A Partida do Senhor Krishna
Suta Gosvami
(excertos dos capítulos 14 e 15 do primeiro canto do Srimad-Bhagavatam)
A partida do Senhor Krishna como sentida por Arjuna e demais Pandavas.
Arjuna foi até Dvaraka para ver o Senhor Sri Krishna e outros amigos e também para saber do Senhor sobre Suas próximas atividades. Passaram-se alguns meses e Arjuna não retornava. Então, Maharaja Yudhisthira começou a observar alguns presságios inauspiciosos, que eram por si só assustadores. Ele viu que a direção do tempo eterno havia mudado, e isso era muito assustador. Havia disrupções nas regularidades sazonais. As pessoas em geral tinham se tornado muito cobiçosas, iradas e traiçoeiras. E ele viu que elas estavam adotando meios escusos de subsistência. Todas as transações e tratos ordinários tornaram-se poluídos com trapaças, mesmo entre amigos. E, nos afazeres familiares, sempre havia desentendimento entre pais, mães e filhos, entre benquerentes e entre irmãos. Mesmo entre esposo e esposa, sempre havia tensão e desavença. No decorrer do tempo, ocorreu que as pessoas em geral acostumaram-se à cobiça, à ira, ao orgulho e qualidades similares. Maharaja Yudhisthira, observando todos esses presságios, dirigiu a palavra a seu irmão mais novo.
“Bhima, enviei Arjuna a Dvaraka para encontrar-se com seus amigos e para saber da Personalidade de Deus, Krishna, sobre Suas atividades futuras. Já se passaram sete meses desde que ele partiu, apesar do que ainda não retornou. De fato, não sei o que está acontecendo em Dvaraka. Estaria Krishna abandonando Seus passatempos terrestres, como Devarshi Narada indicou? Já teria chegado esse momento? É unicamente devido a Ele que toda nossa opulência real, boas esposas, vidas, progênie, controle sobre nossos súditos, vitória sobre nossos inimigos e acomodações futuras nos planetas superiores têm-se tornado possíveis. Tudo isso se deve à Sua misericórdia sem causa para conosco. Vê só, ó homem possuidor da força de um tigre, quantas misérias – todas muito perigosas em si mesmas – estão prenunciando perigo em um futuro próximo, iludindo nossa inteligência”.
“O lado esquerdo do meu corpo, minhas coxas, braços e olhos estão todos tremendo repetidamente”, continuou Maharaja Yudhisthira. “Estou tendo palpitações cardíacas devido ao medo. Tudo isso indica acontecimentos indesejáveis. Vê só, ó Bhima, como a fêmea do chacal chora ao nascer do Sol e como o cão late para mim destemidamente. Ó Bhimasena, animais inferiores, como os asnos, estão me circungirando, e meus cavalos parecem chorar ao me verem. Vê só! Este pombo é como um mensageiro da morte. Os guinchos das corujas e de seus rivais, os corvos, fazem meu coração tremer. Parece que eles querem fazer de todo o universo um lugar vazio. Vê só como a fumaça envolve o céu. Parece que a terra e as montanhas estão pulsando. Ouve só o trovão sem nuvens e vê os relâmpagos no céu azul. O vento sopra violentamente, esparramando poeira por toda a parte e criando escuridão. As nuvens estão chovendo em toda a parte, provocando desastres sangrentos. Os raios do Sol estão declinando, e as estrelas parecem estar lutando entre si. Entidades vivas confusas parecem estar ardendo em chamas e chorando. Os rios, afluentes, represas, reservatórios e a mente estão todos perturbados. A manteiga já não acende o fogo”.
Yudhisthira descreve a Bhima os sinais inauspiciosos que percebe.
“Que tempo extraordinário é este? O que há de acontecer?”, perguntou o imperador antes de prosseguir com sua descrição a seu irmão mais novo. “Os bezerros não sugam as tetas das vacas, tampouco as vacas dão leite. Elas estão paradas, chorando, com lágrimas nos olhos, e os touros não sentem prazer nos campos de pastagem. As Deidades parecem estar chorando no templo, lamentando-Se e transpirando. Parece que estão a ponto de partir. Todas as cidades, aldeias, municípios, jardins, minas e eremitérios agora estão desprovidos de beleza e privados de toda a felicidade. Eu não sei que espécies de calamidades nos esperam agora. Creio que todos esses distúrbios terrestres indicam uma grande perda para a boa fortuna do mundo. O mundo foi afortunado de ter sido marcado com as impressões dos pés de lótus do Senhor. Esses sinais indicam que isso não mais acontecerá”.
