Sexo, Amor e Autocontrole

Sexo, Amor e Autocontrole

Entrevista com Hridayananda Dasa Goswami
(excertos da obra A Meta da Vida, Editora Sankirtana)

Entrevistador: Eu gostaria de falar sobre sexo. O senhor é celibatário, então, o que sabe sobre isto?

Hridayananda Dasa Goswami: Nem sempre fui celibatário, senão que tomei essa decisão de adotar um voto espiritual em certo momento da minha vida.

Entrevistador: Quem decide o que fazemos com nosso corpo?

Hridayananda Dasa Goswami: Nós temos que decidir, mas devemos tomar uma decisão inteligente.

Entrevistador: Por que Deus conferiu aos humanos prazer na vida sexual se Ele não queria que nós a tivéssemos?

Hridayananda Dasa Goswami: Existe um suposto prazer na vida sexual, o qual se pode interpretar como um tipo de estímulo à reprodução.

Entrevistador: O sexo é supervalorizado?

Hridayananda Dasa Goswami: Depende do que estiver em jogo. Se compararmos sexo com mascar chiclete, as pessoas podem achar que é uma coisa muito boa. Porém, comparado ao prazer ilimitado de Krishna (Deus), não é tão grande. Portanto, se alguém acha que o prazer sexual é o maior, então, sem dúvida, isso seria supervalorizá-lo.

Entrevistador: O senhor é a favor de educação sexual nas escolas?

Hridayananda Dasa Goswami: Sim. Deve-se ensinar às pessoas o propósito da vida e o papel do sexo dentro desse propósito.

Entrevistador: Qual é o papel do sexo na vida?

Hridayananda Dasa Goswami: Em primeiro lugar, o propósito da vida é desenvolver consciência perfeita. “Perfeita” significa pura – assim como, se dissermos “água pura”, referimo-nos a uma qualidade de água que é perfeitamente pura. Essa consciência pura é consciência de si próprio como um ser espiritual puro, consciente dos outros também como seres espirituais puros, e, em última instância, significa consciência de Deus. O sexo é uma atividade que executamos com nosso corpo físico, e não somos o corpo. Ele cobre nosso verdadeiro eu, nossa consciência – somos conscientes do corpo, mas não somos o corpo. Não podemos dizer, por exemplo, que “eu sou o braço”, “eu sou a perna”, ou qualquer parte específica do corpo, porque, na verdade, somos a pessoa, o eu permanente que é consciente do corpo. O sexo, nesse sentido, é uma atividade extrínseca, e não intrínseca da alma, algo executado pela cobertura externa, ou pelo corpo externo. No entanto, como estamos dentro do corpo e o estamos experimentando, somos afetados pelos seus desejos. Então, se alguém não consegue viver sem se ocupar em intercurso sexual, deve, pelo menos, se ocupar em sexo natural.

Entrevistador: O que é sexo natural?

Hridayananda Dasa Goswami: Sexo natural é casar-se e produzir uma criança. Isso é sexo natural. Em primeiro lugar, nossos órgãos reprodutores são apenas isso: órgãos reprodutores. Por isso, se nos ocuparmos em sexo naturalmente, sem técnicas artificiais ou dispositivos aos quais recorremos, o resultado natural é que de fato há reprodução. Uma vez que a criança nasce, resulta ser psicologicamente natural para ela ter um pai e uma mãe que não se odeiam a certa altura do relacionamento. Fazer sexo dentro de uma relação de compromisso, a qual chamamos de casamento, e então criar uma criança nesse ambiente, resulta ser natural. Talvez seja levantada a seguinte questão: “Como as pessoas conseguem ficar juntas? Como um homem e uma mulher conseguem de fato assumir um compromisso um com o outro, especialmente nesta era, quando parece ser muito difícil?”. A maioria tenta duas ou três vezes antes de descobrir alguma coisa sobre casamento. Entrementes, elas têm filhos, que têm que passar por muitas experiências traumáticas.

