As Recompensas da Repetição

Vishakha Devi Dasi

O cantar diário de mantras não é repetitivo, pois produz transformações muito variadas ao longo do tempo.

Devido aos nossos desejos materiais, somos almas condicionadas com, entre outras coisas, várias camadas de complexidades psicológicas. Uma das camadas que nos cobre, por exemplo, pode ser a ocupação: estou muito ocupado para estar com você, para ajudá-lo. O preconceito pode ser outra camada: faço suposições e julgamentos sobre você com base em seu sexo, raça ou religião. A falta de confiança em mim mesmo pode ser mais uma camada: duvido de mim mesmo porque tenho medo de não ser bom o suficiente e me colocar em algum situação constrangedora. Desconfiança, ainda outra: me isolo porque tenho medo de ser machucado.

Como removemos essas camadas psicológicas e acessamos nosso eu verdadeiro, a alma bem-aventurada que dá consciência ao corpo? Na verdade, o esforço para descascar nossas camadas de condicionamento – para permitir que o eu (o atma, ou alma) se torne mais e mais proeminente – deve ser um empreendimento ao longo da vida e uma prioridade para cada um de nós. Nas palavras de Srila Prabhupada, “a necessidade da alma espiritual é que ela quer sair da esfera limitada do cativeiro material e satisfazer seu desejo de liberdade completa. Ela quer sair dos muros do universo maior. Ela quer ver a luz livre e o espírito.” (Srimad-Bhagavatam 1.2.8, comentário)

Ser liberto do condicionamento pode parecer algo perturbador, como alguém nos puxando – contra a vontade – para fora de um refúgio seguro e confortável. Pode parecer que ficaremos vulneráveis, desajeitados e despreparados. Mas, na verdade, são nossas camadas de condicionamento que criam bloqueios interpessoais e distanciamentos desnecessários. É nosso condicionamento que nos causa problemas intermináveis e desconforto. Se pudermos remover essas camadas, revelaremos uma pessoa empática, gentil, amigável, que pode ouvir sem negatividade, que pode ajudar os outros sem expectativa de retorno e que confia e tem confiança, apesar da experiência passada. Descobriremos alguém com fé inabalável no guru e em Deus, e com amor genuíno por Sua criação e seres criados. Encontraremos um devoto entusiasta de Deus.

Um número surpreendente de pessoas está despertando para essa compreensão da realidade e está determinado a se libertar do condicionamento. Eles sentiram o clamor da alma e estão respondendo a esse clamor. Às vezes, até mesmo surpreendendo a si mesmos com sua própria seriedade, esses buscadores espirituais se absorvem em ouvir e entoar os nomes de Deus, em aprender sobre Ele e Seus ensinamentos, e em desfrutar da companhia de almas afins. Em resumo, essas pessoas querem experimentar a “luz livre e o espírito” sobre os quais Srila Prabhupada escreve. Eles querem quebrar as correntes do condicionamento que os mantêm ligados a este mundo temporário e, para fazê-lo, eles saem do mundo comum e ordinário com confiança e coragem e entram no extraordinário. Eles se envolvem em práticas espirituais diárias, chamadas sadhana.

Nada Como um Dia Após o Outro

Embora estejamos destinados a estar no mundo espiritual, por eras não estivemos lá, e essa longa ausência criou dois tipos de problemas. Um é que estamos tão acostumados a estar neste mundo que parece normal para nós estarmos em um lugar onde tudo é temporário e cheio de dificuldades. O outro é que, mesmo quando tentamos remover as muitas camadas de condicionamento que nos cobrem, podemos facilmente perder nosso foco e determinação e nos cobrir novamente. Camadas de condicionamento podem facilmente nos envolver novamente, simplesmente porque estamos muito acostumados a estar envolvidos.

Daí a necessidade inviolável do sadhana para todos os praticantes espirituais.

A palavra em sânscrito “sadhana” significa “levar diretamente a um objetivo”; também significa “subjugar uma doença” e “realização, cumprimento”. Todas essas definições são relevantes. Srila Prabhupada orientou seus seguidores a entoarem o maha-mantra diariamente: Hare Krishna, Hare Krishna, Krishna Krishna, Hare Hare/ Hare Rama, Hare Rama, Rama Rama, Hare Hare. Entoar os nomes de Deus, que não são diferentes de Deus, nos leva diretamente ao objetivo de experimentar a luz livre e o espírito. A repetição sincera desses nomes enfrenta nossa doença de nos identificarmos com nossas coberturas em vez de nosso eu verdadeiro, a alma. E dedicando-nos a essa prática regular e diária, teremos sucesso espiritual – alcançaremos nosso objetivo.