Enquanto Maharaja Yudhisthira, observando os sinais inauspiciosos sobre a Terra naquela ocasião, pensava assim consigo mesmo, Arjuna voltou da cidade dos Yadus [Dvaraka]. Quando ele se prostrou a seus pés, o rei viu que sua tristeza não tinha precedentes. Sua cabeça estava pendida, e lágrimas deslizavam de seus olhos de lótus. Vendo Arjuna pálido devido à ansiedade de seu coração, o rei, lembrando-se das indicações do sábio Narada, perguntou-lhe no meio dos amigos.
“Meu querido irmão, por favor, dize-me se nossos amigos e parentes, bem como os membros da família Yadu, estão todos passando alegremente seus dias. Acaso meu respeitável avô Shurasena está feliz? E meu tio materno Vasudeva e seus irmãos mais novos estão todos felizes? Acaso o Senhor Krishna, a Suprema Personalidade de Deus, que dá prazer às vacas, aos sentidos e aos brahmanas, que é muito afetuoso com Seus devotos, está desfrutando da piedosa assembleia de Dvaraka Puri, cercado pelos amigos? Meu irmão Arjuna, por favor, dize-me se estás bem de saúde. Pareces ter perdido teu lustre corpóreo. Acaso isso se deve a que outros teriam te desrespeitado e negligenciado por causa de tua longa permanência em Dvaraka? Alguém se dirigiu a ti com palavras inamistosas ou te ameaçou? Não pudeste dar caridade a alguém que pediu, ou não pudeste manter tua promessa a alguém? Tu és sempre o protetor dos seres vivos merecedores, tais como os brahmanas, as crianças, as vacas, as mulheres e os doentes. Não pudeste dar-lhes proteção quando se aproximaram de ti em busca de refúgio? Tiveste contato com uma mulher de caráter censurável, ou não trataste adequadamente uma mulher respeitável? Ou foste derrotado no caminho por alguém que é inferior ou igual a ti? Não deste atenção a anciãos e meninos que mereciam jantar contigo? Acaso os deixaste e tomaste tuas refeições sozinho? Acaso cometeste algum erro imperdoável que seja considerado abominável? Ou será que estás te sentindo vazio porque poderias ter perdido teu amigo mais íntimo, o Senhor Krishna? Ó meu irmão Arjuna, não posso pensar em nenhuma outra razão para teres ficado tão deprimido”.
Arjuna, o célebre amigo do Senhor Krishna, estava ferido de pesar por causa de seu forte sentimento de saudade de Krishna, além de todas as perguntas especulativas de Maharaja Yudhisthira. Devido ao pesar, a boca de Arjuna e seu coração semelhante ao lótus secaram. Portanto, seu corpo perdeu todo o brilho. Agora, relembrando o Senhor Supremo, era-lhe difícil até mesmo proferir uma palavra em resposta. Com grande dificuldade, ele estancou as lágrimas de pesar que untavam seus olhos. Ele estava muito aflito porque o Senhor Krishna se lhe perdera de vista, e sentia cada vez mais afeição por Ele. Relembrando o Senhor Krishna e Seus bons votos, benefícios, relações familiares íntimas e Seu dirigir de quadriga, Arjuna, constrangido e respirando pesadamente, começou a falar.
Arjuna se lembra de Krishna.
