be Happy: A História do Álbum
por Eliton Tomasi
Esse álbum não é apenas o reflexo de um movimento [Hare Krishna] ou da orientação espiritual de George Harrison. Esse álbum representa toda uma época. Uma época em que o rock tinha um significado maior do que ser apenas um produto de consumo. Uma época em que as pessoas que apreciavam rock também clamavam por paz e amor. Muita coisa mudou desde então, porém, outras são imutáveis.
Lançado em abril de 1970 pela própria Apple Records [gravadora dos Beatles] e produzido por George Harrison, Radha Krishna Temple era um álbum que trazia canções devocionais vaishnavas [cantadas por devotos de Krishna] com o próprio Harrison tocando guitarra, baixo e harmônio. Os demais músicos que o acompanham são os próprios devotos de Krishna do Radha Krishna Temple de Londres: Tamal Krishna Goswami na flauta, e Harivilas Oud, Yamuna, Jivananda, Lilavati e Yogesvara nos vocais, mrdanga e karatalas.
Depois de ter tocado sitar em Help! e de ter ganho um livro sobre hinduísmo numa praia nas Bahamas, George Harrison começou a se interessar por filosofia oriental e misticismo – o que o levou a viajar para a Índia e conhecer pessoalmente o grande mestre de sitar, Ravi Shankar. Em 1967, quando os Beatles estavam lançando o seminal Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, George conheceu o guru indiano Maharish Mahesh Yogi. Mais tarde no mesmo ano, George levou todos os outros três Beatles até Rishikesh, na Índia, para que eles também conhecessem o guru que era especialista em técnicas de meditação.
George Harrison já era simpatizante do Movimento para a Consciência de Krishna quando conheceu o seu líder, A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada. Mas foi somente em 1969 que a relação entre George e o movimento de Prabhupada se estreitaram ainda mais. George, Paul e Linda McCartney e o baterista Ginger Baker [Cream], juntamente com o Radha Krishna Temple, gravaram nos próprios estúdios da Apple uma versão para o maha-mantra “Hare Krishna” e para a música “Govinda”. Ambas foram lançadas como singles e tocadas a exaustão nas rádios naquela época. Também permaneceram por muito tempo na primeira posição dos charts europeus e asiáticos.
O líder do movimento, Swami Prabhupada, passou a admirar bastante George Harrison. Num dos encontros entre os dois, quando George perguntou a Prabhupada se ele deveria raspar a cabeça e passar a frequentar um templo Hare Krishna, Prabhupada respondeu que George poderia fazer mais por Krishna se continuasse sua carreira de músico. E depois de ter ajudado os devotos de Krishna a gravar o álbum completo que mais tarde seria conhecido como Chant And Be Happy – The London Radha-Krishna Temple, George gravaria em 1971 o álbum All Things Must Pass,que reuniu dois clássicos de sua carreira solo – “My Sweet Lord” e “Living In The Material World” –, que foram inspirados nos ensinamentos de Prabhupada, assim como a “Here Comes The Sun”, do Abbey Road, dos Beatles.
Foto: Mensagem de George Harrison sobre o movimento Hare Krishna encartada no álbum
George Harrison teve uma importância seminal na difusão do Movimento para a Consciência de Krishna no ocidente. Aliás, Bhaktivinoda Thakura, o primeiro mestre a disseminar os ensinamentos da cultura vaishnava, fez uma previsão entre o final do século XIX e começo do século XX, de que um dia o maha-mantra e as canções devocionais de Krishna seriam cantadas em todo o mundo a partir de ritmos e línguas locais. George Harrison foi providencial nesse sentido. Prabhupada, quando ouviu pela primeira vez a versão de George Harrison para “Govinda”, caiu em lágrimas e ordenou que a música fosse tocada todas as manhãs em todos os templos Hare Krishna do mundo. Isso é feito até os dias de hoje.
Seja você um devoto vaishnava, fã dos Beatles ou apenas apreciador de boa música com vibrações positivas, Chant And Be Happy – The London Radha-Krishna Temple é um disco que você precisa ouvir. Não é difícil de encontrar para venda e nem para download. Se lhe interessou, dê preferência para a versão canadense do álbum que ainda traz como bônus a faixa “Prayer to the Spiritual Masters”, que nada mais é do que o registro de uma conversa entre George, John Lennon e Yoko Ono com o Swami Prabhupada gravada em setembro de 1969 na mansão de Lennon no Tittenhurst Park, na Inglaterra. Inclusive já há um o livro que traz essa conversa transcrita – “Em Busca da Liberação”. HARE KRISHNA.
