O que É o Amor?

14 I (artigo - Virtudes) O que É o Amor (1600) (bg)Archana-siddhi Devi Dasi

Nossos relacionamentos neste mundo podem nos levar a perguntar se o verdadeiro amor realmente existe.

Lembro-me de estar sentada com meu namorado em sua “Casa de Fraternidade”, estudando para uma prova de história, lutando para me manter focada nas páginas do caderno.

“Sabe”, disse despreocupadamente Tim, “eu realmente não sei o que é o amor”.

Em vez de aplaudir sua questão astuta, eu entrei em pânico. Aqui estava o homem que era meu namorado há dois anos, que dizia que me amava duas ou três vezes ao dia, questionando a base de todo o nosso relacionamento. Eu respondi, atacando-o: “O que você quer dizer com não saber o que é o amor? Você tem mentido pra mim nestes dois anos?”.

Antes que ele tivesse a chance de dizer algo, eu peguei meus livros e saí da sala.

Saí da “Casa de Fraternidade” e caminhei para um local silencioso, próximo a um parque. Sentei e pensei sobre sua questão e, o mais importante, sobre minha reação abrupta e infantil. Dei-me conta de que reagi daquela maneira porque também não entendia ou sabia o que era o amor, mas fingi, para manter viva a ilusão de algo tão evasivo. Ao amar, arriscamos nos machucar, sermos rejeitados ou machucar e rejeitar alguém. O amor parece tão frágil e imprevisível. Todos esses pensamentos giravam na minha mente confusa.

Eu pensava no famoso filme Love Story – Uma História de Amor, que tínhamos assistido recentemente. Uma esperta, atraente e jovem universitária se apaixona por um rapaz lindo e inteligente. Eles desenrolam o que parecia ser o relacionamento ideal, até que ela é diagnosticada com leucemia e morre.

Com o inevitável fator morte nesse caso, eu me questionava se valia a pena lutar pelos relacionamentos. Lembrei-me do início do nosso relacionamento. Estávamos flutuando numa bolha de sentimentos eufóricos. Aos meus olhos, ele era perfeito, e, aos olhos dele, eu era perfeita. Não parecia ser um esforço fazer sacrifícios no relacionamento. Em algum ponto, a bolha estourou e caímos no chão, sacudidos do êxtase e conscientes das dificeis realidades de imperfeição um do outro. Essa inevitável transição, do êxtase para a realidade, normalmente é a morte dos relacionamentos. Nós, porém, perseveramos, esperando sermos reenvolvidos por aquela bolha de encantamento.

O Espectro do Amor

Apesar de estar perplexa sobre o amor, sempre fui fascinada pela dinâmica dos relacionamentos. Naquele ponto da minha vida, eu só conhecia os relacionamentos materiais. Eu tinha interesse no espectro do amor. Na parte mais baixa do amor contínuo, encontramos o amor narcisista e egoísta, que só busca gratificar suas próprias necessidades. Pessoas com tal amor de baixo nível costumam ficar irritadas com seus parceiros e os abusam. Recentemente, uma jovem médica com quem eu trabalhava foi morta pelo seu ex-namorado um pouco depois de ter terminado com ele. Esse é um resumo de uma relação de exploração. Em essência: “Se não posso desfrutar de você, então ninguém pode”. A maioria dos relacionamentos neste mundo está manchada com algum grau desta mentalidade.

Quando eu deixei a faculdade para me mudar para um templo Hare Krishna, meu namorado da faculdade disse que seria mais fácil para ele se eu tivesse morrido, pois, pelo menos, ele teria a simpatia dos outros. Lembro-me de pensar que, se ele realmente me amava, iria querer que eu fosse feliz, porém, se ele não estivesse na equação, ele não se importaria comigo.

Tenho ouvido pessoas falarem sobre “amor egoísta”, e achei o termo contraditório. Se você realmente ama alguém, vai desejar o melhor pra ele ou ela, independentemente de suas próprias necessidades. Porém, em minha experiência, havia muito poucos exemplos de amor altruísta. Havia pessoas como Madre Teresa, que sacrificou seus confortos corpóreos e assumiu riscos incalculáveis para ajudar os outros. Essa é a ponta mais elevada do espectro do amor que eu já havia encontrado, e a considerava muito nobre e admirável.

A Psicologia Védica do Amor

Meu encontro com livros védicos, tais como o Bhagavad-gita, ajudou-me a entender muito mais sobre a psicologia do apego que temos um pelo outro. No Bhagavad-gita, Krishna diz a Arjuna que, quando nos absorvemos em pensar sobre como algo ou alguém pode satisfazer nossos sentidos, então, naturalmente, desenvolvemos apego e queremos explorar essa pessoa ou coisa para o nosso prazer. Se não podemos desfrutar do objeto da maneira que queremos, ficamos irados. Esse apego é, na verdade, luxúria. Entretanto, como ressoa como amor, a pessoa que é o objeto da luxúria de outrem pode se enganar, pensando que ele ou ela é amado.

A luxúria trata-se apenas de ganhar e tirar dos outros. Ela nunca é satisfeita e compara-se ao fogo. Tentar satisfazer a luxúria através de esforços materias é como colocar gasolina no fogo com a finalidade de extingui-lo. Enquanto as famintas chamas podem parecer estar momentaneamente subjugadas, elas consomem a gasolina e explodem como o fogo do inferno.

