Barriga, Mamãe e Bebê: Entrevista com uma Doula
Entrevista com Chitralekha Devi Dasi
Em conversa com a Volta ao Supremo, Chitralekha fala sobre o papel da doula na sociedade, a influência do bem-estar ou estresse da mãe sobre o feto, a importância de a mulher conhecer seu corpo como capaz de parir, os diferentes estados emocionais que visitam uma futura mãe e outros tópicos importantes que em geral não chegam às mães, pais e outros interessados através das consultas médicas e da mídia popular.
Volta ao Supremo: O que muda na vida de um casal no exato momento em que descobrem que serão pais? O que devem fazer para lidar bem com as mudanças inevitáveis?
Chitralekha: Acho que o ser humano ao mesmo tempo em que é encantado pela maternidade e paternidade possui grande dificuldade de lidar com mudanças. E um filho é uma grande mudança! Por um lado, existe uma série de expectativas sobre o que esse filho vai trazer, e, por outro, uma sensação de insegurança sobre como lidar com o processo de cuidar de outro ser humano. Se o casal não buscar introspecção, orientação espiritual, amigos e benquerentes experientes e sensíveis sobre o assunto, a tendência mais “normal” é se deixar levar pelas mil e uma novidades externas que um novo bebê traz – roupinhas, brinquedos, decoração do quarto, chá de bebê, adaptações da casa etc. Acredito que a leitura de livros direcionados ao assunto e conversas francas e abertas entre o casal já é um passo relevante para se prepararem para as mudanças que virão em alguns meses.
Volta ao Supremo: Em seu perfil no Facebook, você comentou em uma postagem que é comum a gestante assumir certos personagens, atuando, por exemplo, a expectativa em torno dela de que ela tem que estar extremamente feliz por estar grávida. Contudo, o sentimento de felicidade pode ser apenas um em meio a vários. O que visita a mente de uma mulher durante a gravidez?
Chitralekha: Acho que é muito comum a quebra de paradigmas. Por exemplo, muitas mulheres antes da gravidez são atentas, dinâmicas, independentes e cheias de iniciativa. De repente, na ebulição dos hormônios, veem-se frágeis, desamparadas, carentes e choronas. E, ainda que entendam que esse processo é natural, a reação mais comum é tentar manter a imagem de alegria e felicidade na gravidez, como dito. Mas é como se esse novo estado mental da gravidez as fizesse questionar suas escolhas de vida e seu modo de ser que estava funcionando perfeitamente para a rotina da sociedade.
Grupos de apoio a gestantes e a mães são de grande valor.
Mesmo que as pessoas tentem ajudar e amparar essa mulher, é comum observar uma reação defensiva, de não aceitar ajuda ou não querer dar trabalho. Esse conflito se estende muito no pós-parto, e isso não significa quarenta dias – como tratado pelos médicos. Os sintomas de um puerpério podem durar meses ou anos! Por isso, acho vitais os grupos de apoio a gestantes e a mães. Num espaço desses, elas encontram um meio de falar, desabafar e encontrar empatia sobre seus sentimentos e confusões. O uso de terapias e atividades físicas durante a gravidez também ajuda muito a mulher a responder melhor aos seus dilemas internos.
Volta ao Supremo: No Brasil, sente que ainda existe o preconceito de que “terapia é para doido”, como dizem popularmente?
Chitralekha: Sim, mas agora, devido a algumas experiências ruins com a medicina tradicional e a medicação alopática, as pessoas estão cogitando as terapias como uma opção viável. E tendo a assistência de bons profissionais, essas podem trazer grandes resultados. Porém, um profissional inadequado pode tornar a pessoa dependente de terapias. É importante utilizá-las como aliadas no processo de cada um se entender, se conhecer e se curar.
Na gravidez, especialmente, é comum o retorno às lembranças do passado, e a necessidade de retomar cheiros, gostos e conexões amorosas com as pessoas que estiveram em nossa primeira infância. É como se a mente, ao se preparar para receber o bebê, recriasse os sentimentos do passado. Não é exagero dizer que uma grávida é um grande bebê! Assim, os terapeutas podem auxiliar as grávidas amplamente nesse retorno mental/sensorial. E as doulas, com seu conhecimento e sua sensibilidade, também podem auxiliar nessas questões.
