Sankirtana: Nós e o Público

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Entrevistadora: O que é sankirtana? 

Hridayananda Dasa Gosvami: O que significa? Vocês já sabem (risos). O verbo sânscrito kir significa “glorificar”, “narrar”, “elogiar”. Kirtana é o substantivo. E san significa “juntos”. “Juntos elogiando a Krishna”, neste caso, sri krishna sankirtana. Por exemplo: em um time, alguns craques não conseguem jogar como time. Isto é muito comum no futebol, onde existe um time cheio de craques, mas que, na verdade, não é um time. Então, por não agir como um time, perde. Um outro time, digamos, sem tantos craques, mas que age como um verdadeiro time, ganha. Este é o segredo também no sankirtana. Sempre digo que este movimento de sankirtana é um esporte de grupo.

Entrevistadora: Nós falávamos de sankirtana, no começo, como cantar. Logo, a palavra sankirtana passou a indicar distribuição de livros. E qual é o sankirtana de hoje, no sentido prático, para alcançar o resultado?

Hridayananda Dasa Gosvami: Sankirtana sempre é glorificar Krishna. Agora, em cada circunstância, lugar e tempo, temos de encontrar uma forma prática de glorificar Krishna. Falar de tal maneira que as pessoas escutem.

Entrevistadora: O senhor poderia falar um pouco sobre sua experiência na distribuição de livros?

Hridayananda Dasa Gosvami: Pessoalmente, eu posso dizer que, quando entrei no movimento, a última coisa que eu queria fazer era sair à rua e aproximar-me de pessoas desconhecidas para tentar vender qualquer coisa. E, antes de entrar no movimento, eu não tinha nenhum interesse em incenso e, muito menos, em vendê-lo. Eu era esse tipo de pessoa que não pedia nada a ninguém. Então, ter de pedir dinheiro foi muito purificante. Obviamente, para sair e vender livros, você precisa ter disciplina, determinação e humildade, porque, quando pedimos algo a alguém, a pessoa acaba sentindo-se numa posição superior. E ninguém sabe se você tem alguma coisa que ela quer, mas sabemos que você quer algo dela. Então, requer um pouco de humildade, esta qualidade tão dolorosa. Para fazer sankirtana, são necessárias muitas qualidades boas: humildade, determinação, tolerância. Podemos ver só pela natureza da atividade em si que é uma atividade que, se continuamos realizando, desenvolvemos boas qualidades. Além de estar fazendo sankirtana, tentando agradar ao devoto puro, Srila Prabhupada. Se você, por exemplo, desde a infância, sempre quis vender livros na rua, enquanto as outras crianças sonhavam com outras coisas, então será uma coisa que naturalmente agrade você. Caso contrário, é um sacrifício no caso de agir para o prazer de Krishna, em vez de agir para o prazer próprio. O sankirtana feito sinceramente desenvolve no sankirtaneiro muitas boas qualidades.

Entrevistadora: O que um sankirtaneiro pode fazer para que a distribuição de livros seja uma atividade por toda vida, e não algo temporário?

Hridayananda Dasa Gosvami: Tem de ter natureza de vendedor. Mesmo Prabhupada não fez isso toda a vida. Quer dizer, ele pregava, mas eu acho que a ideia de que um devoto muito sincero abandona sua própria natureza e se dedica a essa atividade por piedade, por sinceridade e por devoção não é exatamente a nossa filosofia. Krishna diz no Bhagavad-gita, muitas vezes, que nosso dever parte da nossa natureza. Então, todos devem dedicar-se a sankirtana de alguma maneira: escrevendo um livro, desenhando um livro, vendendo um livro, abrindo uma loja para vender os livros, pregando e fazendo devotos novos e mandando eles para vender livros. Existem muitas maneiras de participar do movimento de sankirtana se você usa o talento e os interesses que você tem para servir Srila Prabhupada e Krishna.

