Srimad-Bhagavatam e Bhakti-vaibhava
Volta ao Supremo: O que é o Srimad-Bhagavatam? O que o distingue de outros livros religiosos da Índia, como o afamado Mahabharata, e de outras obras de outras tradições religiosas do mundo, como a Bíblia?
Guru-sevananda Dasa: O Srimad-Bhagavatam é o fruto maduro de todo o conhecimento védico. Seu tópico principal, como o nome da obra sugere, é a Suprema Personalidade de Deus (Bhagavan), Krishna, bem como nossa eterna relação com Ele através de serviço devocional amoroso. Tradicionalmente, as escrituras védicas descrevem e promovem quatro metas na vida humana: dharma (religiosidade), artha (prosperidade), kama (desfrute sensório) e moksha (liberação). O Srimad-Bhagavatam vai além dessas metas ordinárias e promove amor puro por Deus, prema, como a perfeição última do ser. Em última análise, todas as escrituras convergem para essa conclusão de que devemos amar a Deus acima de tudo. O Mahabharata, por exemplo, culmina com os ensinamentos do Bhagavad-gita, ensinando o mesmo princípio de amor incondicional a Deus. Jesus Cristo nos ensinou a “amar a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a ti mesmo”. O que distingue o Srimad-Bhagavatam das demais escrituras é que ele descarta, logo de início, qualquer tipo de religiosidade materialmente motivada e focaliza toda a atenção em serviço devocional puro, que é a posição constitucional do ser vivo no mundo espiritual.
Volta ao Supremo: O que é o título bhakti-vaibhava? O que significado o termo? Qual sua importância? Quem o criou?
Guru-sevananda Dasa: Bhakti-vaibhava é o título conferido àqueles que estudaram sistematicamente os seis primeiros cantos do Srimad-Bhagavatam. Literalmente, vaibhava significa “glória”, “grandiosidade”. Ao estudar o Bhagavatam, a pessoa naturalmente se torna ciente das glórias de bhakti-yoga, o processo de serviço devocional. Nosso fundador e acharya, Srila Prabhupada, delineou um estudo sistemático das escrituras para que nós as pudéssemos estudar minuciosamente e aplicá-las com sabedoria em nossas vidas. Esse estudo inicia com o nível de bhakti-shastri, segue com bhakti-vaibhava e bhakti-vedanta, e culmina com o bhakti-sarvabhauma.
Volta ao Supremo: Alguém poderia perguntar se o tempo de estudo que é necessário para conhecer o Srimad-Bhagavatam o suficiente para receber o título bhakti-vaibhava não poderia ser melhor empregado em outras atividades. O que há de tão importante nesse estudo, em termos de benefício para a ISKCON e para o serviço à humanidade, que justifique tamanha dedicação?
Guru-sevananda Dasa: O mesmo poderia ser dito para qualquer tipo de estudo. Para que perder quase dez anos estudando medicina? Melhor fazer um cursinho de primeiros socorros e sair pelas ruas ajudando as pessoas feridas. Para a maioria das pessoas talvez isto seja o suficiente, mas ninguém pode negar a importância de termos médicos capacitados para atender situações mais complexas. De modo semelhante, se os futuros líderes da ISKCON não tiverem um conhecimento profundo de livros como o Bhagavad-gita e o Srimad-Bhagavatam, muito em breve nosso movimento perderá seu rumo e se tornará mais uma instituição mundana, incapaz de oferecer uma orientação espiritual genuína para a humanidade. A única maneira de impedir que isso aconteça é investindo na educação espiritual dos devotos.
Foto: Guru-sevananda junto à colina Govardhana, um dos locais dos passatempos de Krishna descritos no Décimo Canto do Srimad-Bhagavatam.
Volta ao Supremo: O estudo bhakti-vaibhava contempla os seis primeiros dos doze cantos da obra Srimad-Bhagavatam. O senhor poderia nos fornecer uma sinopse desses seis cantos?
Guru-sevananda Dasa: Os três primeiros capítulos do primeiro canto, que incluem as perguntas iniciais dos sábios e as respostas sintéticas de Suta Gosvami, apresentam a essência filosófica do Srimad-Bhagavatam. Em seguida iniciam as narrativas que ilustram e expandem os mesmos pontos filosóficos com exemplos históricos e às vezes alegóricos. Dessa forma, vários tópicos são discutidos, incluindo a criação cósmica, o enredamento das entidades vivas, o processo de liberação, os avataras do Senhor e assim por diante.
Volta ao Supremo: Uma vez que o décimo canto do Srimad-Bhagavatam é considerado o mais importante, por que não o estudar diretamente?
Guru-sevananda Dasa: Pelo mesmo motivo que uma criança cursando a primeira série não deveria ser admitida prematuramente na faculdade sem ter assimilado gradualmente os ensinamentos oferecidos nas séries anteriores. Na verdade, todos os cantos do Srimad-Bhagavatam são importantes e devem ser estudados sequencialmente. O décimo canto se destaca por narrar em detalhes os passatempos de Krishna, os quais só podem ser apreciados verdadeiramente por aqueles que entenderam a posição ímpar de Krishna. O Srimad-Bhagavatam desenvolve sistematicamente os ensinamentos fundamentais para que possamos finalmente saborear as lilas de Krishna no décimo canto.