Entoar o maha-mantra como uma meditação pessoal é algo feito tradicionalmente em contas de japa, que consistem em 108 contas unidas e uma conta “principal”, marcando o início e o fim da “volta”. O praticante entoa o mantra completo de dezesseis palavras em cada conta individual e depois passa para a próxima conta. Completar esse circuito retornando à conta “principal” constitui uma “volta”, e Srila Prabhupada exigia que seus discípulos iniciados entoassem no mínimo dezesseis voltas diariamente, sem falta, o que leva cerca de duas horas de dedicação.

Na primeira vez que completei uma volta, achei um processo tão árduo e demorado que achei praticamente um milagre que os devotos entoassem dezesseis delas diariamente. Eu estava bastante certa de que nunca poderia e nunca faria isso sozinha. Mas, por várias razões, continuei, e as coisas mudaram, como acontece quando alguém pratica algo por tempo suficiente.

A prática da japa, no entanto, é diferente das práticas comuns. É libertadora e, porque envolve Deus, que está além do alcance de nossos sentidos e mente, traz consigo o sabor e a promessa de mistérios e maravilhas por vir.

Resultados Positivos

À primeira vista, a repetição pode parecer destituída de variedade. Porém, ao entoar repetidamente o maha-mantra, notamos diferenças desde um prazer que traz calma até uma sobrecarga de entusiasmo. A uniformidade da repetição nunca é o ponto. Pelo contrário, nossa meditação na japa é uma porta pela qual entramos diariamente e, quando saímos do outro lado, até certo ponto, somos alguém que foi esvaziado de distrações e preenchido com algo melhor. Deixamos o familiar para abraçar o que é desconhecido, inexplicável e transcendental. Não importa o que esteja acontecendo em nossas vidas: fazer conscientemente essa prática nos permite nos entregar ao momento presente.

Por fim, chegará um ponto em que não conseguiremos mais deixar de pegar nossas contas de japa e localizar a conta “principal” para começar nossa meditação com o mantra da japa, assim como não podemos nos impedir de respirar depois de expirar. Por meio de nosso compromisso com a repetição diária, o simples ato de entoar a japa atrai a mente. Por quanto mais tempo a repetição continuar, mais forte se torna sua força de concentração e mais finas ficam nossas camadas de cobertura sob o brilho doce de nosso compromisso de ouvir e entoar os nomes de Deus.

Ao longo dos anos, nossas respostas positivas à nossa prática determinada crescerão. Sempre saberemos onde estão nossas contas sagradas de japa, e, enquanto as usamos para nos absorver na entoação rítmica, o tempo passará sem notarmos. Momentos iniciais de resistência se dissolvem à medida que o som melodioso do mantra nos encoraja a continuar. O burburinho operacional de nossa mente começa a se acalmar e pode até nos surpreender parando por completo. Entramos no território quase alienígena do fluxo constante e da concentração focada. Depois de fazê-lo milhares de vezes, a entoação se torna um oásis bem-vindo de sanidade em um mundo frequentemente insano.

Antes da meditação com japa entrar em minha vida, o desejo e o lamento eram forças que me exilavam do presente, que me faziam revisitar repetidamente pensamentos banais e eventos irrelevantes e inúteis. Incidentes que já haviam passado ou ainda não estavam presentes estavam se intrometendo no meio de minha vida no momento presente. Comprometer-me com a rotina do sadhana inevitavelmente aquietou minha mente. Não mais assediada por uma enxurrada de opções, ela primeiro concorda e depois aceita de bom grado minha prática espiritual diária, tendo experimentado seus benefícios notáveis. O ritmo da entoação, sua cadência, seu fluxo e refluxo, é transformador.

Por breves momentos, estamos cientes de que não precisamos de nada mais do que esse som fora deste mundo, que o inimigo interno, enfraquecido em sua escuridão e astúcia pela presença do espírito, se tornou nosso amigo. Nossas inúmeras coberturas diminuem.

Tais são as recompensas da repetição devocional.

Vishakha Devi Dasi escreve para Volta ao Supremo desde 1973. Autora de seis livros, é a presidente do templo Bhaktivedanta Manor no Reino Unido. Ela e seu esposo, Yadubara Dasa, produzem e dirigem filmes, sendo o mais recente a cinebiografia da vida de Srila Prabhupada “Hare Krishna! O Mantra, o Movimento e o Swami que Começou Tudo”.

2 Respostas

  1. Avatar de Desconhecido
    Anônimo

    Hare Krishna!!!

    6 de setembro de 2025 às 11:53 AM

  2. Avatar de Desconhecido
    Anônimo

    Ganhei o dia com este texto. Foi melhor do que ler o Bagvad-Gita.

    6 de setembro de 2025 às 12:00 PM

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