Nós Não Somos o Corpo

passaros

A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada

Uma pessoa sóbria deve estar ciente de que é distinta do corpo e deve se empenhar para superar os verdadeiros problemas da vida.

O que é a transmigração da alma? Estamos mudando de corpos. Há muitíssimas variedades de corpos, e podemos entrar em qualquer um deles após a morte. Esse é o verdadeiro problema da vida. A natureza está trabalhando e nos fornecendo corpos materiais. Este corpo é uma máquina. Esta máquina, tal qual um carro, nos foi oferecida pela natureza material, pela ordem de Deus, Krishna. O verdadeiro propósito da vida, portanto, é interromper essa perpétua transmigração de um corpo a outro, de um corpo a outro, e reviver nossa posição espiritual original a fim de que possamos viver uma vida eterna e bem-aventurada de conhecimento. Essa é a meta da vida.

A Bhagavad-gita, o clássico diálogo entre Krishna e Arjuna, apresenta a sinopse de como agir nesta vida. Por conseguinte, através dos ensinamentos dessa obra, podemos começar a compreender a posição constitucional da alma.

Antes de tudo, devemos compreender o que somos. Sou este corpo ou alguma outra coisa? Esse é o primeiro questionamento. A Bhagavad-gita (2.13) declara:

 dehino ’smin yatha dehe
kaumara
m yauvanam jara
tath
a dehantara-praptir
dh
iras tatra na muhyati

“Assim como a alma corporificada continuamente passa, neste corpo, da infância à juventude e, então, à velhice; a alma, similarmente, passa para outro corpo à hora da morte. Uma pessoa sóbria não se desorienta com tal mudança.”

Normalmente, as pessoas não são capazes de compreender este simples verso. Portanto, Krishna diz, dhiras tatra na muhyati: “Apenas uma pessoa sóbria pode entender.” Contudo, qual é a dificuldade? Krishna explica tudo muito claramente!

Existem três estágios de vida. O primeiro, kaumaram, dura até os quinze anos de idade. Então, a partir dos dezesseis anos, o indivíduo começa a vida de jovem, yauvanam. Então, após os quarenta ou cinquenta anos, o sujeito se torna idoso, jara. Quem é um indivíduo sóbrio ou de bom raciocínio pode entender: “Mudei meu corpo. Lembro-me de como eu estava brincando e pulando quando eu era um garoto. Então, me tornei um jovem e desfrutei de minha vida com amigos e familiares. Agora, sou um homem velho. Uma vez que este corpo tenha morrido, entrarei em um novo corpo.”

No verso anterior, Krishna disse a Arjuna: “Todos nós – tu, Eu e todos os soldados e reis aqui presentes – existimos no passado, existimos agora e continuaremos a existir no futuro.” Essa é a declaração de Krishna. Pessoas ignorantes, no entanto, dirão: “Como eu existia no passado? Nasci apenas em tal e tal ano. Antes disso, eu inexistia. No momento presente, eu existo. Tudo bem quanto a isso, mas, tão logo eu morra, não existirei mais.” Porém, Krishna diz: “Tu, Eu e todos nós existíamos, existimos agora e continuaremos a existir.” Isso está errado? Não, isso é fato. Antes do nosso nascimento, existíamos em um corpo diferente e, após a morte, continuaremos existindo em outro corpo. Isso deve ser entendido.

Por exemplo, eu era um garoto setenta anos atrás, após o que me tornei um jovem, e agora me tornei um homem idoso. Meu corpo mudou, mas eu, o proprietário do corpo, existo sem mudança alguma. É difícil entender? Dehinah significa “o proprietário do corpo”, e dehe significa “no corpo”. O corpo está mudando, mas a alma, o proprietário do corpo, permanece imutável.

Qualquer um pode compreender que este corpo muda. Na próxima vida, estaremos em outro corpo. Em minha última vida, qual foi o meu corpo? Não me recordo. O esquecimento é de nossa natureza, mas termos nos esquecido de algo não significa que isso não aconteceu. Em minha infância, fiz muitíssimas coisas das quais não me lembro, mas meu pai e minha mãe se lembram delas. Esquecermo-nos de algo, portanto, não significa que não tenha ocorrido.

De forma similar, a morte significa simplesmente que me esqueço do que fui em minha vida passada. De outro modo, eu, como alma espiritual, não morro. Suponha que eu troque minhas vestes. Quando criança, eu trajava certas vestes e, em minha juventude, eu trajava vestes diferentes. Agora, na velhice, como um sannyasi [renunciante], trajo outras vestes também. As roupas talvez mudem, mas isso não significa que o proprietário das roupas esteja morto e acabado. Não. Esta é uma explicação simples da transmigração da alma.

Ademais, todos nós somos indivíduos. Não há questão de nos fundirmos por completo. Cada um de nós é um indivíduo, e Deus é um indivíduo. Nityo nityanam chetanas chetananam: “Entre todas as pessoas eternas, conscientes e individuais, uma é suprema.” (Katha Upanishad 2.2.13) A diferença é que Deus jamais troca de corpo, ao passo que nós mudamos de corpo no mundo material. Quando vamos para o mundo espiritual, não há mais troca de corpo.