O fato simples é que temos que retornar à definição mais básica de quem e o que somos. Se concebemos a nós mesmos fundamentalmente como desfrutadores deste mundo, que estamos aqui para explorar a natureza, o nosso próprio corpo, para explorar tudo em que pudermos colocar nossas mãos ou outros sentidos, então pensaremos: “O casamento é ‘se a sensação é boa, se case, se a sensação não é boa, não se case’”. Todavia, se alguém entende a si próprio, em última análise, como sendo um servo amoroso de Deus, então o casamento, como tudo o mais, é executado como um ato devocional. Se alguém se casar, ou desenvolver uma relação com qualquer um nesse espírito de consciência espiritual – qualquer tipo de relação que seja –, os envolvidos assumem um compromisso muito sério, não somente um com o outro, mas com Deus, de ajudar a outra pessoa, de trabalhar para o benefício dela. Esse tipo de compromisso sério não é tão facilmente deixado de lado. Se o meu compromisso é simplesmente “se a sensação é boa agora, farei, e se, no próximo ano, ou no próximo mês, a sensação não continuar boa, então não farei”, isso é vida animal.

Em um nível, alguém talvez diga que somos animais; porém, em outro nível, somos um tipo especial de animal porque temos cérebros desenvolvidos, e supõe-se que utilizemos essa inteligência desenvolvida para entender a verdade absoluta. Todo animal tem conhecimento das verdades relativas: onde está o poço d’água, como lutar, como se reproduzir e assim por diante. Mas os seres humanos têm a capacidade exclusiva, ou única, de buscar conhecimento acerca do Absoluto, algo que é sempre verdade em todas as épocas e lugares, princípios universais, ou como quiser chamar. Em última instância, esses princípios universais, absolutos, essas coisas que são sempre verdade em todas as épocas e lugares, culminam em conhecimento de um Ser Supremo e Absoluto, quem chamamos de Deus. Sexo realizado com essa consciência, em uma cultura baseada nessa consciência, é natural, porque, a propósito, é natural para os seres humanos serem religiosos. Um ser humano pode ser irreligioso, mas isso é artificial. Hoje em dia, a maioria das coisas que as pessoas fazem é artificial, e essa é uma delas. Contudo, sob condições normais, é natural para um ser humano buscar conhecimento mais elevado e, em última análise, encontrar Deus, de uma forma ou de outra. E então ajustar, ou coordenar, suas atividades com esse Ser Supremo. Isso é natural para um ser humano sob condições normais.

Entrevistador: Essa é uma revelação chocante para nós. Basicamente, o senhor propõe repressão.

Hridayananda Dasa Goswami: O que é repressão?

Entrevistador: Digamos que tenhamos uma natureza mais elevada, mas quantas pessoas conseguem chegar a essa plataforma?

Hridayananda Dasa Goswami: Quanto à repressão, acho que o que está acontecendo agora é que as pessoas estão reprimindo sua natureza espiritual e, portanto, estão frustradas. Afinal, vamos lembrar que vivemos em uma era que rejeitou a repressão e conseguiu se frustrar totalmente. Teoricamente, se alguém não se reprimisse deveria ficar muito feliz e satisfeito, mas vemos que, conforme removemos todas as formas de “repressão”, a sociedade se torna mais e mais frustrada. O fato simples é que temos uma sociedade orientada para a exploração e consumo, na qual estamos sendo constantemente provocados, “excitados”, estimulados de maneiras sexuais por propagandas, rádio, televisão, jornais, moda, música, tudo. Os capitalistas descobriram há algum tempo que as pessoas têm impulsos sexuais e que se os acessarem consegue-se excitá-las, e, uma vez que as atiçou, pode-se tentar canalizar esse espírito excitado em direção à aquisição de um produto. Portanto, grande parte da propaganda na cultura popular tenta explorar nosso impulso sexual, enquanto, em uma sociedade que concebe a meta da vida como algo espiritual, na qual as pessoas são treinadas e vivem em um ambiente que não seja explorador e grosseiramente apelativo aos nossos impulsos reprodutivos, tais pessoas chegam a uma consciência diferente e são, de fato, capazes de se controlarem.

Entrevistador: A propaganda, seja pela mídia, indústria da moda ou até automobilística, usa alguma nudez para ajudar a vender. O senhor disse que isso incitaria as pessoas a se tornarem mais promíscuas. Eu pergunto: se não houvesse propaganda, o impulso sexual não estaria presente?