Em última instância, se pudermos produzir livros conscientes de Krishna que o público goste de ler, acho que é o melhor caminho. Podemos, assim, atrair as pessoas em vez de fazer um arranjo para que elas levem um livro. Claro que, de uma ou outra maneira, temos de distribuir livros, temos de ir a lugares onde existam pessoas que sejam mais propícias a ler os livros. Como, por exemplo, nos Estados Unidos, sankirtana nos centros jovens, ou nos centros de música ou em faculdades. Obviamente podemos fazer sankirtana em qualquer lugar, mas acho que existe um equilíbrio entre quantidade e qualidade. A qualidade do livro, a qualidade da apresentação do livro, a qualidade no sentido de buscar uma pessoa que realmente tenha a possibilidade de ler um livro, que esteja interessada. E os devotos jovens talvez algum dia poderão escrever livros sobre Krishna, livros baseados nos ensinamentos de Srila Prabhupada, mas que tragam uma linguagem moderna. Livros que realmente atinjam as pessoas, que as pessoas gostem dos livros, queiram ler os livros, até entrem numa livraria e comprem um livro.
Prabhupada falou isto para mim: ele me disse que queria os livros em bibliotecas, em livrarias e, obviamente, queria que as pessoas aproveitassem isso. Temos um dever cultural. Claro que nem todo mundo é escritor, mas os devotos que têm essa capacidade, acho que é um grande serviço a Krishna, produzir literatura, artigos, livros na linguagem moderna e, assim, atrair as pessoas. Isso é o que Prabhupada queria. Prabhupada escreveu para mim: você deve estudar meus livros e explicá-los com suas próprias palavras.

Entrevistadora: O senhor poderia contar-nos três realizações que teve com o sankirtana?

Hridayananda Dasa Gosvami: Entendi a importância da missão de Srila Prabhupada, entendi a supremacia de Krishna, e entendi a necessidade das almas condicionadas que precisam dos livros.

Entrevistadora: O senhor viu a trajetória do movimento de sankirtana no Ocidente desde o começo. Poderia dizer-nos quais coisas poderíamos melhorar?

Hridayananda Dasa Gosvami: Eu acho que, mais cedo ou mais tarde, nós temos de ser culturalmente respeitáveis. Prabhupada diz que, no movimento de Shankara, o impersonalista, exige-se que primeiro se aceite sannyasa e, depois, se comece a prática. Ele logo explica que, no movimento de Chaitanya, não existe tal exigência. Nossa missão é facilitar, não dificultar. Então, por exemplo, exigir que uma pessoa se indianize para praticar bhakti yoga, acho que é imprático. Se uma pessoa que gosta disso apresentar ao público que só quem adota a cultura indiana pode praticar bhakti yoga, estamos dificultando em vez de facilitar a divulgação da consciência de Krishna. Já é difícil seguir os quatro princípios, mamma mia… Nesta era de Kali, seguir os quatro princípios, cantar japa, mesmo para devotos iniciados, já é difícil. Ainda colocar outros obstáculos, outras exigências no caminho…

Outro exemplo é o de uma pessoa que está interessada em entrar no movimento Hare Krishna e nós termos a imagem um pouco marginal… Não sei no Brasil como é, mas, em outros países, somos aqueles “Hare Krishnas bonzinhos” – divertidos e bonzinhos e nada mais. No Brasil, eu não posso dizer, mas, em outros lugares, é bem assim: bonzinhos, divertidos e estranhos. Certas atividades nossas aumentam esta imagem de sermos um pouco estranhos. Por exemplo, nos primeiros dias do movimento, o que fazíamos é muito interessante: um devoto dos Estados Unidos, ou de outros países, chegava em uma cidade para abrir um centro e, em 24 horas, ia ao centro da cidade vestido como um marciano pulando na rua e tentando convencer toda a cidade, em 24 horas, que somos de Marte, ou que somos bem estranhos. Aí, passaria 10 ou 20 anos tentando convencer de que não somos estranhos e sim normais. Quero dizer, você chega num lugar, pula num buraco e passa o resto da vida tentando sair. Então, por que pular no buraco desde o início?

A essência de sankirtana é facilitar a aceitação da consciência de Krishna. Sem perder a essência, sem renunciar coisas essenciais. Por exemplo, numa casa há paredes que sustentam a casa e outras paredes que não a sustentam. Então, se eu quero tirar uma parede, preciso averiguar que não seja a parede que está segurando o peso da casa. Se você tirar a parede que segura a casa, a casa cai. Acho que temos de identificar quais são as práticas, os aspectos da nossa apresentação que realmente estão segurando a vida espiritual dos devotos, segurando a autenticidade do movimento e tirar as paredes ornamentais.