Volta ao Supremo: Em seu programa na rede Globo, Fátima Bernardes disse em uma edição do programa sobre o assunto “doulas” que o papel das doulas poderia muito bem ser feito pelo pai da criança. Muitos consideram que foi uma colocação infeliz. Poderia falar melhor sobre o que faz uma doula?
Chitralekha: Realmente foi uma colocação mal formulada da Fátima Bernardes… Bom, estive pensando esses dias como explicar o papel de uma doula e descobri que ela existe porque, infelizmente, estamos distantes da cultura do parto. O que seria isso? Cultura do parto significa entender a fisiologia da mulher, seus mecanismos hormonais, suas conexões emocionais e como contribuir no processo único e intenso de cada mulher. Acompanhar uma mulher em trabalho de parto poderia ser o papel do esposo, ou da mãe, ou da tia ou da avó, mas será que essas pessoas estariam prontas para viver o parto? Devido a uma série de questões, o parto normal é visto como perigoso, sinônimo de dor, desespero, medo e tragédia. Para muitos, mulher em trabalho de parto é simplesmente uma mulher gritando. Mas por que ela grita, geme, se expressa, vocaliza na hora da contração?
A entrevistada com seu filho no colo, Kabir, hoje com 8 meses.
A doula, com empenho e amor, estuda esse fato e muitos outros relacionados a gravidez, parto e pós-parto e, com essas ferramentas, tenta cuidar e amparar aquela mulher. A doula pode segurar na mão, mas também pode ser o silêncio que a parturiente precisa. A doula pode fazer massagens, mas pode também amparar o pai confuso e com medo na hora do parto. A doula pode não estar no parto, mas pode ter feito parte de todo o processo emocional da gravidez que fortaleceu a mulher de tal forma a viver seu parto com plenitude e entrega.
Volta ao Supremo: Qual o melhor auxílio que você acredita ter prestado como doula em sua carreira?
Chitralekha: Acho que uma das coisas mais legais que fiz até então é quando um texto que eu publico, uma pequena conversa que tenho – presencial ou virtual – ou um livro que empresto transforma o destino de uma mãe e um bebê. Já tive alguns casos de mães que morriam de medo de parto normal e que, com um “empurrãozinho” dado por mim, são mulheres/mães conscientes de seu corpo e da capacidade de parir. Ver essa mudança acontecendo diante de meus olhos é muito gratificante!
Volta ao Supremo: Qual a explicação para o número tão alto de cesáreas no Brasil? É uma consequência natural da artificialização da vida em várias esferas? Ignorância promovida por interesses econômicos? Qual a resposta?
Chitralekha: É por tudo isso e muito mais! Ainda há estudos sobre o assunto e existem aspectos até dentro da esfera cultural. Ou seja, tem gente que faz cesárea porque culturalmente só compreende o parto dessa maneira. Bom, o que posso apontar de antemão, até para esclarecer muitas pessoas que consideram uma cirurgia como a cesárea mais segura do que um parto normal, é que, para nossa grande surpresa, a prática obstétrica foi desenvolvida com pouca ou quase nenhuma evidência científica. Quando os partos foram deslocados para os hospitais, uma série de intervenções médicas foi criada para auxiliar o processo – ou pelo menos era essa a intenção primordial. Incluso nisso está a cesárea, uma intervenção cirúrgica. Assim, durante muitos anos, milhões de mulheres pelo mundo foram cobaias dessas práticas, até que, nos anos 80, a Organização Mundial da Saúde (OMS) desenvolveu um trabalho global de coleta de pesquisas científicas na área da obstetrícia.
Nas universidades brasileiras, poucos estudantes têm acesso às informações mais recentes sobre gestação e parto.