“Ó rei, a Suprema Personalidade de Deus, Hari, que me tratou exatamente como um amigo íntimo, deixou-me. Desse modo, meu poder surpreendente, que pasmava até mesmo os semideuses, já não está mais comigo. Eu acabo de perdê-lO, Ele cuja separação por um momento faria todos os universos desfavoráveis e vazios, como corpos sem vida. Unicamente por Sua força misericordiosa fui capaz de derrotar todos os príncipes luxuriosos reunidos no palácio do rei Drupada para a escolha do noivo. Com meu arco e flecha, pude trespassar o peixe que servia como alvo e, destarte, obter a mão de Draupadi. Porque Ele estava perto de mim, foi-me possível conquistar, com grande habilidade, o poderoso rei do céu, Indradeva, juntamente de seus associados semideuses, e desse modo capacitar o deus do fogo a devastar a floresta Khandava. E, somente por Sua graça, o demônio chamado Maya foi salvo do incêndio da floresta Khandava e assim pudemos construir nossa casa de assembleia de maravilhosa manufatura arquitetural, onde todos os príncipes se reuniram durante a execução do Rajasuya-yajna e pagaram-te tributos. Teu respeitável irmão mais novo, que possui a força de dez mil elefantes, matou, por Sua graça, Jarasandha, cujos pés eram adorados por muitos reis. Esses reis tinham sido trazidos para sacrifício no Mahabhairava-yajna de Jarasandha, mas então foram libertados. Mais tarde, eles pagaram tributo a Vossa Majestade. Durante nosso exílio, Durvasa Muni, que come com seus dez mil discípulos, fez uma intriga junto a nossos inimigos para colocar-nos em perigoso apuro. Naquele momento, Krishna salvou-nos simplesmente por aceitar as sobras de comida. Por Ele ter aceitado comida desta maneira, a assembleia de munis, enquanto se banhava no rio, sentiu-se suntuosamente alimentada. E todos os três mundos também ficaram satisfeitos”.
Leia a história de como Krishna salvou os Pandavas de Durvasa Muni.
Arjuna prosseguiu: “Foi unicamente devido à Sua influência que, numa luta, fui capaz de deixar atônito Shiva e sua esposa, a filha do Himalaia. Então, Shiva ficou satisfeito comigo e concedeu-me sua própria arma. Outros semideuses também me entregaram suas respectivas armas, e, além disso, fui capaz de alcançar os planetas celestiais neste corpo atual e recebi um assento semielevado. Foi unicamente por Sua misericórdia que meus inimigos descuidaram-se de matar-me quando desci de minha quadriga a fim de conseguir água para meus cavalos sedentos. E foi apenas devido à minha falta de estima por meu Senhor que ousei ocupá-lO como meu quadrigário, pois os melhores homens O adoram e O servem para alcançarem a salvação. Ó rei, as brincadeiras e conversas francas dEle eram agradáveis e belamente decoradas com sorrisos. Sua maneira de tratar-me por ‘ó filho de Pritha’, ‘ó amigo’, ‘filho da dinastia Kuru’ e todas essas cordialidades agora me vêm à lembrança, e desse modo estou sufocado. No momento de se dar a conhecer pelos atos de cavalheirismo, às vezes, se havia alguma irregularidade, eu costumava censurá-lO, dizendo: ‘Meu amigo, Tu és franco demais’. Mesmo nessas horas em que Seu valor era minimizado, Ele, sendo a Alma Suprema, costumava tolerar todos aqueles meus pronunciamentos, perdoando-me exatamente como um verdadeiro amigo perdoa a seu verdadeiro amigo, ou um pai perdoa a seu filho. Ó imperador, agora estou separado de meu amigo e mais querido benquerente, a Suprema Personalidade de Deus, e por isso meu coração parece estar completamente vazio. Em Sua ausência, fui derrotado por um grupo de vaqueiros infiéis. Tenho o mesmo arco Gandiva, as mesmas flechas, a mesma quadriga puxada pelos mesmos cavalos, e os uso sendo eu o mesmo Arjuna a quem todos os reis ofereciam seus devidos respeitos. Porém, na ausência do Senhor Krishna, todos eles, de um momento para outro, tornaram-se inúteis e vazios. Isso é exatamente como oferecer manteiga clarificada sobre cinzas, acumular dinheiro com uma varinha mágica ou plantar sementes em terra árida”.
Ao ouvir sobre o regresso do Senhor Krishna a Sua morada, Yudhisthira decidiu ir de volta ao lar, de volta ao Supremo. Quando a Personalidade de Deus, o Senhor Krishna, deixou este planeta Terra com Sua própria forma; desde aquele mesmo dia, Kali, que já havia aparecido parcialmente, manifestou-se plenamente para criar condições inauspiciosas para aqueles que são dotados de pobre fundo de conhecimento. Maharaja Yudhisthira foi inteligente o bastante para entender a influência da era de Kali, caracterizada pelo aumento da avareza, falsidade, fraude e violência em toda capital, no estado, no lar e entre indivíduos.