Muitas narrativas na literatura védica ilustram esse ponto. Uma que considero particularmente instrutiva é uma história no Srimad-Bhagavatam sobre um grande rei, Yayati, que salva uma jovem donzela que foi jogada dentro de um poço após suas roupas terem sido roubadas. A donzela, Devayani, era filha de um poderoso brahmana, Shukracharya. Ele abençoou a união fadada entre Yayati e sua filha com a condição de que Yayati devesse recusar ter sexo com qualquer outra mulher além de Devayani. Durante a época deste acontecimento, os homens da classe governante/militar normalmente tinham muitas esposas. O rei concordou com a condição, e o casamento foi realizado. Porém, o rei, mais tarde, transgrediu o acordo e engravidou uma das servas de Devayani. Como resultado, Shukracharya amaldiçoou o rei, que perdeu suas proezas sexuais e tornou-se um homem velho.

O rei Yayati implorou a Shukracharya que removesse a maldição, e Shukracharya concedeu ao rei permissão de negociar sua velhice em troca da juventude de alguém. Quando Yayati pediu aos seus filhos para fazer essa troca, seu filho mais novo concordou, após seus filhos mais velhos terem todos se recusado. O rei Yayati foi novamente revigorado para desfrutar dos prazeres do sexo com Devayani e fê-lo despreocupadamente.

Após muitos anos de desfrute com sua esposa, o rei chegou a uma forte convicção de que tal desfrute apenas aumentava seus desejos por prazer e nunca havia qualquer sentimento de satisfação. Ele, portanto, devolveu a juventude de seu filho e aceitou sua velhice. Quando o rei desistiu de explorar sua esposa para sua própria felicidade, sua verdadeira fortuna começou. Livre da avidez por desfrute material, que o incapacitou de experimentar o amor, ele descobriu o amor espiritual por Krishna.

A Arte e a Ciência do Amor

Minha própria experiência de ficar frustrada e insatisfeita nos relacionamentos materiais me atraiu para essas antigas histórias e a filosofia incluída nelas. Elas mapeavam muito claramente as falhas de uma vida dedicada a buscar prazer através dos nossos sentidos. A literatura védica também descrevia uma alternativa: bhakti-yoga, a arte e a ciência do despertar do nosso amor a Deus. Esse amor está adormecido em nós, assim como o amor por um homem ou por uma mulher permanece adormecido quando somos crianças, despertando apenas na puberdade. Nosso amor por Krishna automaticamente despertará quando Ele for convecido de que O desejamos mais do que qualquer outra coisa.

Mais ainda, por amar a Deus, passamos a amar todos, pois todos são partes dEle. No início, esse tipo de amor requer prática, porém, tornar-se-á espontâneo por fim.

Quão diferente é esse amor daquele amor que eu lutava para entender antes de me tornar uma devota? Descobri a resposta para essa questão nos versos deixados pelo Senhor Chaitanya. Krishna possui muitas encarnações, cada uma com um propósito específico e magnífico, mas a mais gloriosa é a encarnação do Senhor Chaitanya. Ele aparece nesta mais degradada das eras para nos ensinar como amar o objeto mais amoroso, Sri Krishna. Nessa encarnação, o Senhor aparece como um devoto, com os sentimentos amorosos da Sua devota mais especial, Sri Radha. Essa forma esotérica do Senhor pode ser difícil de ser compreendida para quem está de fora, e aqueles entre nós que foram introduzidos a essa divina forma devemos nos considerar muito afortunados.

Os discípulos do Senhor Chaitanya escreveram muitos livros para descrever a meta da vida, que é reviver nosso amor por Krishna. Porém, o Senhor Chaitanya escreveu apenas oito versos, deixando-os como Seu legado divino. Conhecidos como Siksastaka, esses oito versos contêm a essência de volumosos ensinamentos dos Vedas. No verso final, o Senhor Chaitanya, falando a Krishna no humor de Radha, diz: “Mesmo que partas Meu coração por não estar presente diante de Mim, és Meu adorável Senhor, nascimento após nascimento”. Eis o amor puro, incondicional: darmos sem esperar qualquer retorno.

Em Seu relacionamento com cada entidade viva, o próprio Krishna exemplifica semelhante sorte de amor. Independente de quão danosos sejamos a Ele, independente de quanto O rejeitemos, Ele continua a nos acompanhar em todas as espécies de vida, nos encorajando e nos estimulando a voltar às nossas raízes espirituais. Ele não descarta nem pretere nem mesmo as almas que assumiram o papel de adversários demoníacos – Ele sempre vê nosso potencial maior como Seu servo amoroso. Quando reassumirmos nossa identidade espiritual como Seu servo, também possuiremos o amor que o Senhor Chaitanya descreve em Seu verso final do Siksastaka.

No mundo espiritual, existe apenas amor puro. Nesse plano da realidade, a mentalidade mercantil do amor não existe. Ironicamente, por darmos sem expectativas, recebemos o maior presente: sermos envolvidos num caso de amor de bem-aventurança, cuja bolha nunca se rompe – a felicidade apenas continua a crescer.

Amar a Krishna não é algo apenas do mundo espiritual. Colocar nosso amor e nosso serviço a Krishna no centro de todas as nossas relações aqui é a fórmula de sucesso para casamentos e famílias saudáveis. Tirar o foco de nós e direcioná-lo ao Senhor nos ajuda a lembrarmo-nos de nossa posição mais como servos do que como exploradores. Praticar relacionamentos amorosos com devotos neste plano da existência pode ajudar a satisfazer nossa necessidade pscicológica por sociedade, amizade e amor, permitindo, simultaneamente, buscar a meta última de amar puramente a Krishna.

Tradução de Chitralekha Devi Dasi.

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