“Chant And Be Happy – The London Radha-Krishna Temple”
(Todos os arranjos por Mukunda Goswami)
1- “Govinda” – 4:43
2- “Sri Guruvastak” – 3:12
3- “Bhaja Bhakata-Arotrika” – 8:24
4- “Hare Krsna Mantra” – 3:33
5- “Sri Ishopanishad” – 4:03
6- “Bhajahu Re Mana” – 8:53
7- “Govinda Jai Jai” – 5:57
Bônus versão canadense: “Prayer to the Spiritual Masters” – 3:59
A música “Living In The Material World” é do disco com o mesmo nome, e não do álbum “All Things Must Pass”. Existe uma versão remasterizada lançado pela Apple Corps de 2010 do disco: “Radha Krsna Temple: Chant and Be Happy” com duas faixas bônus: Prayer To The Spiritual Masters e Namaste Saraswati Devi.
26 de novembro de 2012 às 11:35 AM
Obrigado pela correção, Saraswati Devi. Abraços
27 de novembro de 2012 às 1:32 PM
O também citado nesta matéria “All Things Must Pass” é sem dúvida alguma a obra prima de George Harrison. Quase todas as canções tratam diretamente de Krishna Bhakti ou fazem referência a ela: “Beware The Darkness”, a canção título, “Isn’t A Pity”… Muitas foram canções rejeitadas em álbuns dos Beatles, como “I Live for You”, composta nas sessões para o Abbey Road. Aliás, esta última para mim teria sido a pedra de toque do já magistral Abbey Road… Mas não sabia que alguém como Ginger Baker tinha participado da gravação de canções devocionais. Maravilhoso! E conheci “Chant And Be Happy” quando fui brahmacari no templo. Assim, para onde o homem direcione sua energia criativa obterá um resultado correspondente. Os rockeiros levaram por muito tempo a pecha de fazer da sua música a apologia da inconsequência, da sensualidade, da libertinagem (e em muitos assim era e é mesmo). Com “Chant And Be Happy”, George mostra que o fundo é tudo, a forma não é nada. Aquele rapaz rockeiro de visual hippie louvou muito bem a Krishna neste álbum!
26 de novembro de 2012 às 3:48 PM
Caro Ramacandra das!
Seus comentários são muito pertinentes.
Em meu ponto de vista, a apologia à inconsequencia, sensualidade, libertinagem, etc – como você colocou – estão hoje muito mais associadas à música popular – que toca nas rádios e na televisão – do que ao rock. Acontece que o rock sempre teve uma atitude forte de assumir uma postura, uma visão, sejam elas quais forem, inconsequentes ou profundas. Outros estilos, como os populares, mascaram de certa forma tais características. Nunca assumem o que são.
E o rock sempre assumiu, mesmo quando discursa sobre temas transcendentais.
Além de George Harrison e os Beatles, há muitos outros artistas do passado e do presente com letras de profundidade, com mensagens positivas, estejam elas conectadas a alguma linha filosófica/religiosa ou não.
O Yes, por exemplo, tem um álbum todo – “Tales From Topographic Oceans” – inspirado em textos e ensiamentos de Paramahansa Yogananda.
27 de novembro de 2012 às 3:03 PM
Ah, boa lembrança a do Yes! E as melodias deles sempre foram muito agradáveis aos ouvidos, uma banda diferenciada! O The Smiths também com o seu “Meat Is Murder” lançado em 1985 mostrou o total engajamento de Morrissey na causa vegetariana por exemplo e no pacifismo entre outros temas bem como o U2, cujas canções apresentam-se impregnadas de temas religiosos! “40” é o exemplo-mor deles, uma canção que é uma releitura do Salmo 40, mas há muitas outras influenciadas pelo gospel como a justa homenagem à Martin Luther King em “Pride (In The Name Of Love)”! Concordo contigo quanto esta questão da música popular em relação ao rock. Me exaspera os “Eu quero tchus e tchas” da vida que demonstram a total renúncia da alma na forma humana ao uso do que lhe faz diferente dos seres que vem abaixo dele na escala da vida: a razão e a capacidade de compreender Krishna! Vamos lutando para nos iluminarmos e assim se tornar um carta aberta do significa ser um servo de Krishna! Haribol!
30 de novembro de 2012 às 11:44 AM
Também devemos lembrar que os Yardbirds foram os primeiros a incorporar a cítara (instrumento indiano) no rock, isso no começo de 1965, com a canção: “Heart Full of Soul”, um de seus maiores sucessos, e com isso abrindo um leque para a difusão do raga-rock a partir deste ano (quem não se lembra da clássica “Norwegian Wood”, dos Beatles?) e poucos meses depois as “cores da Índia” iriam se expandir com capas de discos deslumbrantes e coloridas (capas psicodélicas) e, claro, música de primeira. Uma banda chamada The Fugs gravou a canção “Hare Krishna” em 68, a qual eu ouço quase todos os dias.
26 de setembro de 2013 às 2:53 PM