Assim, sabiamente, ele preparou-se para deixar o lar e vestiu-se de acordo. Maharaja Yudhisthira abandonou de imediato todas suas roupas, cinturão e ornamentos da ordem real e tornou-se completamente desinteressado e desapegado de tudo. Então, ele amalgamou todos os órgãos dos sentidos com a mente, depois a mente com a vida, a vida com a respiração, sua existência total com a corporificação dos cinco elementos e seu corpo com a morte. Então, como eu puro, libertou-se da concepção material da vida. Assim aniquilando o corpo grosseiro de cinco elementos com os três modos qualitativos da natureza material, ele os fundiu em uma só necedade e então amalgamou essa necedade no eu, o Brahman, que é inesgotável em todas as circunstâncias.
Depois disso, Maharaja Yudhisthira vestiu-se de farrapos, deixou de comer qualquer alimento sólido, tornou-se voluntariamente mudo e deixou seu cabelo solto. A combinação disso tudo fê-lo semelhante a um louco sem nenhuma ocupação. Ele não dependia de seus irmãos para nada. E, assim como um homem surdo, ele não ouvia nada. Então, partiu em direção ao norte, trilhando o caminho aceito por seus antepassados e grandes homens, para dedicar-se completamente a pensar na Suprema Personalidade de Deus. E ele vivia assim para onde quer que fosse.
Yudhisthira, inteiramente liberto da concepção material de vida.
Os irmãos mais novos de Maharaja Yudhisthira observaram que a era de Kali já havia chegado em todo o mundo e que os cidadãos do reino já estavam afetados pela prática irreligiosa. Portanto, eles decidiram seguir os passos de seu irmão mais velho. Todos eles executaram todos os princípios da religião e, como resultado, decidiram corretamente que os pés de lótus do Senhor Sri Krishna são a meta suprema de tudo. Portanto, eles meditaram em Seus pés sem interrupção. Assim, através de consciência pura, decorrente da constante lembrança devocional, eles alcançaram o céu espiritual, que é governado pelo Narayana Supremo, o Senhor Krishna. Isso alcançam somente aqueles que meditam no único Senhor Supremo, sem desvios. Essa morada do Senhor Sri Krishna, conhecida como Goloka Vrindavana, não pode ser alcançada pelas pessoas que estão absortas na concepção material da vida. Os Pandavas, estando completamente limpos de toda a contaminação material, no entanto, alcançaram aquela morada.
Enquanto peregrinava, Vidura abandonou seu corpo em Prabhasa. Porque estava absorto em pensar no Senhor Krishna, ele foi recebido pelos cidadãos do planeta Pitriloka, onde retornou a seu posto original [de Yamaraja]. Draupadi também viu que seus esposos, sem ligar para ela, estavam deixando o lar. Ela conhecia bem o Senhor Vasudeva, Krishna, a Personalidade de Deus. Tanto ela quanto Subhadra absorveram-se em pensar em Krishna e alcançaram os mesmos resultados que seus esposos.
O assunto da partida dos filhos de Pandu para a meta última da vida, de volta ao Supremo, é completamente auspicioso e perfeitamente puro. Portanto, qualquer pessoa que ouça esta narração com fé devocional obtém certamente o serviço devocional ao Senhor, a perfeição máxima da vida. O Srimad-Bhagavatam é a narração a respeito da Personalidade de Deus e dos devotos do Senhor, como os Pandavas. A narração sobre a Personalidade de Deus e Seus devotos é absoluta em si mesma, e, desse modo, ouvi-la em atitude devocional é associar-se com o Senhor e com os companheiros constantes do Senhor. Através do processo de ouvir o Srimad-Bhagavatam, pode-se alcançar a perfeição máxima da vida, a saber, voltar ao lar, voltar ao Supremo, sem falha.
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Porque nao contam a historia da morte de Krishna especificamente ? Krishna partiu com seu corpo ? ou deixou o corpo ?
31 de janeiro de 2020 às 4:46 PM