Existem muitas energias, mas são divididas em três principais: a energia externa, a energia interna e a energia marginal. Nós entidades vivas somos a energia marginal. “Marginal” significa que podemos permanecer sob a influência da energia externa ou podemos permanecer sob a influência da energia interna – como queiramos. Temos essa independência. Após falar a Bhagavad-gita (18.63), Krishna diz a Arjuna, yathecchasi tatha kuru: “O que quer que desejes, podes fazer.” Krishna confere a Arjuna sua independência. Ele não força ninguém a se render. Isso não seria bom, porque algo forçado não dura. Por exemplo, aconselhamos nossos estudantes: “Acordem cedo pela manhã.” Esse é o nosso conselho. Não forçamos ninguém. É claro que podemos forçar alguém uma ou duas vezes, mas, se ele não praticar, forçar será inútil.

Similarmente, Krishna não força ninguém a deixar este mundo material. Todas as almas condicionadas estão sob a influência da energia externa, ou material. Krishna vem aqui de maneira a nos livrar das garras da energia material. Porque somos partes integrantes de Krishna, somos todos diretamente filhos de Krishna. E se um filho está em dificuldade, o pai também sofre, apesar de indiretamente. Suponha que o filho se torne insano. O pai não fica feliz, senão que se lamenta. Similarmente, as almas condicionadas neste mundo material estão sofrendo muitíssimo, vivendo como indivíduos miseráveis e baixos. Krishna não está contente com isso. Ele, portanto, vem nos ensinar como voltarmos para Ele.

O Movimento para a Consciência de Krishna se destina a nos tirar da condição de termos de nascer repetidas vezes. “Visto que sou eterno, como posso me estabelecer em uma posição permanente?” Esta deveria ser a nossa questão. Todos querem viver eternamente; ninguém quer morrer. Se eu me aproximar de você com um revólver e disser: “Matarei você”, você gritará imediatamente, porque você não quer morrer. Morrer e renascer não é bom, senão que se trata de algo muito incômodo. Tudo isso nós sabemos em nosso subconsciente. Sabemos que, ao morrermos, teremos que entrar novamente no ventre de uma mãe – e, hoje em dia, as mães estão matando os filhos no ventre. Então, entramos no ventre de outra mãe… O processo de aceitar outro corpo, vezes e mais vezes, é longo e muito problemático. Em nosso subconsciente, nos lembramos de toda essa perturbação, razão pela qual não queremos morrer.

Nossa pergunta, então, deveria ser: “Se sou eterno, por que fui colocado nesta vida temporária?” Esta é uma pergunta inteligente, que toca em nosso verdadeiro problema. Sujeitos baixos, no entanto, deixam de lado tal problema, pensando apenas em como comer, dormir, fazer sexo e se defender. Mesmo se você dormir e comer bem, você, por fim, terá de morrer. O problema da morte continua, mas eles não se importam com esse verdadeiro problema. Eles estão muito alertas para solucionar seus problemas temporários, os quais, na verdade, nem mesmo são problemas. Os pássaros e as bestas também comem, dormem, têm intercurso sexual e se defendem. Sabem como fazer todas essas coisas, mesmo sem a formação dos seres humanos e sua dita civilização. Tais coisas, portanto, não são nosso verdadeiro problema. O problema verdadeiro é que, apesar de não querermos morrer, a morte acontece. Esse é o nosso verdadeiro problema.

Homens baixos estão sempre ocupados com os problemas transitórios. Suponha, por exemplo, que esteja muito frio. Isso é um problema. Temos que buscar por um bom casaco ou por uma lareira e, se nenhum dos dois estiver disponível, ficaremos aflitos. O frio severo é um problema, mas é um problema temporário. O frio severo do inverno chegou, e ele irá embora, daí não ser um problema permanente. Meu problema permanente é que, por causa da ignorância, estou nascendo, estou adoecendo, estou envelhecendo e estou morrendo. Dado que estes são meus problemas reais, Krishna diz, janma-mrityu-jara-vyadhi-duhkha-doshanudarshanam: “Aqueles que estão de fato em conhecimento percebem estes quatro problemas – nascimento, morte, velhice e doença.” (Bhagavad-gita 13.9)

Agora, Krishna diz, dhiras tatra na muhyati: “Uma pessoa sóbria não dá consigo perplexa à hora da morte.” (Bhagavad-gita 2.13) Se você se prepara para a morte, por que você deveria ficar perplexo? Se em sua meninice e juventude, por exemplo, você se prepara bem e recebe instrução, você terá um bom emprego, uma boa situação e será feliz. Similarmente, se você se preparar nesta vida para voltar ao lar, voltar ao Supremo, onde está sua perplexidade à hora da morte? Não há perplexidade alguma, pois você saberá: “Irei para Krishna. Voltarei ao lar, voltarei ao Supremo. Agora, não mais terei que trocar este corpo por um novo corpo material; terei meu corpo espiritual. Agora, brincarei com Krishna e dançarei com Krishna e comerei com Krishna.” Isso é a consciência de Krishna.

Se gostou deste material, também gostará destes: Vida Após a Vida | Morte e Renascimento no Hinduísmo | Onze Dias no Inferno.

Se gostou deste material, também gostará do conteúdo destas obras:

capa karma Bhagavad gita luxo coleção prabhupada

Publicidade