Você É Uno com Deus, Mas Você Não É Uno com Deus
A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada
Isso é contraditório, mas não é contraditório.
Conceber-se como sendo uno com o Supremo é o maior equívoco na autorrealização, e semelhante concepção equivocada impede que o sujeito se eleve ao estágio mais elevado de amor a Deus. Todavia, uma pessoa que compreende sua posição subordinada pode lograr o estágio mais elevado de serviço amoroso ao Senhor. Conquanto o Senhor e as entidades vivas sejam qualitativamente unos, as entidades vivas são limitadas, enquanto o Senhor é ilimitado. Essa compreensão, chamada amṛta-svarūpa, torna o sujeito apto a situar-se eternamente.
No Śrīmad-Bhāgavatam (10.87.30), os Vedas personificados oram ao Senhor: “Ó eterno supremo, se as entidades vivas fossem iguais a Ti e, destarte, onipresentes e onipotentes como Ti, não existiria a possibilidade de serem controladas por Tua energia externa, māyā”. Por conseguinte, as entidades vivas devem ser aceitas como porções fragmentárias do Supremo. Isso é confirmado no Bhagavad-gītā (15.7) quando o Senhor diz, mamaivāṁśo jīva-loke jīva-bhūtaḥ sanātanaḥ: “As entidades vivas são Minhas porções fragmentárias, eternamente”. Como porções fragmentárias, são qualitativamente unas com o Supremo, mas não são ilimitadas.
“Se as entidades vivas fossem iguais a Ti, não existiria a possibilidade de serem controladas por māyā”.
Quem se convenceu de que é eternamente servo do Senhor Supremo chama-se “imortal” porque realizou sua posição constitucional de imortalidade. A menos que o indivíduo possa entender sua posição como entidade viva e servo eterno do Senhor, inexiste questão de imortalidade. Contudo, quem aceita esses fatos se torna imortal. Em outras palavras, quem está sob o conceito errôneo de que a entidade viva e o Senhor Supremo são iguais sob todos os aspectos – tanto qualitativa como quantitativamente – está equivocado e continua fadado a permanecer no mundo material. Semelhante pessoa não pode se erguer à posição de imortalidade.
Tão logo obtém amor por Deus, o sujeito se torna imortal e não necessita mais trocar seu corpo material. Entretanto, mesmo se um devoto do Senhor ainda não atingiu o estágio de perfeição do amor a Deus, seu serviço devocional é considerado imortal. Qualquer ação no estágio de karma ou jñāna acabará ante a mudança de corpo, mas o serviço devocional, mesmo se não prestado perfeitamente, continuará na próxima vida, e a entidade viva poderá progredir mais.
A posição constitucional da entidade viva como um fragmento do Senhor Supremo é confirmada no Śrīmad-Bhāgavatam e nas Upaniṣads. A Śvetāśvatara Upaniṣad (5.9) afirma:
bālāgra-śata-bhāgasya śatadhā kalpitasya ca
bhāgo jīvaḥ sa vijñeyaḥ sa cānantyāya kalpate
“Se a ponta de um fio de cabelo fosse dividida em cem partes, e se uma dessas partes fosse novamente dividida em cem partes, essa parte de dez mil avos da ponta de um fio de cabelo seria a dimensão da entidade viva”.
Como já se mencionou, essa posição da entidade viva como fragmento do Senhor Supremo é declarada no Bhagavad-gītā (15.7) como sendo eterna; não pode ser mudada. Uma pessoa que entende sua posição constitucional como um fragmento do Senhor Supremo e se ocupa em serviço devocional com toda a seriedade torna-se imortal de imediato.
As entidades vivas partes integrantes estão enredadas na vida condicionada da existência material. Por causa de suas diversas atividades, estão vagueando por todo o universo, transmigrando de um corpo a outro e se submetendo a diversas formas de misérias. Entretanto, quando uma entidade viva afortunada, de uma maneira ou outra, entra em contato com um devoto puro do Senhor e se ocupa em serviço devocional, ela entra no caminho da perfeição. Se alguém se ocupa em serviço devocional com absoluta seriedade, o Senhor instrui esse alguém de duas maneiras – através do devoto puro e a partir do interior da própria pessoa – para que possa avançar em serviço devocional. Mediante o cultivo de tal serviço devocional, a pessoa se torna perfeita.
O Senhor Kṛṣṇa descreve essa forma de completa perfeição no Bhagavad-gītā (8.15):
mām upetya punar janma duḥkhālayam aśāśvatam
nāpnuvanti mahātmānaḥ saṁsiddhiṁ paramāṁ gatāḥ
“As grandes almas que se ocupam em Meu serviço devocional alcançam-Me, o Senhor Supremo, e não retornam a esta miserável vida material, pois atingiram a perfeição mais elevada”.
No Bhagavad-gītā, Kṛṣṇa esclarece a natureza do eu individual como sendo Seu servo e Seu fragmento eterno.
Tanto durante sua estadia no corpo material como após deixá-lo, o devoto atinge a perfeição mais elevada no serviço ao Senhor. Enquanto um devoto esteja em seu corpo material, suas atividades probatórias no serviço devocional preparam-no para ser transferido à morada suprema do Senhor. Somente quem está cem por cento ocupado em serviço devocional pode lograr essa perfeição.
Na vida material condicionada, a pessoa sempre sente as completas misérias causadas pela transmigração da alma de um corpo a outro. Antes de nascer, experiencia as misérias de viver no ventre de sua mãe, e, após o parto, vive por algum tempo antes de novamente ter de morrer e entrar no ventre de uma mulher.
Até que atinja essa perfeição, o indivíduo não pode ficar em paz. Ele pode pensar artificialmente que é uno com o Supremo, mas, na verdade, não é – em consequência do que não tem paz. Similarmente, alguém talvez aspire a uma das oito perfeições ióguicas no processo do yoga místico, como tornar-se o menor, tornar-se o mais pesado ou obter qualquer coisa que deseje, mas tais conquistas são materiais; não é a perfeição. Perfeição é reobter a própria forma espiritual original e ocupar-se no serviço amoroso ao Senhor. A entidade viva é parte integrante do Senhor Supremo e, se cumpre seus deveres de parte integrante, sem orgulhosamente considerar-se una sob todos os aspectos com o Senhor Supremo, atinge a verdadeira perfeição e se torna pacífica.
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