Analisando essas pesquisas, descobriu-se que grande parte desses procedimentos, inclusive alguns motivos para fazer cesárea, era quase completamente desnecessária! Por exemplo, um grande motivo de cesárea no Brasil é a tal “circular de cordão”, que equivale ao cordão umbilical enrolado no pescoço do bebê. Durante as ecografias, se isso é encontrado, muitos médicos consideram um perigo e marcam antecipadamente uma cesárea. E o que as pesquisas apontam? Elas apontam que bebês nascem normais e saudáveis com uma, duas, três ou até cinco circulares de cordão! O cordão umbilical é gelatinoso e constantemente se “enrosca” no pescoço do bebê e se “desenrosca”. Além disso, no processo final de nascimento, o cordão, que está ligado à placenta, que está ligada à parede do útero, ainda que seja curto, não é capaz de enforcar o bebê porque o topo do útero desce na medida em que o bebê sai pelo canal vaginal da mãe. Hoje, os grupos de apoio ao parto humanizado têm apresentado estudos consistentes que quebram esses e mais uma série de mitos. Porém, infelizmente, nas universidades brasileiras, poucos estudantes têm acesso a essas atualizações.
Volta ao Supremo: Foi muito interessante o que disse no começo da entrevista sobre os pais buscarem por “introspecção” e “orientação espiritual” em vez de se aterem aos aspectos externos da chegada dos filhos, como os brinquedos e a mobília. Como se daria essa busca?
Chitralekha: A gestação traz de volta muitas lembranças da infância dos pais, como eu disse, fazendo com que sejam encarados medos, situações difíceis e traumas. Ao mesmo tempo, o casal sente que uma força maior deve existir para permitir que uma vida seja gerada tão perfeitamente. Essas duas questões remetem a uma busca espiritual, às vezes em nome do equilíbrio emocional, às vezes pela curiosidade de entender os mecanismos da Natureza. Se o casal se permite fluir nessas novas sensações, a introspecção espiritual será inevitável. Porém, se estiver distraído em meio às “novidades” do bebê, isso será pouco aprofundado ou até tratado como mero sentimento passageiro. Acho que o que faz muita diferença entre uma situação e outra é quem está em volta e em que tipo de ambiente se está transitando.
Volta ao Supremo: No Srimad-Bhagavatam, uma das obras religiosas mais importantes da Índia, encontramos a história de Prahlada Maharaja. Na obra, narra-se que seu caráter nobre foi formado pelo contato que sua mãe teve com um grande santo quando Prahlada ainda estava em seu ventre. O que dizem as pesquisas atuais sobre a influência do “mundo externo” e do estado mental da futura mãe sobre o feto?
Prahlada Maharaja, ainda no ventre de sua mãe, ouve o grande santo Narada Muni falar sobre o Senhor Supremo e as glórias Suas e de Seus devotos.
Chitralekha: As pesquisas estão cada vez mais validando a possibilidade de que os seres humanos começam seu processo de aprendizagem desde o útero. Uma pesquisadora que tem se destacado nisso é Annie Murphy Paul. De acordo com ela, está surgindo um campo de pesquisa dedicado exclusivamente a compreender o quanto aprendemos dentro do útero. Ela destaca a influência do ambiente, das emoções da mãe, da alimentação e até do sotaque. Ela destaca que a mãe envia, através de seus hábitos e pensamentos, “cartões postais biológicos” para o bebê, indicando a ele como se preparar para enfrentar o mundo. Se ela manda um cartão postal negativo, de fome, tristeza e escassez, o bebê pode mudar até a fisiologia dos seus órgãos, privilegiando, por exemplo, o coração e o cérebro e enfraquecendo os outros órgãos, a fim de que consiga sobreviver à situação aparentemente deplorável.
Volta ao Supremo: Srila Prabhupada, o fundador da Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna, disse que o amor materno é o amor que mais se aproxima do amor de Deus. O que justifica essa comparação?