Hridayananda Dasa Goswami: Ele estaria presente, e outros impulsos também; ele não é o único. Temos sexo em excesso, e esse é o problema. Há também o impulso espiritual, o impulso dentro do coração, de conhecer a verdade mais elevada, de conhecer Deus, de encontrar o amor supremo, de satisfazer os anseios mais profundos por paz e assim por diante – todos esses são impulsos. E também ficamos com fome, sede, vamos ao banheiro e às vezes fazemos sexo. É simplesmente uma questão de colocar as coisas na ordem apropriada. Na verdade, esse é o ponto principal desse que é provavelmente o trabalho filosófico mais famoso na cultura ocidental: A República, de Platão. Segundo ele, as coisas têm que ser ordenadas de acordo com faculdades superiores e inferiores para que haja coerência, sanidade e, em última instância, progresso para a alma.

Entrevistador: O senhor considera o sexo em excesso uma doença, uma condição doentia?

Hridayananda Dasa Goswami: Uma condição é doentia quando há desequilíbrios. Por exemplo, alguém que apenas come, ou pensa em comer, o dia inteiro, tem um problema. Isso não significa que não comamos – não devemos ir aos extremos. Em vez disso, temos que simplesmente fazer tudo na perspectiva correta. Assim como não pensamos em comer durante o dia todo ou, ainda pior, comemos o dia todo, mas comemos tanto quanto necessitamos para mantermos nosso corpo saudável, similarmente, o sexo é uma função corpórea que deve ser executada de maneira apropriada, não obsessivamente.

Entrevistador: O que o senhor acha do sexo fora do casamento que de modo algum é feito para a procriação, como na homossexualidade ou na masturbação?

Hridayananda Dasa Goswami: A natureza nos oferece um estímulo para reproduzirmos. Se alguém quer escapar com o estímulo e não assumir a responsabilidade, isso é um tipo de trapaça. O simples fato é que, quando alguém tem um filho, dá muito trabalho criá-lo responsavelmente; é uma incumbência bastante pesada. E, como um tipo de estímulo para assumi-la, há algum prazer sexual. Se alguém quer o prazer e rejeita a responsabilidade, que é o modelo da sociedade moderna, obter o gosto e descartar a incumbência, então basicamente o que temos é o que se pode chamar de decadência clássica.

Entrevistador: Qual a opinião do senhor em relação ao sexo dentro do casamento que não é para a procriação? Digamos que o chamemos de “a culminação de uma relação amorosa”, seja para a procriação ou não.

Hridayananda Dasa Goswami: O amor, definido apropriadamente, significa um sentimento no qual desejamos e buscamos ativamente o bem-estar de quem amamos. Primeiro, devemos entender quem essa outra pessoa é, quem alegamos amar. Se a entendemos como sendo espiritual, que esse ser espiritual tem um propósito, uma agenda – que, em última análise, é a liberação de todo o sofrimento material –, se realmente amamos essa pessoa, buscaremos fazer coisas para ela que de fato a beneficiem em um sentido mais elevado. Isso é amor.

Entrevistador: Tudo bem, todos temos desejos sexuais, de uma forma ou de outra. Algumas pessoas não querem se casar e outras não estão interessadas em um casamento formal com filhos. O que devemos fazer em geral com o sexo? Qual é a conclusão?

Hridayananda Dasa Goswami: Não podemos basear nossa vida no sexo, seja em fazer ou não fazer. Em primeiro lugar, temos que compreender quais são nossas metas espirituais, o que realmente somos. Devemos tentar entender a importância de compreender Krishna (Deus) e, dentro desse parâmetro, o sexo assumirá a sua posição natural.

Entrevistador: Parece bem simples, mas como empreendemos isso?

Hridayananda Dasa Goswami: Pessoalmente, sou seguidor do Bhagavad-gita, falado pelo Senhor Krishna. É um livro muito famoso de sabedoria, e nele aprendemos que a nossa verdadeira identidade é espiritual, e não material, que somos algo maior que a matéria, da qual o corpo é composto, e que, em última instância, temos a oportunidade na vida humana de desenvolver consciência pura, ou perfeita, de nós mesmos, de Krishna (Deus) e de sermos promovidos, elevados, à posição eterna de consciência perfeita. Se aceitamos esse propósito de vida, então todas as coisas – comer, dormir, sexo, amizades e assim por diante – assumem seu lugar e desempenham seu papel natural nesse grande propósito da vida humana.

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 11 I (entrevista) Sexo, Amor e Autocontrole (fazer tudo) (2000) 2

Leia outro excerto da obra aqui.

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