Volta ao Supremo: O Srimad-Bhagavatam é considerado de origem divina pelos adeptos do Movimento Hare Krsna. Um desafio dos acadêmicos a essa alegação é que Deus não poderia carregar consigo sexismo, que é um defeito, e Deus, por definição, é perfeito. Logo, eles afirmam, o Srimad-Bhagavatam dirigir suas instruções, ou grande parte delas, aos homens, e não neutramente, prova que é produto humano. Como membro do Movimento Hare Krsna, qual a resposta do senhor para isso?
Guru-sevananda Dasa: Primeira consideração: O Srimad-Bhagavatam foi falado não por Deus diretamente, mas por Srila Vyasadeva, que é tecnicamente um shakty-avesha-avatara, ou uma personalidade dotada de poder para transmitir o conhecimento védico. Srila Vyasadeva cumpriu sua missão de forma excelente, transmitindo com precisão uma sabedoria atemporal em um formato adequado ao contexto da sua época. Se hoje o contexto é diferente, cabe às pessoas sábias da atualidade assimilar e transmitir os mesmos princípios de forma adequada ao seu tempo, lugar e circunstância.
Segunda consideração: Muitas vezes os pensadores modernos consideram a diferenciação entre vários grupos de pessoas como sendo um defeito. Isso se deve a uma falta de compreensão mais profunda da natureza do ser humano, bem como do propósito último da vida humana. Uma cultura que massifica sua população é uma cultura pobre, na qual as pessoas carecem de orientação individualizada para desenvolverem todo o seu potencial. A literatura védica, por sua vez, não tenta artificialmente igualar todas as pessoas, mas reconhece suas diferenças psico-físicas naturais. Esta diferenciação, contudo, jamais se destina a privilegiar um grupo em detrimento de outro, e sim a ajudar cada indivíduo a se realizar plenamente. Assim, uma pessoa de natureza intelectual é orientada a agir de certa maneira, enquanto uma pessoa inclinada à política ou ao comércio é orientada de outra. O mesmo vale para homens e mulheres, que desempenham papéis diferenciados na sociedade. Quando bem compreendidos e aplicados, estes princípios servem para dar uma orientação precisa e diferenciada a cada indivíduo de modo que cada pessoa possa desenvolver ao máximo o seu potencial e avançar rumo à meta espiritual a partir da posição onde se encontra.
Terceira consideração: Antes de começar o estudo do Srimad-Bhagavatam, espera-se que a pessoa tenha assimilado os ensinamentos do Bhagavad-gita, que é um estudo preliminar. A primeira lição do Bhagavad-gita é que nós não somos o corpo, mas sim almas espirituais. A alma não é homem ou mulher, preto ou branco, empresário ou operário, brasileiro ou indiano… Tudo isso são designações referentes ao corpo material. Quem ainda não entendeu esse ponto, quem está pensando que “eu sou homem” ou “eu sou mulher”, não está maduro o suficiente para apreciar a mensagem do Srimad-Bhagavatam.
Volta ao Supremo: Por que o Srimad-Bhagavatam é considerado por Srila Prabhupada um estudo que deve ser antecedido pelo Bhagavad-gita e sucedido pelo Caitanya-caritamrta?
Guru-sevananda Dasa: Devido à profundidade dos tópicos abordados em cada uma dessas obras.
Volta ao Supremo: O que justifica Srila Prabhupada ter escrito um comentário ao Srimad-Bhagavatam em vez de apenas traduzir algum comentário já existente, como o comentário de Visvanatha Cakravarti, por exemplo?
Guru-sevananda Dasa: Os princípios revelados no Srimad-Bhagavatam são eternos, mas os detalhes sobre a maneira de aplicá-los mudam de acordo com tempo, lugar e circunstância. É dever do mestre espiritual distinguir os princípios dos detalhes e atualizar a explicação das escrituras para o benefício das pessoas em geral.
Volta ao Supremo: Algum verso ou conjunto de versos entre os seis cantos estudados tem especial importância?
Guru-sevananda Dasa: É difícil dizer, pois cada verso é especial quando o examinamos com a devida atenção. Ainda assim, eu tenho um favorito, que é o verso de abertura da obra. Ele é um verso-semente, a partir do qual todo o Bhagavatam se desenvolve.
Volta ao Supremo: Para receber o título bhakti-vaibhava, além de responder a perguntas e escrever redações, o candidato deve decorar versos-chaves da obra. Qual o critério de quais são estes versos? Quais os benefícios de decorar versos e citá-los em palestras ou textos escritos, em especial os versos do Srimad-Bhagavatam?
Guru-sevananda Dasa: Esses são versos que Srila Prabhupada costumava citar repetidamente e que resumem conceitos filosóficos importantes. Conhecer e recitar esses versos é benéfico para nós mesmos, pois nos ajuda a lembrar pontos-chaves, e também para dar credibilidade ao que falamos ou escrevemos.
Volta ao Supremo: A edição do Srimad-Bhagavatam de Srila Prabhupada é muito ricamente ilustrada. Qual o valor dessas ilustrações para o estudo da obra?
Guru-sevananda Dasa: Uma imagem vale por mil palavras. Além disso, os filhos dos devoto adoram folhear as ilustrações dos livros de Prabhupada antes de terem maturidade para lê-los.
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Hare Krsna! Como eu gostaria de poder estar em Mayapur, de estudar e fazer a peregrinação!!! Ó Senhor, dai-me essa graça de poder ao menos conviver com um devoto puro que seja!!! Obrigada Senhor Hari por Sua cura!!! Jaya Radhe!!!
15 de março de 2013 às 8:44 PM