Chitralekha: Esse é um ponto interessante e vou deixar aqui uma reflexão da minha experiência. Depois de ter meu bebê, entendi porque as pessoas expressam tão amplamente a ideia de que o amor materno é infinito e completo. Realmente existe uma tendência a uma dedicação desmotivada e ampla pelo filho. Parece que o corpo e a mente se entregam todos os dias àquele ser, suportando fome, sono, cansaço e qualquer aspecto aflitivo que a mãe prefere vivenciar a ver seu filho sofrer. Acho que foram essas características em que Srila Prabhupada pensou quando comparou esse amor com o amor divino. Os grandes santos revelam a mesma postura e desejo. Porém, acho que entre uma mãe e um grande santo existe uma grande diferença: a energia que impele a devoção. A mãe é realmente impelida por uma energia material incrível. Acho que o parto é o ápice dessa energia, e, no cuidado ao bebê, a coisa se estende. Não considero isso ruim. Na verdade, considero fantástico e mágico! Porém, é material, é limitado, é cheio de apegos e é uma energia que move você de fora pra dentro. Se uma pessoa, sem cuidado e reflexão, se deixa levar por essa energia, pode continuamente criar conflitos desnecessários na sua vida. Já os santos movem-se por uma energia interna, a energia espiritual da alma pura, e com ela a tendência é agir, pensar e se conduzir sem criar conflitos, sem assumir apegos desnecessários e com total dependência na consciência divina e Sua sabedoria. Acho que se conseguimos assumir o ímpeto de uma mãe na nossa vida espiritual, podemos avançar muito mais rápido e termos realizações extremamente profundas!
Volta ao Supremo: Conte-nos mais de suas experiências pessoais. Você agora é mãe de um lindo garotinho de 8 meses. O que destacaria na sua gestação, no seu parto e nesse pouco tempo com seu filho já fora da barriga?
Chitralekha: Nossa! Acho que seria impossível ter espaço nesta entrevista para responder essa pergunta! (risos) Cada evento desse, para mim, foi de grande intensidade – tanto que ainda não consegui conectá-los. Eu sou uma pessoa para cada uma dessas fases, e, ainda hoje, me espanta a ideia de que o garoto que cuido estava em mim e viveu o parto comigo. Mas, como já citei alguns aspectos da gravidez e do parto, posso aproveitar este momento para destacar o processo de criação. Uma das grandes maravilhas desse momento é ter a leveza de se entregar a cada situação com meu bebê. Realmente, não há fórmulas do que é melhor para um bebê. O que existe é uma leitura constante desse ser, conectando-se as suas necessidades, e acrescentando sua energia e a energia do pai para a estrutura dessa consciência que renasce. Para mim, é um mundo mágico, cheio de mistérios e com maior presença do Divino. As conquistas do meu bebê me mostram como nosso corpo é perfeito, Seu choro me lembra o quanto preciso ansiar mais e mais por Deus na minha vida, gritando com todo o meu coração a importância de Sua presença. O corpinho de meu bebê sobre mim lembra-me da força da entrega, de sair do controle e se deixar ser amado sempre. Poderia listar mais um infinito de coisas que estou descobrindo… Recomendo que cada pai e mãe encare nesse momento a possibilidade de enxergar o mundo de outra maneira e vivenciar a força que está além da energia material.
Você mencionou também que leituras é algo bom para os pais. Para concluirmos, que blogs, revistas, livros ou outras fontes você indicaria?
Chitralekha: Ah, sim! Há muito bons materiais à disposição na internet. Listo abaixo alguns:
Blogs e sites: Cientista que Virou Mãe: www.cientistaqueviroumae.com.br; Vila Mamífera: http://vilamamifera.com; Parto Ativo Brasil: http://partoativobrasil.com.br; Ciência do Início da Vida: www.cienciadoiniciodavida.org; Eu Quero Parto Normal: www.euqueropartonormal.com.br.
Livros: A Maternidade e Encontro com a Própria Sombra, de Laura Gutman; O Livro da Maternagem, de Thelma de Oliveira (Dra. Relva); Mulher Visíveis, Mães Invisíveis, de Laura Gutman; Parto Ativo, de Janet Balaskas; Educar sem Violência, de Lígia Moreiras Sena e Andréia Mortensen.
Documentários: O Renascimento do Parto, O Primeiro Choro, Babies.
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