A capacidade de tomar essa decisão é a capacidade de ser um cientista espiritual. Por exemplo: se um cidadão cai na rua por causa de um ataque cardíaco e você tem vontade de dar assistência, mas você não é médico, você nem sabe se deve levantar a pessoa ou deixá-la deitada, dar água ou não dar água… Mesmo com a maior boa vontade, você não sabe o que fazer. Existe uma ciência médica, mas você, não sendo um cientista médico, é inútil.

Prabhupada trouxe uma ciência espiritual, mas nós temos de ser cientistas espirituais. E uma distinção dentro da ciência espiritual é a distinção entre detalhes e princípios básicos. A confusão entre estas categorias pode estragar ou enfraquecer a apresentação da ciência espiritual. Se nós não entendemos a diferença entre detalhes e princípios básicos, nossa apresentação não será científica. E acabamos cobrando das pessoas certos princípios que não estão segurando a vida espiritual, nem estão segurando a autenticidade no movimento. Claro, se você tira uma parede que está segurando uma casa, a casa cai. Por isso, é uma ciência espiritual. Eu vejo que a essência do sankirtana é a facilitação.

Por exemplo, Prabhupada em sankirtana autorizou os devotos a saírem com roupas ocidentais. É interessante porque, saindo com roupa ocidental, estamos seguindo Sri Chaitanya Mahaprabhu, porque, no Chaitanya-charitamrita, não há nenhuma evidência de que Chaitanya Mahaprabhu saía de uniforme.

Se você sente amor por alguém, uma pessoa na família, uma pessoa que você ama, e essa pessoa está doente, você move a terra e o céu para encontrar a maneira de trazer essa pessoa de volta à saúde. Existe um tipo de serenidade no modo da ignorância: simplesmente não se importar. É o que estamos fazendo, de certa maneira. Será que o público aprecia ou não aprecia? E basta uma pessoa que aprecie, e ainda mil pessoas não gostem, voltamos para casa completamente satisfeitos, foi uma vitória incrível, uma conquista absoluta. Mil pessoas ainda não gostaram, mas uma pessoa diz: “Ah, eu gostei!”.

Eu acho que temos de nos preocupar, não no sentido de fazer sondagens e o resultado ser que público não goste do nome “Krishna” e, então, trocarmos de nome: Sociedade Internacional para a Consciência de João da Silva ou algo assim. Estamos com Krishna, estamos com Prabhupada, estamos com o Bhagavatam, praticamos bhakti yoga. Nunca mudaremos isso porque uma pessoa ou outra gosta. Mas quanto à apresentação, quanto a detalhes flexíveis, ignorar os sentimentos do público, ignorar a reação que estamos provocando e simplesmente seguir apertando o mesmo botão por cinquenta anos, completamente desinteressado… São como os cretinos que podemos observar em cidades modernas, que chegam em frente ao botão para mudar o semáforo e poder cruzar. Eles são tão inteligentes que acham que quanto mais apertam, quanto mais forte, mais vezes apertam, mais rápido poderá passar.

Temos de ser interessados. É como se déssemos um remédio a uma criança e a criança rejeitasse o remédio e você dissesse: “Tudo bem, vou dar o remédio mesmo assim”.  Sem se preocupar, sem ter o menor interesse de buscar um remédio que talvez a criança aceite. Você diz: “Não, vou dar isso de qualquer jeito”. E a criança rejeita, e você dá de novo, e ela rejeita, e você… Assim, uma serenidade no modo da ignorância.

Sankirtana significa que os devotos que têm mais experiência, mais inteligência, têm de buscar a maneira de facilitar a expansão do movimento. Devemos buscar a maneira de vender livros de tal forma que o povo esteja satisfeito, que eles achem que nosso trabalho de vender livros é uma coisa respeitável, e até tentar produzir livros que o público queira ler.

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Esta entrevista foi conduzida pela Equipe da Carta de Sankirtana do Brasil. Aqueles desejosos de receber mensalmente a Carta de Sankirtana em sua caixa eletrônica podem solicitar seu cadastro na mala direta enviando um e-mail para cartanacional@hotmail.com.

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